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ONGs os novos inimigos do capitalismo

Exame, Meio Ambiente, p. 22-34
25 de Out de 2006

ONGs os novos inimigos do capitalismo
Os prejuízos e desafios das empresas brasileiras na convivência com grupos radicais que lutam contra o livre comércio, a globalização e o agronegócio

Por Felipe Seibel e Tatiana Gianini

Os ativistas na defesa do meio ambiente iniciaram, nos últimos meses, um novo ciclo de espalhafatosas ações de protesto contra as grandes empresas. Em maio, uma das maiores organizações não-governamentais (ONGs) do mundo, o Greenpeace, espalhou dezenas de ativistas fantasiados de frango em 30 lanchonetes do McDonald's na Inglaterra e na Alemanha, enquanto outras pessoas distribuíam cartazes com o personagem Ronald McDonald segurando uma motosserra. Mais recentemente, em junho, dezenas de manifestantes ocuparam as portas de fábricas da Cargill, uma das gigantes do setor mundial de agronegócio, com faturamento anual de 71 bilhões de dólares. Os protestos concentraram-se na sede européia da companhia, em Liverpool, na Inglaterra, e numa das subsidiárias do grupo, a Sun Valley, na França. Com o movimento, os ambientalistas conseguiram paralisar durante algum tempo o trabalho das indústrias, acorrentando-se a seus portões de entrada.
Apesar de essas ações terem ocorrido a milhares de quilômetros de distância do Brasil, elas atingem em cheio alguns dos mais promissores setores da economia do país. Nos últimos meses, a proliferação de protestos e a crescente preocupação ambiental colocaram o Brasil no centro de uma ruidosa batalha entre milhares de ONGs das mais variadas estirpes e um número crescente de empresas que atuam no país. Os protestos de ambientalistas geram problemas sérios, por exemplo, para a produção nacional de soja, um negócio que rende, por ano, ao país, mais de 9 bilhões de dólares. O estopim do movimento foi um relatório em que o Greenpeace acusa os fazendeiros de serem os novos vilões do desmatamento da Amazônia. De acordo com o trabalho, áreas cada vez maiores da floresta estão dando lugar a plantações de soja. A ONG também responsabiliza pela situação todas as empresas que se alimentam da cadeia do produto. A Cargill compra e processa a soja brasileira, transformando-a em produtos finais, como os nuggets vendidos pela Sun Valley na Europa ao McDonald's. "Elas são cúmplices na destruição da Amazônia", afirma Paulo Adário, coordenador do Greenpeace no Brasil.

