FSP, Dinheiro, p. B4
12 de Jul de 2007
Odebrecht pressiona para ficar com Furnas
Em nota, construtora diz que haverá "quebra explícita de contrato" caso Eletrobrás se alie a outro consórcio nas usinas do Madeira
Posicionamento da empresa é um dos sinais da disputa por trás da indefinição nas regras da principal licitação na área energética do país
Humberto Medina
Da sucursal de Brasília
A Odebrecht considera "quebra explícita de contrato" a possibilidade, desejada pelo governo, de Furnas não participar do leilão das usinas hidrelétricas do rio Madeira (RO) e de a Eletrobrás, controladora de Furnas, vir a se associar a outra empresa privada que venha a vencer a licitação.
O posicionamento da empreiteira é um sinal da disputa que está por trás da indefinição nas regras da principal licitação para aumento de oferta de energia no país: a disputa entre governo e demais investidores privados, de um lado, e a Odebrecht, de outro.
Juntas, as usinas hidrelétricas do Madeira -Santo Antônio e Jirau -poderão gerar 6.450 MW (megawatts). O governo pretende licitar a usina de Santo Antônio no final de setembro ou início de outubro.
Para a Odebrecht, que assinou um contrato de parceria com Furnas, ou as estatais podem participar do leilão (situação em que o consórcio Odebrecht/Furnas participaria) ou não pode haver associação posterior entre o vencedor e a Eletrobrás.
"A eventual desistência motivada de Furnas de participar do leilão é uma prerrogativa prevista nos termos de compromisso assinados pelas duas empresas. Porém disponibilizar a Eletrobrás para uma parceria com qualquer outro vencedor do leilão, que não seja a Odebrecht, é claramente uma quebra explícita de contrato", afirmou a empresa, em nota.
De acordo com a argumentação da Odebrecht, por ser controladora de Furnas, a Eletrobrás detém "todas as informações confidenciais que têm sido trocadas e compartilhadas pelas duas empresas [Furnas e Odebrecht] que formam o consórcio e que conseguiu a licença prévia para a construção das hidrelétricas do rio Madeira".
O conhecimento do inteiro teor do compromisso assinado entre Furnas e Odebrecht está por trás do recuo no discurso do governo em relação à metodologia do leilão. No último dia 15, em evento em São Paulo, o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, disse que as estatais não participariam do leilão das hidrelétricas.
Pela exposição do ministro, a saída das estatais motivaria a competição. O vencedor da licitação poderia, depois, se associar à Eletrobrás até o limite de 49% para construir as usinas. É esse ponto que a Odebrecht considera quebra de contrato.
Na segunda-feira, quando foi anunciada a obtenção da licença prévia para as usinas do rio Madeira, Hubner já não estava tão certo em relação às regras do leilão. Disse que tudo estava em aberto e uma proposta seria colocada em consulta pública. Procurado ontem por meio de sua assessoria de imprensa, o ministro não quis comentar o assunto.
Segundo a Folha apurou, o governo montou uma equipe para analisar o contrato Furnas/Odebrecht e encontrar uma brecha jurídica que permita que estatais (no caso, Furnas) não participem do leilão e que a Eletrobrás possa se associar ao vencedor (seja ele a Odebrecht ou não) depois.
A Odebrecht também informou que assinou contratos de exclusividade e confidencialidade com fornecedores de equipamentos para as obras das hidrelétricas do rio Madeira. Segundo a Odebrecht, os acordos são necessários para que haja financiamento do projeto e não caracterizam conduta anticompetitiva.
O diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman, afirmou que eventuais contratos de exclusividade no fornecimento de equipamentos são preocupantes e o assunto deve ser analisado pela área do governo que cuida de defesa da concorrência.
