VOLTAR

ONGs "ineptas" recebem 54% dos repasses ao setor, diz TCU

FSP, Brasil, p. A4
12 de Nov de 2006

ONGs "ineptas" recebem 54% dos repasses ao setor, diz TCU
Entre 1999 e 2005, dez entidades receberam R$ 150,7 milhões do governo federal
Ministro do Planejamento admite que mecanismos de controle de convênios precisam ser mais rigorosos e defende transparência

Marta Salomon
Da sucursal de Brasília

Organizações não-governamentais sem condições ou sem capacidade para executar convênios com a União receberam mais da metade -54,5%- das verbas federais destinadas a atividades para as quais faltam braços ao Estado, estima relatório de auditoria recém-aprovado do TCU (Tribunal de Contas da União), com base em amostra que para o órgão representa o padrão de comportamento dessas entidades.
O TCU analisou detalhadamente 28 convênios celebrados com dez ONGs. Eles cuidam da prestação de serviços na área de saúde indígena à concessão de bolsas de estudo, passando pela capacitação do programa Primeiro Emprego e pela compra de ambulâncias.
Os convênios analisados receberam R$ 150,7 milhões dos cofres públicos entre 1999 e 2005. O Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais) mostra que entidades privadas sem fins lucrativos movimentam quantias bilionárias de tributos arrecadados no período.
Desde 2001, com exceção de 2003 (ano de drástica redução de gastos não-obrigatórios), essas entidades vêm recebendo mais de R$ 2 bilhões por ano, em valores corrigidos pela inflação. O total de convênios é um mistério. Lideram os repasses os ministérios da Saúde e o de Ciência e Tecnologia.

Sem controle
A relação entre o Estado e as ONGs, de acordo com o TCU, é pautada pela quase absoluta falta de controle, com conseqüente perda aos cofres públicos e à população.
"O que está ocorrendo é uma verdadeira terceirização da execução das políticas públicas para organizações da sociedade civil, daí descambando para toda sorte de ilícitos administrativos, tais como a burla da exigência de concurso público e de licitações, o uso político-eleitoreiro dos recursos transferidos, o desvio de recursos para enriquecimento ilícito, entre muitos outros", diz a auditoria relatada pelo ministro Marcos Bemquerer Costa, à qual a Folha teve acesso.
O relatório determina a adoção de providências pelos ministérios do Planejamento e da Justiça. O TCU cobra a divulgação, pela internet, de todos os convênios para repasses de recursos públicos a entidades privadas, assim como do cadastro completo das entidades de interesse público (as Oscips) ou de utilidade pública.
O ministro Paulo Bernardo (Planejamento) disse que as recomendações do TCU serão acatadas pelo governo porque "há interesse em haver total transparência" no trato dos recursos públicos destinados às ONGs. Segundo ele, é preciso melhorar os mecanismos de controle desses convênios.
"Queremos restringir o acesso de recursos públicos apenas a quem tem condições", disse ele, ainda sem conhecer os detalhes da auditoria.
O TCU recomendou ao Tesouro Nacional que adote critérios "aferíveis e transparentes" para a escolha de entidades que receberão dinheiro público. Durante a auditoria, constatou-se que os planos de trabalho das ONGs não seguem regras determinadas pelo Tesouro. Em geral, os objetos dos convênios não são definidos com precisão, as metas são vagas e as irregularidades incluem ainda superfaturamento de preços e notas fiscais frias.
Além disso, foram detectadas falhas na avaliação que antecede a aprovação dos convênios. Há situações em que os pareceres dos órgãos públicos simplesmente inexistem.
É o caso de convênio entre o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Associação de Plantas do Nordeste, em que não houve análise técnica. A ONG atuou como mera intermediadora de recursos públicos, já que não executaria atividades de pesquisa para as quais foi contratada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.
Em cinco convênios auditados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), faltaram certidões que atestassem situação regular com o Fisco. Uma das entidades contratadas, a Urihi -Saúde Yanomami, teria sido criada, segundo o TCU, só para receber e gerenciar dinheiro (R$ 33,8 milhões) da Funasa (leia texto nesta página).
Na avaliação dos auditores, dada a quantidade e a semelhança das falhas nas primeiras fases dos convênios, elas não se limitam a irregularidades formais. Seriam omissões, "ou até mesmo ações deliberadas para dificultar a efetividade do controle nas fases subseqüentes".

Oposição tenta criar no Senado CPI das ONGs

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A oposição no Senado tem requerimento pronto para criar uma CPI com que investigue o repasse de recursos públicos para ONGs e Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). A CPI, proposta pelo senador Heráclito Fortes (PFL-PI), investigaria como as verbas foram gastas. O requerimento tem as 27 assinaturas necessárias para criar uma CPI no Senado.
Heráclito chegou a protocolar, anteontem, requerimento de criação da CPI das ONGs. Mas o documento não tinha fato determinado. Ele refez a justificativa e recomeçou a coletar assinaturas.
A proposta de criação da CPI surgiu quando petistas foram presos com R$ 1,7 milhão que seria usado para comprar um suposto dossiê antitucano. Um dos envolvidos, Jorge Lorenzetti, era colaborador da rede Unitrabalho, que recebeu por convênios R$ 18,5 milhões dos cofres públicos, segundo o site Contas Abertas. Na gestão FHC, a fundação recebera R$ 840,5 mil. Lorenzetti também era analista de mídia e risco do PT.

Entidade obteve R$ 33,85 mi antes de ser desativada

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"Este telefone está programado para temporariamente não receber chamadas." Ouviu esse recado quem ligou na sexta-feira para a ONG Urihi - Saúde Yanomami, uma das entidades auditadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
A fiscalização aponta que a entidade foi criada em 1999 em Boa Vista (RR) exclusivamente para celebrar convênios com a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), a partir da associação de seis pessoas e cuja sede era a própria casa de seus dirigentes.
Até 2002, recebeu R$ 33,85 milhões para prestar assistência à saúde dos índios ianomâmis. O primeiro convênio, de R$ 8,77 milhões, foi firmado só três meses após sua fundação, sem apresentação de certidão de regularidade fiscal nem documentos comprovando a capacidade jurídica, descumprindo a legislação. Em documento de 2005, a própria ONG admite ter sido montada para receber recursos do governo federal.
"A Urihi decidiu não firmar novo convênio. A partir daí, a estrutura administrativa da Urihi, montada especificamente para apoiar a execução de convênios com a Funasa, foi desativada", relata o TCU.
Outro caso destacado pelo TCU é o da Cunpir (Coordenação da União dos Povos e Nações Indígenas de Rondônia, norte de Mato Grosso e sul do Amazonas), que se configura com "caráter cultural", mas fez convênios com a Funasa no valor total de R$ 11,39 milhões para prestar assistência médica aos índios. A Folha tentou falar com representantes da Cunpir, mas os números de telefone nem sequer estão ligados.
Já a APNE (Associação Plantas do Nordeste), que firmou três convênios com o governo federal no valor de R$ 8,84 milhões, é citada como "mera intermediadora de gerenciamento de recursos". A fiscalização diz que a ONG não tem sede própria e funciona em salas cedidas por empresa pública do Estado de Pernambuco. O diretor da APNE, Franz Pareyn, diz que a entidade tem um acordo de colaboração com a empresa desde 1994, quando foi criada.
Pareyn rebate as críticas dizendo que há 12 anos a ONG tem trabalhos com o governo federal e que em momento algum teve sua capacidade questionada. (LUCIANA CONSTANTINO)

FSP, 12/11/2006, Brasil, p. A4

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.