Além da soja, vários outros setores empresariais enfrentam hoje o fogo cruzado das ONGs (veja quadro acima). No universo dos transgênicos, os ativistas elaboram listas negras de companhias que incluem na fórmula de seus produtos algum tipo de matéria-prima geneticamente modificada. Na área de infra-estrutura, nada menos do que metade do grupo de 20 obras consideradas prioritárias para o desenvolvimento do Brasil não saiu do papel ou está atrasada em razão de questões ambientais. O setor de papel e celulose é bombardeado constantemente, com invasão de fábricas, destruição de laboratórios de pesquisa e campanhas no exterior. Suas indústrias são acusadas de criar "desertos verdes" de pínus e eucalipto, o que, na visão dos ativistas, gera deterioração do solo e destruição da biodiversidade. Nos últimos meses, as empresas da área tornaram-se alvo de reivindicações dos quilombolas, comunidades de descendentes de escravos que querem de volta as terras onde teriam vivido seus antepassados.
A preservação da floresta Amazônica, o respeito às minorias étnicas e aos direitos dos consumidores, entre outras causas, são questões que interessam a todos, e é bom que existam vozes organizadas da sociedade civil preparadas para denunciar ilegalidades e abusos. Nos últimos tempos, manifestos contra o aquecimento global, feitos por gente qualificada, como o ex-vice-presidente americano Al Gore, têm mobilizado cidadãos, governantes e empresas de todo o mundo para a solução de problemas ambientais. Entidades civis sérias, algumas com décadas de vida, muitas vezes preenchem o vazio deixado pelo Estado em serviços públicos, como saúde e educação. Quem, em seu juízo perfeito, pode ser contra isso? O problema é que, dentro do tremendo "balaio de gatos" que se transformou o universo das ONGs, há entidades sérias misturadas a associações oportunistas e radicais, algumas delas com objetivos políticos, outras com metas puramente financeiras. Há quem de fato busque soluções para os graves problemas do planeta. Há quem queira apenas destruir as empresas e o progresso. Como do outro lado também existem alguns empresários com uma visão estreita e radical, os conflitos pipocam por várias áreas. Pior para o Brasil, que corre o risco de ficar sem obras vitais de infra-estrutura, como novas usinas hidrelétricas ou estradas, e de ver barrado o avanço sadio de empresas instaladas em setores nos quais o país é altamente competitivo, como o agronegócio.
Em qualquer época da história, sempre há quem se oponha às mudanças e ao desenvolvimento. Desde o advento do capitalismo, a categoria de inimigos do sistema já foi preenchida por vários personagens -- ludistas, anarquistas, comunistas, socialistas. Hoje, os militantes das ONGs mais radicais são os que melhor cumprem esse papel. Segundo a nova ideologia, o mundo de hoje seria dominado por gigantescas corporações interessadas em ganhar muito dinheiro à custa da saúde das pessoas e do planeta. Caberia às ONGs o heróico papel de combatê-las. Nessa luta, é preciso abalar os pilares do sistema capitalista -- as empresas, os organismos multinacionais, os governos -- com todas as armas que tiverem à mão. Pode ser vestindo-se de frango. Pode ser sitiando os encontros do Fundo Monetário Internacional. Pode ser divulgando informações, muitas vezes duvidosas ou simplesmente equivocadas, sobre o desmatamento da Amazônia e sobre os impactos da construção do Rodoanel de São Paulo. A licença para o trecho sul da obra, considerada fundamental para aliviar o caos no trânsito de São Paulo, reduzir a emissão de poluentes por parte dos caminhões que atravessam a cidade e melhorar a qualidade de vida da população, demorou quatro anos para sair. Entre outros problemas, a ONG Instituto Socioambiental argumentava que havia, na região de obras, um tipo raro de rã. Estudos provaram que se tratava de uma espécie ordinária. As obras só foram liberadas em setembro deste ano.
Há alguns agravantes para a situação. Um deles é a atual composição do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, que tem alguns de seus principais cargos ocupados hoje por profissionais oriundos de organizações não-governamentais. "Eles têm uma série de preconceitos contra o agronegócio", afirma Normando Corral, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). Outro problema grave é a falta de controle sobre as atividades das ONGs no Brasil. Não se sabe sequer o número de organizações que atuam por aqui. O último levantamento realizado pelo IBGE é de 2002 e registra a existência de 275 000 entidades do tipo, entre grupos de ambientalistas, casas de caridade, fundações esotéricas e movimentos sociais de todos os tipos, incluindo o incendiário MST.
Embora sempre cobrem atitudes transparentes das empresas que criticam, são pouquíssimas as ONGs que publicam balanços e abrem ao público suas fontes de sustentação. A caixa-preta dos esquemas de financiamento (veja reportagem na pág. 30) gera suspeitas de que algumas entidades façam um barulho menos por razões ideológicas e mais por necessidade de atender aos interesses de seus mecenas. Na guerra atual entre as ONGs e os sojicultores da Amazônia, por exemplo, alguns agricultores entendem que estão sendo acusados de destruição da floresta devido a um complô internacional para diminuir a competitividade do produto no mercado externo. "São ações manipuladas", afirma Corral, da Famato.
Até que ponto realmente a soja merece o papel de vilã da história? Difícil dizer. Os dados disponíveis permitem concluir que houve realmente aumento considerável do plantio dentro da área da floresta nos últimos anos. Entre 2001 e 2005, ele passou de 235 000 hectares para 1,1 milhão de hectares -- ou seja, quintuplicou. Mesmo considerando essa evolução, ainda é uma ocupação pequena. Mais precisamente, as plantações de soja espalham-se hoje por 0,3% da área da floresta. Ainda que qualquer estrago, por menor que seja, mereça preocupação, tendo em conta o valioso patrimônio ambiental da Amazônia, a cifra parece desproporcional ao barulho que se vem fazendo em relação ao tema.
Além disso, ninguém pode afirmar com 100% de certeza se os atuais 1,1 milhão de hectares de soja plantados na Amazônia invadiram áreas proibidas. Os agricultores dizem que a maioria dos cultivos está de acordo com a lei, que permite a exploração de 20% da área de cada propriedade localizada dentro da floresta. Os produtores também argumentam que a soja só ocupa áreas previamente degradadas por madeireiros. Trata-se de uma discussão quase sempre obscurantista, na qual a razão perde para a emoção. O resultado é a proliferação de conflitos e da atividade clandestina, e portanto não fiscalizada, em algumas regiões do país (veja quadro ao lado).
Em outros grandes temas na pauta dos ambientalistas no Brasil, a discussão também é contaminada por um grau elevado de irracionalidade. Tome-se como exemplo o caso dos protestos contra a indústria de papel e celulose, cujas imensas áreas plantadas de eucalipto e pínus para obter matéria-prima são classificadas de "desertos verdes" por algumas ONGs. "Essa acusação está longe de ser um consenso dentro do movimento ambiental", afirma o biólogo Roberto Waack, diretor no Brasil do Forest Stewardship Council (FSC), organização internacional voltada para a certificação do manejo florestal responsável. A entidade concede às áreas plantadas pela indústria um selo de qualidade sempre que elas se adequam aos mais rigorosos padrões ambientais. Entre as florestas da indústria de papel e celulose do Brasil, 30% delas possuem essa espécie de IS0 9000 verde, um número considerado alto pelos especialistas.
Não é o suficiente, contudo, para fazer cessar as críticas e as ações de algumas ONGs. O alvo predileto é a empresa capixaba Aracruz, líder mundial na produção de celulose. Desde 1998, as propriedades da empresa já sofreram 20 invasões. Um dos episódios mais violentos ocorreu no início deste ano, quando um grupo de mulheres ligado ao MST destruiu o laboratório da companhia, no Rio Grande do Sul, provocando prejuízo de 20 milhões de dólares. Os casos de vandalismo continuam. Em setembro, com apoio de várias ONGs, tribos indígenas tomaram áreas de florestas da empresa na cidade de Aracruz, no Espírito Santo, onde fica a sede da companhia, e queimaram 170 hectares de eucaliptos. "Algumas ONGs são contra o agronegócio", afirma Carlos Alberto Roxo, diretor de meio ambiente da Aracruz.