Modelo depende de estudo final, afirma Dilma
Marta Salomon
Da sucursal de Brasília
A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) evitou ontem tomar partido do modelo já proposto de leilão das usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, que exclui a participação de empresas estatais. "O modelo do governo será aquele adotado após o processo de estudo e elaboração a ser concluído pelo Ministério de Minas e Energia", afirmou à ministra em resposta a perguntas encaminhadas ontem por e-mail.
Protagonista da disputa no governo sobre as hidrelétricas do rio Madeira, Dilma Rousseff disse que a emissão de licença ambiental às usinas teria sido uma vitória conjunta dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. "O licenciamento foi baseado em critérios técnicos de preservação do meio ambiente, o que também viabilizou um empreendimento de energia elétrica crucial para desenvolvimento sustentável do Brasil", comentou, na primeira manifestação pública após a emissão da licença.
Dilma Rousseff pressionou a área ambiental a liberar a licença, concedida pelo Ibama quase cinco meses após o prazo inicialmente previsto no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e mediante mudanças no projeto das usinas.
Depois da concessão de licença prévia pelo Ibama às usinas do rio Madeira, o formato do leilão é uma das principais incógnitas no negócio, com custo estimado em mais de R$ 18 bilhões. Em junho, o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, defendeu que a empresa privada vencedora do leilão poderia contar com até 49% de participação estatal da Eletrobrás ou do BNDES-Participações. Ocorre que a Construtora Norberto Odebrecht alega ter um acordo com a estatal Furnas para reeditar o consórcio responsável pelos estudos de impacto ambiental das usinas.
O modelo terá de ser definido até o final de setembro, data prevista para o leilão da usina de Santo Antônio. Já nas próximas semanas, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) começará a divulgar estudos sobre os empreendimentos, com o objetivo de estimular a disputa no leilão, disse ontem Maurício Tolmasquim, presidente da empresa.
Suez decide que vai concorrer sozinha no leilão
Janaina Lage
Da sucursal do Rio
A Suez Energy Brasil decidiu participar sozinha no leilão da usina de Santo Antonio, no rio Madeira, que deve ocorrer em outubro. A estratégia é contrária à dos concorrentes, como Odebrecht, Camargo Corrêa e Light, que pretendem participar em consórcios. A Suez participará com uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) que deve ações após o leilão.
Segundo o diretor da Suez, Victor Paranhos, o modelo permitirá vantagens comparativas. "Otimizar esse projeto em 60, 90 dias é muito complexo e tentar fazer isso com vários sócios é impossível."
Após o leilão, Paranhos afirma que a participação do governo, por meio de associação com uma estatal, é bem-vinda. Ele pretende se ligar ao BNDESPar (braço financeiro do BNDES) e a sócios estratégicos.
O objetivo da Suez é manter sua participação de mercado no Brasil, da ordem de 7,8%, segundo a empresa. No mundo, a Suez Energy tem 58 mil MW de capacidade instalada, desse total, 6.000 MW estão no Brasil. A usina de Santo Antonio, a primeira a ser construída, terá capacidade de 3.150 MW.
A Suez não pretende operar as duas usinas do rio Madeira (Santo Antonio e Jirau), mas intenta ficar com uma delas.
De acordo com Paranhos, falta informação aos investidores sobre o projeto, como o cadastro fundiário e a população que mora no entorno da usina. "Não sei se tudo o que foi estudado está disponibilizado. Não podemos ter um processo competitivo com desigualdade de informações", disse em alusão aos estudos realizados por Furnas e Odebrecht.
A Suez estima o custo da usina de Santo Antonio em R$ 12 bilhões. Para o executivo, uma das 33 condicionantes impostas pelo Ibama na concessão da licença prévia, a determinação de isolamento a 500 metros no entorno da usina, é um entrave.
Segundo Paranhos, na margem direita não há floresta, e, sim, área de pasto. "O impacto social e econômico desse limite de 500 metros é enorme", disse. O executivo diz que o governo deveria rever a medida antes do leilão.
