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Os anfíbios do cerrado

CB, Cidades, p. 40
05 de Ago de 2004

Os anfíbios do cerrado

Ela é esverdeada, tem pernas longas e finas e a cabeça arredondada. Lembra um lagarto, até mesmo um filhote recém-nascido de dinossauro. Mas, na verdade, é um anfíbio. Uma perereca, parente do sapo. O que a torna notícia é o fato de ainda ser pouco conhecida, até mesmo pelo meio científico. Foi descrita por um pesquisador há pouco tempo. Difere-se das demais espécies por causa da barriga alaranjada e de riscos pretos na pele. Nem nome popular ainda tem. É chamada pelo termo científico: Phyllomedusa oreades. Mora no cerrado brasileiro, em uma região a 400 km de Brasília.
A descoberta do anfíbio ocorreu em meio a um estudo científico de 12 anos. O biólogo Reuber Brandão, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), passou todo esse tempo investigando 11 pontos do cerrado. Do Distrito Federal à Bahia, de Goiás ao Tocantins. Catalogou 142 espécies de anuros (sapos, rãs e pererecas).
A região desbravada expôs a riqueza da biodiversidade nas proximidades de Brasília. São 42 espécies de anfíbios na Chapada dos Veadeiros. Outras 26 na Reserva Ecológica de Águas Emendadas e mais 27 em Poço Azul (leia quadro). Algumas famosas, como o sapo cururu e a perereca rapa-cuia. Outras ainda desconhecidas, à espera de estudos mais detalhados.
A diversidade se explica pelas características do cerrado, que abrange hidrografia, altitude e clima variados. A vegetação tem vizinhos nobres. Espalha-se pela Amazônia, Mata Atlântica, caatinga, Pantanal e campos do Sul do país. ''As relações com os demais biomas fazem com que encontremos aqui espécies típicas dessas outras regiões, formando um painel rico entre os anfíbios do cerrado'', conta Reuber Brandão.
Mal de Chagas
O resultado da pesquisa surpreendeu o biólogo. E revelou a falta de conhecimento da vida silvestre do cerrado. Para o especialista, o segundo maior bioma (conjunto de ecossistemas) da América do Sul guarda espécies de anfíbios jamais pesquisadas em seus 2 milhões de km². Até hoje houve apenas 15 anos de estudo. ''O Brasil tem 650 rãs, sapos e pererecas identificadas. O número é considerado pequeno diante do que ainda está escondido'', avalia o especialista.
Foi o caso da Phyllomedusa oreades, espécie de hábitos noturnos encontrada na Serra da Mesa, em Goiás. A perereca foi estudada por quatro anos até ser descrita por Reuber Brandão. Ganhou um nome científico em 2002. E abriu oportunidades para a pesquisa científica. Na pele do anfíbio, os cientistas descobriram substância capaz de matar o protozoário Trypanosoma cruzi, transmissor do Mal de Chagas e presente nos barbeiros. A doença não tem cura e os medicamentos existentes só têm efeito na fase aguda (primeiras oito semanas).
O estudo também permitiu o mapeamento da região. Até mesmo a análise da distribuição dos anfíbios no cerrado. Sabe-se hoje que 80% das espécies de anuros estão limitadas a uma ou duas localidades. A ocorrência delas é de 21 a 44 bichos por região. ''A distribuição é mais restrita por causa da exigência na adaptação do habitat. Quanto mais distantes, mais diferentes as comunidades'', explica.
Phyllomedusa oreades
A nova espécie de perereca vive apenas nas regiões altas do Planalto Central. Foi descrita pela primeira vez em 2002. Tem hábitos noturnos e alimenta-se de insetos. O anfíbio tem importante valor científico. Na pele da Phyllomedusa foi encontrada substância capaz de matar o protozoário Trypanosoma cruzi, transmissor do Mal de Chagas. A doença ainda não tem cura e os medicamentos existentes só têm efeito na fase aguda (primeiras oito semanas).

Raio-X
O cerrado brasileiro tem 2 milhões de km². É o segundo maior bioma (conjunto de ecossistemas) da América do Sul.
Menos de 20% da área de cerrado está em bom estado de conservação
Menos de 3% da superfície está protegida em unidades de conservação integral

Mapa dos anfíbios

Em 12 anos de estudo, o biólogo Reuber Brandão catalogou anfíbios em 11 localidades:
Chapada dos Veadeiros (GO) - 42
Palmas (TO) - 42
Reserva do IBGE (DF) - 33
Serra da Mesa (GO) - região alta - 32
Serra da Mesa (GO) - área inundável - 29
Poço Azul (DF) - 27
Reserva Ecológica Águas Emendadas (DF) - 26
Pirenópolis (GO) - 25
Fazenda Trijunção (BA) - 25
Parque das Emas (GO) - 22
Britânia (GO) - 22

Ambiente precisa de mais atenção

Os resultados das pesquisas deixaram o biólogo Reuber Brandão preocupado com o futuro do cerrado. Menos de 20% da vegetação nativa estão em bom estado de preservação. Apenas 3% da superfície encontram-se em unidades protegidas por lei. ''Não adiantam pesquisas se não há política de conservação'', reclama Brandão. Perdem-se 2,6 milhões de hectares de mata nativa por ano. Os inimigos são as queimadas, inundações para construções de hidrelétricas e os produtores de soja e outros grãos, que desmatam sem pudor. Na Serra da Mesa, onde vive a Phyllomedus, o enchimento do lago da usina local acabou com 31 espécies de anfíbios da região. A perereca sobreviveu porque prefere regiões altas.
Os riscos também existem para os anuros endêmicos, seres dependentes de condições ambientais específicas. Reuber Brandão identificou 52 deles no cerrado. Todos ameaçados pela destruição do ecossistema, restrito para este tipo de animal. Eles não resistem nem mesmo à mudança na qualidade da água. A pele permeável deixa os anfíbios vulneráveis às contaminações químicas. ''Por precisarem de boa qualidade dos ambientes para a reprodução, os anfíbios são excelentes indicadores ambientais. Sua presença pode denunciar a saúde da região em que habita'', explica o biólogo. A extinção dos animais aponta ainda para a quebra da cadeia alimentar. Os anfíbios são predadores de insetos e presas de mamíferos, aves e serpentes.

CB, 05/08/2004, Cidades, p.40

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