As ONGs surgiram no mundo em meados dos anos 40 e, durante muito tempo, estavam mais associadas a trabalhos de filantropia. Nas décadas mais recentes, essas organizações se multiplicaram e ganharam popularidade levantando bandeiras ambientalistas, como a defesa das baleias e a oposição à construção de usinas nucleares. A queda do Muro de Berlim, em 1989, foi um marco na história das ONGs. A derrocada dos regimes socialistas deixou uma lacuna ideológica que, aos poucos, foi sendo preenchida pelas organizações não-governamentais. "As crises e as contradições do capitalismo alimentam as ONGs de hoje", afirma Jude Fernando, professor do departamento de desenvolvimento internacional da Clark University, em Massachusetts, nos Estados Unidos.
Nada exemplifica melhor o fenômeno de ideologização das ONGs do que o Fórum Social Mundial, cuja primeira edição ocorreu no Brasil, em 2001. O evento atraiu 20 000 pessoas, representando sindicalistas, feministas, índios e uma enxurrada de organizações não-governamentais. Uma das estrelas do encontro foi o polêmico ativista francês José Bové, militante antitransgênicos, antiagronegócio e pró-subsídios agrícolas europeus. Até hoje, as edições do fórum servem de palco para os manifestantes bradarem palavras de ordem contra o agronegócio, a sociedade de consumo, a globalização e as grandes empresas. "As ONGs acreditam que o capitalismo aumenta a divisão entre os ricos e os pobres", afirma Alnoor Ebrahim, professor da faculdade de economia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. No lugar do sistema econômico atual, as entidades falam em implantar um "capitalismo mais humano", uma idéia um tanto quanto vaga, que mistura conceitos como "fraternidade" e "solidariedade", mas sem o racionalismo econômico de Karl Marx e sem a idéia do controle dos meios de produção por parte do Estado.
Curiosamente, as ONGs beneficiam-se muito de algumas das estruturas que tanto criticam. É o caso da globalização. Graças a esse fenômeno, as entidades do Terceiro Setor multiplicaram seu poder e ganharam alcance mundial. Muitas organizações atuam hoje como verdadeiras multinacionais movidas por causas. A ambientalista WWF, por exemplo, está presente em quase 100 países e tem orçamento anual de 500 milhões de dólares. "As ONGs substituem os velhos revolucionários e são mais eficazes, porque deixaram de lado os coquetéis molotov para usar terno e gravata", diz Avner Offer, professor de história econômica da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Nessa briga, a internet surge como uma poderosa aliada das ONGs, seja na hora de captar recursos, seja para divulgar as últimas operações. O capítulo divulgação contém outra ironia -- as ONGs são tão ou mais obcecadas que as empresas no sucesso de seu departamento de marketing. Afinal, tanto quanto as companhias, elas precisam atrair a atenção -- e o bolso -- de milhões de simpatizantes (investidores) ao redor do planeta. "As ONGs adoram desancar as empresas, mas na verdade elas têm muitos pontos em comum", diz Offer.
A força dos ativistas decorre de outro fenômeno recente do capitalismo -- o poder inédito detido pelos consumidores nos principais países do mundo. Cada vez mais, quem está na ponta do consumo determina como agem as empresas em toda a extensão da cadeia produtiva. Acuadas pelas forças dos ativistas (ou "chantagistas verdes", como foram batizados por seus críticos), muitas multinacionais acabam cedendo a seus apelos. "As empresas morrem de medo de sofrer boicotes", diz Edouard Bustin, professor de ciência política da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. Cientes de como funciona o mercado nas economias modernas, muitas ONGs preferem concentrar suas ações em empresas que dependem diretamente do consumidor. Foi o que fizeram no caso referente à soja produzida no Brasil -- as ONGs foram diretamente ao McDonald's na Europa para tentar induzir a rede a cortar as compras no mercado brasileiro. A Starbucks, maior rede de cafeterias do mundo, famosa por seu viés social, é também um alvo recente dos movimentos da chamada sociedade civil. Com faturamento anual de mais de 6 bilhões de dólares e enorme visibilidade, a Starbucks vem sofrendo pressões por parte de uma ONG californiana, a Global Exchange. Durante um período, seus ativistas praticamente acamparam na porta da empresa, em Seattle. A moeda de troca para deixarem o local e não expor de forma negativa a marca: a Starbucks teria de adquirir matéria-prima de pequenos agricultores da Colômbia, da Tanzânia e da Etiópia, entre outras localidades. Feito.
Detalhe: quem define o preço do café que a rede compra é a ONG -- em geral, a cotação fica acima da média mundial. O discurso da Global Exchange é que se trata de um valor mínimo para garantir uma vida digna aos produtores desses países, embora ninguém saiba ao certo como isso foi calculado. Não satisfeita em levar à frente sua pretensão de revogar as leis de mercado (seu slogan é "Comércio justo no lugar de comércio livre"), a Global Exchange continua atazanando a Starbucks. Alega que o volume de café comprado pela empresa ainda é muito baixo. Ela quer agora que a multinacional transforme os produtores da Colômbia, da Tanzânia e da Etiópia -- independentemente da qualidade do produto, dos serviços prestados e do preço praticado -- em seus principais fornecedores. Quando a direção da Starbucks argumenta que eles são incapazes de produzir o volume necessário, a ONG ameaça realizar novas manifestações na porta da empresa.
Para o bem ou para o mal, as companhias são obrigadas a conviver com as forças do Terceiro Setor, e esse é um caminho sem volta. Em muitos casos, é importante registrar, graças às pressões dos ambientalistas várias companhias realizaram mudanças importantes em seus processos industriais. No ramo de papel e celulose nacional, até a década de 80, por exemplo, as indústrias do setor vomitavam um dejeto negro altamente poluente nos rios, como substrato de sua produção. É também por força do trabalho dos ambientalistas que a indústria de automóveis esforça-se hoje para lançar carros menos poluentes, e que muitas multinacionais passaram a banir fornecedores que usam trabalho infantil ou que desrespeitam o meio ambiente. Nesse aspecto, o marco mundial de transformação foi um caso ocorrido com a Nike, gigante americana de materiais esportivos, no final dos anos 90. Após denúncia de que a companhia utilizava fornecedores na Ásia que violavam leis trabalhistas, o preço das ações da Nike despencou, a empresa foi processada e, em 2003, fez um acordo e pagou 1,5 milhão de dólares para a Fair Labor Association, um grupo de monitoramento de condições de trabalho. Desde então, a empresa mudou completamente suas práticas, adotando um comportamento tido como exemplar nessa área.
Setores muito visados, como o petrolífero, também vêm demonstrando preocupações inéditas graças às pressões das ONGs. Um exemplo nessa questão é a Exxon Mobil, responsável pelo trágico episódio do derramamento de 42 milhões de litros de óleo no mar do Alasca, em 1989. Desde então, a empresa vem tentando se livrar do estigma de destruidora do meio ambiente. Um de seus projetos, que englobou em 2003 a inauguração de um campo de petróleo no Chade e a de um oleoduto de 1 050 quilômetros até a costa de Camarões, é considerado um dos mais rigorosos feitos até hoje em termos de minimização de impacto ambiental. Entre outras medidas, a Exxon contratou uma historiadora para ouvir os anseios das comunidades envolvidas. Como resultado, o projeto foi revisado diversas vezes e a rota do oleoduto deixou de passar por algumas áreas de caça e de preservação ambiental.
"O único caminho possível é o diálogo", afirma Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). No momento, Jank presta consultoria para a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), sobre como solucionar os conflitos atuais entre ambientalistas e sojicultores na Amazônia. Alguns avanços importantes já ocorreram. Em julho, os processadores e exportadores de soja resolveram decretar uma moratória inédita. Num período de dois anos, os empresários comprometem-se a não comprar sequer um grão de soja de novas áreas devastadas na floresta. Paralelamente, iniciou-se uma grande rodada de negociações entre representantes das ONGs, do agronegócio e dos governos dos principais países produtores para criar um selo de certificação ambiental para a soja plantada na Amazônia e em outras regiões do mundo. São episódios como esse que deixam aberta uma fresta de esperança de que ainda é possível encontrar um meio-termo entre o progresso e a preservação do meio ambiente.

