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Operação Arco de Fogo, as escolhas de Paragominas

O Eco Amazônia - http://www.oecoamazonia.com/
Autor: Gustavo Geiser
19 de Set de 2011

Quando paramos para pensar no combate a crimes ambientais, para um policial, é constrangedora a pergunta "Tá, mas qual crime ambiental vamos combater?". Que ela possa ser feita pode deixar alguns surpresos. Entretanto, para quem está perto do problema é uma questão óbvia: o Estado não tem condições de combater a todos os crimes ambientais que, por exemplo, estão ocorrendo agora. Se a escolha é enfatizar o desmatamento, por exemplo, sobrarão menos recursos para ir atrás do tráfico de animais silvestres.

Há quem prefira fingir que não, que todo e qualquer crime ou infração ambiental recebe (ou deveria receber) a devida atenção do Estado. Deixo esse debate para os que preferem viver no mundo de sonhos. Aos que buscam ajudar a garantir a preservação do meio ambiente, convido a fazer a mesma reflexão e me acompanhar em uma ação policial de verdade, sem estereótipos. Afinal, os recursos do Estado são finitos e, desde que o mundo é mundo, "desvestimos um santo para vestir outro". Algum há que ficar nu nessa história.

Para quem se indigna com os crimes ambientais, estou em uma posição privilegiada. Faço parte da máquina e, através de meu trabalho na Polícia Federal, vou a campo buscar punir os infratores e posso ajudar no planejamento das ações de combate a crimes ambientais. À maioria das pessoas age através de escolhas pessoais,como buscar o consumo consciente ou destinar seus resíduos da maneira menos impactante ao ambiente. Mas o cidadão interessado não deve abrir mão do seu papel de denunciar crimes e de pressionar o Estado a cumprir bem o seu papel.

Por isso, compartilho com vocês uma história de escolha. Participava da Operação Arco de Fogo, uma operação permanente de combate a crimes ambientais no chamado "arco do desmatamento" da Amazônia. Ela é realizada em conjunto pela Polícia Federal, IBAMA e Força Nacional. Deparávamo-nos com uma gama de crimes ambientais distintos, desvinculados entre si. Gastar o tempo, equipe e viaturas em um deles, implicaria necessariamente em deixar de lado outros. Nessas horas, surge outra pergunta mais técnica e ainda mais incômoda:

- Qual tipo de crime ambiental vamos combater?

Naquele momento, uma das bases da "Arco de Fogo" estava em Paragominas-PA, no final de 2008. Por um lado, poderíamos manter a base fixa por meses em uma cidade para fazer o máximo de coisas, deixando outra região completamente abandonada, ou focar num tipo específico de crime, e combatê-lo em uma região mais ampla.

Os principais crimes eram ligados a desmatamento (corte raso para formação de pastagens e lavouras), retirada ilegal de madeira e descumprimento do embargo, realizado pelo IBAMA, em áreas já desmatadas ilegalmente em anos anteriores. No cardápio bastante amplo, havia também serrarias ilegais ou com madeira ilegal estocada, garimpos clandestinos e indústrias funcionando sem a devida licença ambiental. Para não falar de ilícitos ligados aos chamados créditos de madeira. Eram crimes distintos e que requeriam cada um infraestrutura e habilidades policiais específicas. O que escolher?

Fui encarregado de levantar ilícitos, sem que me apontassem quais. Em conjunto com o grupo, optamos por fazer duas coisas distintas. Uma exigia um número grande de agentes, mas não impunha dificuldade de deslocamento -- terrível nas estradas de terra da região. Essa opção foi fiscalizar as serrarias na área urbana. Tratava-se de encontrar as serrarias ilegais e, entre as legalizadas (aquelas que possuíam Licença de Operação da SEMA-PA), descobrir quais tinham estoque de madeira incompatível com o próprio volume de créditos de madeira no sistema da SEMA. Essa frente de trabalho foi bem-sucedida e gerou um volume enorme de madeira apreendida. Vale um outro artigo - podem me cobrar - a análise do que acontece com a madeira apreendida.

Para explicar melhor o que é considerado madeira legal, trata-se da madeira nativa estocada ou transportada, seja em toras ou processada, com origem lícita, comprovada através do sistema de créditos citado acima. Quando o Estado autoriza a exploração de madeira, o faz em um determinado volume e por espécie. Cada carga de toras retirada da mata deve ser acompanhada de um documento de origem florestal, que aponta o volume retirado, que deve ser debitado do total autorizado. O documento denominado "Documento de Origem Florestal-DOF" http://servicos.ibama.gov.br/ctf/manual/html/160000.htm , quando emitido pelo IBAMA, ou "Guia Florestal-GF", quando emitido pela SEMA, segue a madeira até sua comercialização final.

Mas vamos a segunda escolha dessa investida, uma atividade em campo. Ao invés de buscarmos novos desmatamentos, optamos por verificar se as áreas embargadas em ações anteriores do IBAMA estavam tendo, de fato, sua regeneração respeitada. Quando isso não acontece, essas extensões podem continuar expandindo o desmatamento ou, então, ser usadas ilegalmente como pastagens e/ou lavoura. Por que perseguir essa opção? Simples. O decreto 6321/2007, um dos últimos assinados por Marina Silva antes de deixar o Ministério do Meio Ambiente, autoriza o IBAMA a apreender todo equipamento ou produto agropecuário em áreas cujo embargo foi desrespeitado. Com isso, gera-se um prejuízo maior ao infrator e essa tem se mostrado a melhor maneira de coibir novas infrações.

Esse decreto foi importantíssimo, pois finalmente o embargo de uma área deixava de ser um papel morto. A partir dele, o proprietário é imediatamente punido por uso econômico de área ilegalmente desmatada. Foi o início das "Operações Boi Pirata", do IBAMA, e outras, de grande eficácia por inibir o investimento dos pecuaristas e agricultores em novos desmatamentos.

Tivemos bons resultados também nessa frente. Em um momento, um comerciante local nos procurou e perguntou:

- É verdade que vocês vão apreender toda a colheita de milho de fulano?

"Sim, por que?", respondi.

- Porque não é só ele que vai quebrar, mas eu também, pois fui o fornecedor de todos os seus insumos, para pagamento após a colheita, e não vou receber...

Que eu saiba a empresa não quebrou, mas certamente os agricultores agora são mais cautelosos antes de trabalhar em uma área embargada, e os comerciantes não lhes oferecem mais crédito para suas atividades.

Apesar do êxito dessas duas ações, como contarei na próxima coluna, tal decisão levou a não atacarmos com eficácia outras frentes. As consequências e a conta vieram depois.

Como essa é a minha primeira coluna em ((o))eco, aproveito para me apresentar. Sou Engenheiro Agrônomo, formado pela ESALQ-USP, com mestrado em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina, onde trabalhei também como analista de mercado de commodities agrícolas, na empresa Agroconsult. Em 2005, ingressei na Polícia Federal como Perito Criminal Federal, trabalhando prioritariamente na área de meio ambiente. Resido em Belém do Pará desde 2006. Gostei do convite de ((o))eco para escrever esta coluna visto que, a meu ver, há uma distância grande entre aqueles que militam pelo meio ambiente nos grandes centros urbanos - que também são os centros de tomada de decisões - e a realidade, difícil e contraditória, dos atores sociais aqui do norte do país. Espero poder contribuir, reduzindo essa distância.

http://www.oecoamazonia.com/br/artigos/9-artigos/315-operacao-arco-de-f…

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