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Omissão amazônica

CB, Brasil S/A, Economia, p. 15
Autor: MACHADO, Antônio
01 de Fev de 2008

Omissão amazônica
Lula minimiza alerta de desmatamento para não arbitrar conflito de versões em sua base política

Por Antônio Machado
cidadebiz@correioweb.com.br

O presidente Lula está muito enganado se pensa que a sua retórica de palanque de grotões do Brasil profundo, que desfiou esta semana em Brasília e São Paulo, é o que lhe cabe para minimizar o alerta do Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, segundo o qual voltou a crescer no semestre passado o desmatamento na Amazônia.

O que disse foi primário e dá razão aos que denunciam em especial no exterior a inércia do governo frente à soberba dos madeireiros, atrás dos quais está a legião de motosserras - de peões a serviço de plantadores de soja e pecuaristas aos sem-terras arregimentados pelo MST, índios e grileiros. Uns para limpar a terra supostamente intocável e tomá-la do Estado, outros pelo dinheiro da empreitada.

Não há inocentes. Todos eles são insensíveis ao crime que cometem pela certeza tanto da impunidade como da omissão dos poderes nas regiões de selva - real e metafórica. Alguns atuam até protegidos por tais poderes, que se defendem da acusação de letargia alegando pretextos sociais, caso dos posseiros protegidos pelo MST, ou de incapacidade de repressão, como nas reservas indígenas.

Não falta lei, falta quem a aplique. Não se resolve com incursões pontuais da Polícia Federal, mas com presença permanente do Estado em todo território, inclusive - em algumas situações, sobretudo - nas terras indígenas, os quais começam a tomar a noção de "nação" ao pé da letra, não só como conceito étnico, insuflados por ONGs estrangeiras, a maioria européias. Elas defendem fazer da Amazônia um território de soberania restrita, aproveitando-se do vazio das instituições nacionais, às vezes da cumplicidade de algumas delas.

E o que disse o presidente sobre isso? Sugeriu não duvidar dos dados do Inpe, segundo ele, um instituto "de muita seriedade", o que é um fato, mas não tem feito outra coisa. Pelo Inpe, chegou a 3,25 mil quilômetros quadrados a área adicional desmatada entre agosto e dezembro, o que projeta uma razia florestal de 7 mil quilômetros quadrados em toda a Amazônia, quase o triplo da extensão de Luxemburgo.

Lula reagiu servindo-se daquelas analogias triviais a que apela quando diante de algo que julga complexo, e disparou: "Você vai ao médico detectar que você está com um tumorzinho aqui, e, ao invés de fazer biopsia e saber como vai tratar, já saiu dizendo que estava com câncer". Fez-se "alarde" em seu juízo - e "não dá para culpar ninguém", acrescentou. A floresta teria caído de velha?

Acusações recíprocas
Ele parece preocupado com as repercussões internacionais, além de temeroso de que, se aceitar o diagnóstico do Inpe, terá de adotar medidas duras. Mais: terá de arbitrar entre as versões da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que denuncia o avanço da soja e do gado nas áreas de fronteira, e o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que contesta a colega. Eis o pior dos mundos para Lula: decidir entre posições conflitantes no governo, que não são apenas técnicas ou gerenciais, mas políticas, com repercussões atingindo dois pólos de sua base de apoio, o agronegócio à direita e grupos de sem terras à esquerda. Ambos se acusam pelos danos à Amazônia.

Em princípio, Lula quer ganhar tempo abafando o bate-boca aberto no governo. Sobre o agronegócio, disse que Stephanes "prova todos os dias a mim que para manter a produção e a criação de gado hoje você não precisa derrubar um pé de árvore". É a versão de Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, aliado de Lula e maior produtor de soja do mundo. O que Stephanes e Maggi dizem nas entrelinhas a Confederação Nacional da Agricultura diz na lata: "Os grandes causadores do desmatamento na região são: 1) a ausência do Estado; 2) a falta de regularização fundiária; 3) o grande número de assentamentos rurais". A ministra Marina, o MST e ONGs ambientais dizem o contrário, o que zera as denúncias e planta o imobilismo.

Sem Estado e sem lei
Daqui a pouco alguma outra confusão tomará o noticiário e vai-se esquecer da Amazônia até que surjam novos flagrantes de atentados à floresta. O processo de vetos e contra vetos, mais comum do que se pensa em todos os últimos governos, associado ao vazio aberto pela ausência virtual do Estado nas regiões que mais demandam sua presença, como periferias das metrópoles, favelas e as extensões amazônicas, cria o quadro em que o conflito forma falsos consensos porque impostos pelos mais fortes. É a ante-sala da barbárie.

As dimensões da Amazônia sugerem à primeira vista dificuldades de controle. "Acho que não cabe só ao Ibama toda a fiscalização", diz Lula. "É importante que a gente construa parcerias com prefeitos, governadores e, sobretudo, com a sociedade civil." A fiscalização in loco, porém, é só parte do problema. É no destino da floresta desmatada que o governo pode vencer essa batalha.

O governo poderia estrangular o comércio madeireiro policiando os portos, por onde passa boa parte da madeira extraída ilegalmente e exportada para a Europa e sobretudo a Ásia. Sabe-se quem são todos os exportadores, como também a indústria moveleira que usa notas de madeira oriunda de floresta plantada, mas processa as espécies nobres preferidas pelo consumidor. Por que não vigiar essa gente?

Estrangule-se o operador de madeira tropical, que são poucos em número, e já se terá forte avanço contra o desmatamento criminoso. Contra o resto, grandes fazendeiros, grileiros e assentamentos do Incra, não há solução: é fechar a Amazônia e ponto. Fazer dela um "parque ecológico"? Nem tanto, mas quase, se for para preservá-la.

CB, 01/02/2008, Brasil S/A, Economia, p. 15

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