Na mira dos ativistas
Os grandes embates da atualidade entre as ONGs e alguns setores empresariais brasileiros

Soja
Acusação
Os ambientalistas fazem campanhas internacionais acusando os produtores de estarem entre os principais responsáveis pelo desmatamento da
floresta Amazônica

Defesa
Os agricultores dizem ocupar uma área muito pequena dentro da floresta e que o plantio ocorre em espaços devastados anteriormente por madeireiros e pecuaristas

O que está acontecendo agora
As agroindústrias decretaram moratória para evitar plantio de soja em áreas proibidas e estão discutindo com as ONGs a criação de um "selo verde" para produtos que atendam às normas ambientai

Papel e celulose
Acusação
As florestas plantadas pela indústria de papel e celulose são chamadas de "desertos verdes". Na visão dos ambientalistas, elas deterioram o solo e geram perda de biodiversidade

Defesa
A indústria reconhece que suas florestas não são ricas em biodiversidade, mas diz que preserva parte da mata nativa e realiza o replantio de algumas espécies em corredores verdes

O que está acontecendo agora
A Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), que reúne os principais empresários do setor, procura no mercado um profissional que terá como uma de suas principais missões dialogar com as ONGs

Etanol
Acusação
Os ativistas alegam que os usineiros desrespeitam as leis trabalhistas e utilizam na produção processos desnecessários que agridem o meio ambiente, como as queimadas

Defesa
Os usineiros dizem que o problema de mão-de-obra ilegal está sendo erradicado no país e que boa parte da produção já é mecanizada, o que vem diminuindo a incidência de queimadas

O que está acontecendo agora
Os ativistas do Terceiro Setor estão se organizando para fazer grandes campanhas mundiais para denunciar as condições em que o etanol é produzido nos campos e nas usinas do Brasil

