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Os diamantes da Anaconda

Epoca, Brasil, p.44-45
17 de Nov de 2003

Os diamantes da Anaconda
Prisão de empresários e policiais expõe esquema articulado por delegados da PF para contrabandear pedras preciosas de Rondônia

Andrei Meireles

O relatório da Polícia Federal que levou à deflagração da Operação Anaconda, no fim de outubro, apontava Rondônia como uma das seis bases de atuação da quadrilha, comandada por juízes paulistas, que intermediava a venda de sentenças judiciais. Nenhuma das 326 conversas grampeadas pela polícia, porém, trazia diálogos ocorridos no Estado. A dúvida quanto à presença de Rondônia no mapa durou até quinta-feira, quando a PF prendeu seis empresários e o agente federal José Cadete da Silva no sul do Estado.
O grupo é acusado de traficar diamantes extraídos ilegalmente da reserva indígena Roosevelt, localizada no município de Espigão do Oeste. A área, que abriga uma das maiores reservas de diamantes do mundo, pertence aos índios cintas-largas. De acordo com a investigação, há várias autoridades federais envolvidas.
Gravações telefônicas que ainda não vieram a público flagraram três delegados da Polícia Federal - Jorge Luiz Bezerra da Silva, José Bocamino e Wilson Perpétuo - tratando da profissionalização do contrabando de Rondônia. Primeiro, iriam montar uma lavra própria dentro da reserva indígena. A outra etapa consistia na construção de uma lapidaria em Ribeirão Preto, no Interior de São Paulo, para beneficiar as pedras trazidas da Roosevelt. De lá, os diamantes seriam finalmente contrabandeados para a Europa. Esse sistema mais organizado iria substituir o esquema atual, baseado na venda de diamantes roubados dos índios para contrabandistas internacionais. Tudo comandado por delegados da PE "Lamento que haja envolvimento de policiais federais com a exploração clandestina de garimpo em terras indígenas", afirma o delegado Paulo Lacerda, diretor-geral da Polícia Federal.
Não é a primeira acusação contra o delegado Perpétuo, que hoje trabalha na PF em Ribeirão Preto. Nos anos 90, quando comandou a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, ele foi condenado pelo Tribunal de Contas da União a devolver dinheiro que deveria ter sido utilizado na construção do novo Instituto Médico-Legal de Maceió, que nunca saiu do papel. Perpétuo chegou a ser afastado da PF pelo então ministro da Justiça, Renan Calheiros, mas foi reintegrado à instituição por decisão judicial.
Chefe da PF em Ribeirão Preto, o delegado Bocamino é o atual comandante de Perpétuo. Procurado por ÉPOCA na sexta-feira, Bocamino não foi localizado. Perpétuo não respondeu aos pedidos de entrevista deixados na caixa postal de seu celular. Jorge Luiz Bezerra, hoje aposentado, foi secretário de Segurança Pública do Espírito Santo e o primeiro alvo das investigações do Ministério Público Federal, iniciadas no começo do ano passado. Ele está preso na carceragem da PF em São Paulo.
A Constituição brasileira restringe a exploração econômica em áreas indígenas para proteger os moradores dos brancos. Mas a história recente da reserva Roosevelt mostra que as autoridades têm agido ao largo da lei. Na região, são recorrentes os relatos de pousos e decolagens de aviões em pistas clandestinas abertas dentro da reserva de 1.300 hectares. A bordo, contrabandistas internacionais de pedras preciosas que agiriam com a conivência da PE Garimpeiros autorizados a entrar na área pelos caciques envolvem-se freqüentemente em disputas sangrentas por diamantes.
No dia 31 de outubro, além de pedras preciosas, brotaram do lamaçal da reserva Roosevelt cinco corpos de garimpeiros em adiantado estado de decomposição. Quatro deles tinham sido assassinados 12 dias antes, durante a pausa para o almoço, com tiros de espingarda, pistola semi-automática e revólveres calibre 38. O quinto garimpeiro tinha sido morto dias antes. De acordo com um dos sobreviventes, Antônio Estério, os assassinos foram os próprios índios cintas-largas.
Os crimes são de difícil apuração. O acesso à área, localizada a 170 quilômetros do município de Espigão do Oeste, depende de autorização da Fundação Nacional do índio (Funai) e da condição das estradas. Sabe-se, agora, por meio da Operação Anaconda, que era preciso pagar pedágio às autoridades que deveriam zelar pela integridade física e patrimonial dos índios.
Colaborou Ronald Freitas

Época, 17/11/2003, p. 44-45

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