Transgênicos
Acusação
Segundo algumas ONGs, os transgênicos podem fazer mal à saúde. Elas querem moratória por tempo indeterminado de seu cultivo e sua comercialização

Defesa
Não existem provas de que os transgênicos são prejudiciais. As sementes geneticamente modificadas são mais resistentes a pragas - e, por isso, demandam menos uso de agroquímicos

O que está acontecendo agora
Enquanto Estados Unidos e Argentina levam dois meses para aprovar novas variedades de transgênicos, no Brasil há produtos que aguardam há oito anos na fila, por causa da burocracia e da pressão das ONGs

Infra-estrutura
Acusação
As empresas querem passar por cima das leis ambientais, além de ignorar os direitos dos índios e das comunidades que ocupam as áreas em que serão construídas estradas e usinas hidrelétricas
Defesa
As companhias dizem que a lei brasileira é uma das mais rigorosas do mundo e que o radicalismo das ONGs ajuda a criar ainda mais empecilhos à execução das obras
O que está acontecendo agora
Mais da metade das 20 obras de infra-estrutura consideradas prioritárias para o desenvolvimento do país não saiu do papel ou está atrasada por causa de questões ambientais

Santarém, a cidade dividida
Município do Pará virou o palco da guerra entre ambientalistas e agricultores no Brasil
A cidade de Santarém, localizada no noroeste do Pará, virou nos últimos meses o epicentro no Brasil dos confrontos entre ONGs e produtores rurais. Na região estão algumas das principais entidades do Terceiro Setor, como o Greenpeace, a WWF e a Amigos da Terra. Esses grupos fincaram bandeira na região por entenderem que se trata de um lugar estratégico para a defesa da Amazônia. O foco atual dos manifestantes é a expansão das plantações de soja na área da floresta. A construção na cidade de um porto da Cargill, uma das maiores multinacionais do agronegócio, acendeu o estopim da guerra. O terminal custou 20 milhões de dólares e foi inaugurado em 2003. Tem capacidade para receber navios de grande porte, que transportam até 60 000 toneladas de grãos.
A principal acusação que as ONGs fazem à obra é a de que ela não tem licença ambiental do governo federal. A defesa da Cargill diz que o porto foi construído com base numa licença estadual concedida pelo governo do Pará -- e que a legislação brasileira não a obriga a ter mais nenhum outro documento. A questão é confusa e uma zona cinzenta da legislação ajuda a alimentar a polêmica. "Não está definida na legislação de quem é a autoridade para licenciar aquele terminal, se do governo estadual ou federal. Afinal, é um porto fluvial com características marítimas", afirma o advogado e consultor ambiental Antônio Fernando Pinheiro Pedro. Hoje, o processo a respeito do ter minal da Cargill está no Tribunal Regional Federal e o seu julgamento ainda não tem data marcada.
Em razão desse imbróglio, já ocorreram vários conflitos na região. Um dos mais recentes -- e mais violentos -- aconteceu em maio, quando cinco ativistas do Greenpeace invadiram o terminal da Cargill sem autorização da capitania dos portos. A ONG adentrou a área com o navio Arctic Sunrise, tentou pendurar faixas com os dizeres "Fora Cargill", mas deparou com uma inesperada resistência por parte dos produtores rurais, que cercaram o navio e entraram em confronto com os ambientalistas. A polícia foi chamada para acabar com a confusão e prendeu os ativistas. O episódio ajudou a deixar a cidade ainda mais dividida. Carros circulam por Santarém com adesivos "Fora Greenpeace", enquanto os ativistas dizem receber ameaças de morte. "Antes dessas ONGs chegarem aqui, não havia esse clima de uns contra os outros", diz Renato Siqueira Dantas, presidente da Associação Empresarial de Santarém. "Nossa entidade representa hoje a voz dos excluídos e vamos continuar nossas campanhas", diz Paulo Adário, coordenador do Greenpeace.

A caixa-preta das ONGs
Entidades cobram transparência de empresas e governos, mas relutam em abrir suas próprias contas

Por Gustavo Poloni

Criada em fevereiro de 2003, a Rede 13 deveria agir como um braço do extinto programa Fome Zero, do governo federal, em Santa Catarina. A missão da ONG coordenada por Lurian Cordeiro, filha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, era arrecadar comida para alimentar a população carente. O trabalho, no entanto, durou pouco: sem muito alarde, a Rede 13 fechou as portas apenas seis meses depois de sair do papel. Passados três anos, reportagens do Jornal do Brasil trouxeram à tona a breve -- porém conturbada -- história da ONG de Lurian. Elas revelam que, no curto espaço de tempo entre a criação e a extinção, a Rede 13 teria acumulado prejuízos de 70 000 reais, acusam a organização de funcionar como um poder paralelo no estado e mostram a participação ativa no caso de um amigo íntimo de longa data de Lula, Jorge Lorenzetti, churrasqueiro oficial da República e um dos articuladores do escândalo recente da venda e da divulgação de um dossiê para tentar incriminar políticos tucanos.
As digitais da participação de Lorenzetti no caso da ONG Rede 13 foram detectadas quando o Jornal do Brasil teve acesso a documentos guardados pela CPI dos Bingos, que chegou ao fim em junho passado, depois de um ano de investigações sobre a corrupção no governo Lula. Segundo os tais documentos, Lorenzetti recebeu a missão de liquidar as dívidas de Lurian -- cujos papagaios incluiriam cabeleireiros, lojas de roupas, festas e até taxas de condomínio -- pouco antes de encerrar, na surdina, as atividades da ONG tocada por ela. A CPI não conseguiu esclarecer como Lorenzetti, que foi responsável por levantar recursos para a Rede 13, pagou as dívidas da filha de Lula. Uma CPI prometida para depois do segundo turno das eleições pretende rastrear a origem e o destino do dinheiro das contas da Rede 13. O objetivo é saber se a ONG recebeu doações generosas do governo Lula e se o dinheiro serviu para irrigar contas de petistas.
As suspeitas que pairam sobre a Rede 13 são um bom exemplo de como os esquemas de financiamento representam a grande caixa-preta de muitas ONGs. Diferentemente do que é cobrado das empresas, a maioria das entidades não presta contas ao doador nem à parcela da sociedade que diz representar. "Lamentavelmente, só algumas poucas ONGs contam de onde vem o dinheiro para se manter", diz Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos. Essa prática perpetua a impressão de que a independência de algumas organizações é inversamente proporcional aos recursos que recebem de empresas e governos. Estudo realizado pela universidade americana Johns Hopkins em 22 países mostra que 40% do orçamento dessas entidades vem dos cofres públicos. No Brasil, essa proporção é ainda maior: 50%, de acordo com um estudo feito entre as entidades ligadas à Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais. Ou seja, do ponto de vista de esquemas de financiamentos, as ONGs são tudo, menos organizações não-governamentais. A política que envolve os doadores de dinheiro e as implicações éticas dessa relação são temas que provocam muitas discussões entre as entidades. Para escapar dessa saia-justa e continuar atuando de forma independente, o Greenpeace, uma das maiores ONGs do mundo, só recebe dinheiro de pessoas físicas. Dos 216 milhões de dólares que angariou no ano passado, 95% vieram da rede formada por 3 milhões de pessoas simpáticas à ONG. Nem isso bastou para eliminar críticas quanto à forma de se financiar. "Batizei o Greenpeace de 'farsantes do oceano'", afirmou Paul Watson, um dos fundadores da entidade, a EXAME. "Eles são uma máquina de fazer dinheiro."
A origem do dinheiro é fator determinante na hora de entender por que um ativista escala um navio petroleiro ou se omite diante de um crime ambiental. Em 2005, a ambientalista WWF, uma das gigantes do Terceiro Setor, foi acusada de fazer cara de paisagem na discussão sobre a decisão da filial da Disney em Hong Kong de servir sopa de barbatana de tubarão nos casamentos realizados no parque. O motivo: ela era uma das organizações do Terceiro Setor na folha de pagamentos da empresa do ratinho Mickey Mouse. Pressionada, a WWF embarcou tardiamente na campanha contra a iguaria e, ao lado de outras ONGs, conseguiu tirá-la do menu da Disney. Essa não é a única acusação que pesa sobre a WWF. Seis anos atrás, ela deixou de publicar um estudo sobre a destruição de florestas provocada pela emissão de gases tóxicos resultantes da queima de combustíveis fósseis. Nos bastidores, especulou-se que a organização ficou com receio de atrapalhar os negócios das petroquímicas BP e Chevron, que, juntas, injetaram 1 milhão de dólares em sua conta bancária.
Não há, evidentemente, nada de ilegal no ato de receber doação de empresas. O problema é que, na maioria dos casos, os repasses não se tornam públicos -- e a sociedade fica sem ter como julgar se o discurso de determinada ONG pode ou não ser considerado isento. Em vez de publicar balanços e divulgar informações -- como fazem as grandes empresas ao redor do globo --, muitas organizações ainda preferem se esconder por trás da aura de bom mocismo que ronda as ONGs e que acaba funcionando como uma carta-branca para a atuação dessas entidades. "Embora muita gente não tenha percebido, as ONGs são instrumentos do poder econômico", resume Steve Hanke, professor de economia da universidade Johns Hopkins. A afirmação ilustra bem o que aconteceu recentemente com a entidade Fórum para o Futuro, da Inglaterra. Depois de receber doações da fabricante de produtos químicos ICI e da rede de supermercados Tesco, a Fórum para o Futuro publicou um artigo enaltecendo o "comprometimento com a busca do desenvolvimento sustentável" dessas empresas. Esqueceu-se de informar ao leitor desavisado que a ICI, por exemplo, figura na lista da Agência Ambiental da Inglaterra como uma grande poluidora.
Por parte das companhias, a lógica que as leva a colocar dinheiro nas ONGs tidas como independentes é simples. Ao investir em causas politicamente corretas, a empresa passa a ser vista com outros olhos pela sociedade -- o que pode resultar em mais lucros. Em muitos casos, nasce a partir daí uma relação cínica: muitas companhias fingem preocupar-se com a preservação do planeta, e as ONGs, por sua vez, calam-se diante de eventuais abusos protagonizados por seus patrocinadores. Para aprender a lidar melhor com a pressão das ONGs, muitas empresas têm recorrido a conselhos de especialistas em imagem (veja quadro na pág. 34). "Temas como responsabilidade social tornaram-se lorotas convenientes do mundo corporativo", afirma Ricardo Semler, presidente da Semco. Às vezes, as empresas nem tentam disfarçar que o financiamento de ONGs ocorre puramente por estratégia de marketing. Alguns anos atrás, explodiu nos Estados Unidos um escândalo envolvendo a Exxon Mobil, cujas vendas de produtos derivados de petróleo atingem 1 bilhão de dólares por dia. As petroquímicas, em especial a Exxon, são as maiores prejudicadas pela ação dos ativistas que pedem a redução da emissão dos gases por meio do Protocolo de Kyoto. Os diretores da empresa americana passaram, então, a liberar recursos e a criar ONGs. Formou-se uma rede de pessoas, organizações e cientistas que, movidos por petrodólares, afirmam que o aquecimento global não é um problema tão grave.
O financiamento das ONGs é uma área tão sombria que gera situações sui generis. Para bater o martelo na compra da fabricante de sorvetes Ben & Jerry's por 326 milhões de dólares, em 2000, a Unilever prometeu injetar 5 milhões de dólares por ano em uma fundação gerida pelos antigos donos da marca, Ben Cohen e Jerry Greenfield. Com os cofres cheios, os dois empresários passaram a financiar ONGs que, entre outras coisas, lutam para acabar com o Banco Mundial e com a Organização Mundial do Comércio (OMC). Vale a pena repetir o resumo dessa história surrealista: para fechar um negócio que lhe interessava, a Unilever financia hoje uma ONG que combate o capitalismo, o livre comércio e as multinacionais, como a própria Unilever.

Para as empresas, o maior problema é quando as ONGs erram o alvo -- e isso tem ocorrido com freqüência. Campanhas desastradas podem resultar em prejuízos financeiros enormes, além de danos irreparáveis em sua imagem perante os consumidores. Um dos exemplos mais recentes disso foi o boicote sofrido por Coca-Cola e Pepsi na Índia, depois que se divulgou a denúncia de que as duas empresas estavam distribuindo no país refrigerantes contaminados por pesticidas. A acusação era baseada num estudo realizado pela ONG indiana Centro para Ciência e Desenvolvimento. Depois de muita discussão, descobriu-se que a tal pesquisa sobre os pesticidas não era sólida. O estrago, no entanto, já estava feito e, hoje, a Coca-Cola e a Pepsico processam um dos estados indianos que proibiram a venda do produto após a campanha da ONG.

Há dez anos, o Greenpeace protagonizou uma grande barbeiragem ao afirmar que a subsidiária britânica da Shell estava prestes a provocar um desastre ecológico ao afundar no oceano Atlântico uma plataforma inativa, a Brent Spar. Para provar isso, publicou um estudo que afirmava que ela ainda continha 5 000 toneladas de óleo, o que poderia provocar uma contaminação gigantesca, e fez campanhas de boicote à petroquímica. Sob pressão, a Shell, que sempre contestou os números, mudou os planos e desmontou a plataforma em um estaleiro. Os prejuízos da empresa anglo-holandesa chegaram a 185 milhões de dólares em queda de receita e do valor das ações na bolsa. Um ano depois, uma investigação paralela provou que o Greenpeace forjou os números do relatório. Os ativistas pediram desculpas publicamente -- mas não mudaram uma vírgula em sua forma de atuação. O Greenpeace é tido como radical entre as ONGs por seguir a linha da "política do estardalhaço", em que o mais importante é chamar a atenção da opinião pública.
Regulamentação rigorosa é a resposta para os escândalos que envolvem algumas ONGs. No momento, passos importantes estão sendo dados nessa direção. Um deles partiu das próprias entidades. As 11 maiores organizações -- entre elas o Greenpeace, a Anistia Internacional e a Oxfam -- assinaram em junho um código de conduta. O documento reafirma que a transparência e a prestação de contas são essenciais para a boa governança, seja ela dos governos, das empresas ou de ONGs. No Brasil, repasses suspeitos de recursos públicos podem resultar em uma nova CPI, por iniciativa do senador Heráclito Fortes (PFL-PI). "Já começamos a recolher assinaturas e é possível que o processo seja aberto ainda em 2006", afirma ele. Além das dívidas e da contabilidade da Rede 13, de Lurian Cordeiro, os parlamentares querem investigar o destino de 18,5 milhões de reais entregues pelo governo federal à Unitrabalho, organização de apoio e extensão universitária que também tinha como representante Jorge Lorenzetti (sim, mais um rolo em que o churrasqueiro da República está envolvido). Tão importante quanto a investigação é a aprovação de uma lei que force as ONGs brasileiras a ser mais transparentes. Já existe na Câmara dos Deputados um projeto nesse sentido. Ele prevê que as organizações abram suas contas no Ministério da Justiça. A iniciativa está engavetada há quatro anos, e um dos motivos para a história não ir à frente é o lobby exercido por algumas entidades do Terceiro Setor que fazem forte oposição à idéia. É uma pena, pois se trata de uma chance de diferenciar as ONGs sérias daquelas que estão mais interessadas em seu próprio bolso do que no meio ambiente, na saúde das crianças, nos direitos humanos ou na educação.

Zonas cinzentas

O quadro mostra as diferenças de filosofia e de comportamento entre as principais ONGs ambientalistas

Política de financiamento
Algumas das grandes entidades recusam dinheiro de empresas privadas e de governos, caso do Greenpeace, por acreditar que isso compromete a isenção de seu trabalho. Outras, como a TNC, também dos Estados Unidos, aceitam verbas de empresas, pois defendem que é o caminho mais curto para obter os melhores resultados
Estilo de atuação
Entidades como a WWF procuram conversar com políticos e empresários para negociar soluções sem fazer muito estardalhaço. Outras, como o Greenpeace, preferem investir em ações espalhafatosas. Há um grupo ainda mais radical, capitaneado pela Sea Shepherd, que afunda navios baleeiros e comete outras violências contra aqueles que considera inimigos do meio ambiente
Preservação do meio ambiente
O Greenpeace e outras ONGs mais radicais entendem que, numa situação ideal, patrimônios ambientais, como a Amazônia, deveriam ser inteiramente preservados neste momento, até que se recuperem das agressões sofridas nas últimas décadas. Outras entidades, como a TNC, admitem a exploração sustentável da floresta pelas empresas

"Só pensam em dinheiro"
Um dos fundadores do Greenpeace, Paul Watson diz que ONGs se prostituem por financiamentos

No final da década de 70, depois de deixar o Greenpeace, grupo que ajudou a construir, o ativista canadense Paul Watson fundou uma nova entidade, a Sea Shepherd, e tornou-se um dos críticos mais ácidos do movimento ambiental. De seu escritório em Washington, nos Estados Unidos, ele concedeu a seguinte entrevista a EXAME:

O que o senhor acha de ONGs que recebem dinheiro de empresas ou governos?

Se você recebe dinheiro da Exxon e diz que ela é uma empresa que está preocupada com a questão ambiental, fica esquisito. Mas, se recebe dinheiro dela e ainda faz críticas em questões legítimas, tudo bem.
As ONGs podem ser usadas como instrumentos dos doadores?

Podem. À frente da minha organização, a Sea Shepherd, tive um problema com a WWF quando atacamos a Disney por ela servir sopa de barbatana de tubarão em Hong Kong. Fizemos uma campanha contra isso. Para nossa surpresa, a WWF saiu em defesa da Disney, e não dos tubarões, porque recebeu verba da empresa. Algumas ONGs se prostituem por causa de dinheiro.

Isso acontece com que freqüência?

O tempo todo. Essas organizações são como grandes e burocráticas empresas. O negócio delas não é proteger o meio ambiente ou espécies ameaçadas de extinção. O negócio delas é manter-se na ativa. Por isso, gastam a maior parte do tempo levantando fundos. O Greenpeace gasta 50 milhões de dólares por ano mandando cartas que pedem dinheiro para as pessoas. É um desperdício de recursos.

Ao sair do Greenpeace, o senhor disse que se sentia como o Doutor Frankenstein porque havia criado um monstro verde. Pode explicar melhor essa declaração?

A idéia do Greenpeace era ótima. Hoje, eles não conseguem tomar uma decisão, porque são muito burocráticos. Eles se transformaram numa grande máquina de fazer dinheiro.

Seu grupo, o Sea Shepherd, é considerado hoje mais radical que o Greenpeace na realização de protestos. Afundar navios, coisa que sua ONG faz com freqüência, é uma boa forma de combater a caça às baleias?

Só atacamos navios usados de forma ilegal. Nunca fomos condenados por nenhuma de nossas campanhas. Não existe diferença entre prender um pirata, um caçador de baleias, um traficante de drogas ou um ladrão de banco. Os criminosos são criminosos, não importa se estão matando baleias de forma ilegal ou vendendo drogas.

O que o senhor acha de ser chamado de ecoterrorista?

Toda vez que alguém do movimento ambiental faz alguma coisa da qual as pessoas discordam, surgem esses apelidos. Se eu fosse um terrorista, não estaria sentado aqui no meu escritório nos Estados Unidos dando a você uma entrevista por telefone.

Gerenciamento de crise
Um roteiro sugerido por consultores especializados da empresa americana J. Ottman e da brasileira Diferencial para o que os administradores devem fazer quando uma empresa entra na mira das ONGs
Converse
Convide a ONG para uma conversa e tente estabelecer um diálogo franco para mostrar o posicionamento da empresa em
relação ao que foi criticado e saber o que realmente os incomoda
Investigue o caso
A empresa atingida deve checar cuidadosamente se a acusação é procedente e se houve mesmo alguma falha em seu
comportamento
Se estiver errado, assuma
Tenha uma postura ética e clara para confirmar seu erro perante a sociedade. E, quando necessária, a mudança precisa ser feita rapidamente
Use as mesmas armas das ONGs
Se a crítica não proceder, invista em marketing e em comunicação para mostrar à opinião pública que a companhia foi vítima de uma injustiça
Fontes: Jacquelyn Ottman, da J.Ot tman, e Mônica Medina,da Diferencial Assessoria de Marketing

Exame, 25/10/2006, Meio Ambiente, p. 22-34

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