Apesar de o governo trabalhar com a perspectiva de entrada em operação em 2012, o início deve ficar para 2013 devido ao período de chuvas e das licenças, segundo a empresa.
Ele disse estar preocupado com a possibilidade de fornecedores de equipamentos comprometidos com outros consórcios não aceitarem propostas após o leilão.
Segundo ele, o contrato de fidelidade só pode valer até antes do leilão. "Se valer depois, vamos comprar turbina na China e na Rússia e não vai ter emprego aqui. Isso vai contra a lógica econômica", disse.
Facilidade só existe se houver "trambicagem", afirma Lula
Pedro Dias Leite
Da sucursal de Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que as próximas licenças para a construção das usinas hidrelétricas do rio Madeira também serão demoradas, porque a facilidade só existe se houver "trambicagem".
Lula disse que a licença prévia para a licitação das duas usinas "demorou, mas saiu uma coisa consistente". Para ele, os problemas estão resolvidos. "Agora é fazer", resumiu. O processo de licença demorou quase dois anos.
Ainda são necessárias outras licenças para a conclusão do empreendimento, mas Lula já avisou que haverá tanta dificuldade quanto nessa primeira, prévia. "Em licença, não tem facilidade. Facilidade é se houver trambicagem. Mas, se quiser respeitar o meio ambiente, de acordo com a lei, sempre será demorado. Não haverá facilidade. Haverá seriedade no tratamento das prioridades."
Para conceder a licença prévia, o Ibama elencou 33 "condicionantes" para os projetos das usinas de Santo Antônio e Jirau. Entre outros itens, as exigências buscam facilitar o fluxo de sedimentos -que trafegam pelo Madeira em grande volume- e de peixes em migração; evitar a contaminação da água; e amparar a população afetada.
"Nós tínhamos de resolver esse problema de sedimentos. Resolvemos. Tínhamos de resolver o problema dos peixes, resolvemos. O problema do mercúrio, resolvemos. Agora é fazer. Estou feliz", disse Lula, que considerou a concessão das licenças "muito simbólica".
A primeira usina, a de Santo Antônio, deverá ser leiloada até o início de outubro. O leilão da outra, de Jirau, deve ser no início do ano que vem. Cada uma delas deve ter investimentos de cerca de R$ 8 bilhões. Juntas, devem produzir 6.450 MW, daqui a seis anos, a partir de 2013.
A capacidade de geração das duas usinas é tida como essencial para atender a demanda de energia elétrica crescente no país. Ontem, Lula fez ironias aos críticos que prevêem um apagão energético no país, como já aconteceu aqui em 2001 e agora assola a Argentina.
Em carta a Amorim, Bolívia expressa sua "contrariedade"
Fabiano Maisonnave
De Caracas
O governo boliviano do presidente Evo Morales divulgou ontem carta dirigida ao chanceler Celso Amorim na qual "lamenta e expressa contrariedade" com a emissão da licença prévia para a construção de duas usinas hidrelétricas no rio Madeira. A mais próxima está a cerca de 80 km da fronteira com a Bolívia.
"Como manifestamos em reiteradas oportunidades, a Bolívia considera que, antes de realizar uma licitação de projetos hidrelétricos tão próximos ao território da Bolívia, é necessário realizar estudos de impacto ambiental integrais que abarquem toda a extensão da bacia do Madeira, incluindo, obviamente, a área compreendida em território boliviano", diz a carta, assinada pelo chanceler boliviano, David Choquehuanca.
O texto diz ainda que o Brasil não cumpriu com o compromisso de enviar estudos de impacto ambiental além dos realizados pelas empresas Furnas e Odebrecht, "apesar do compromisso alcançado durante as reuniões que mantivemos no ano passado".
"Não vou negar a gravidade do problema, mas estou seguro que com diálogo, compreensão e vontade de nossos dois governos encontraremos uma solução satisfatória para nossos países e o meio ambiente", termina a carta boliviana.
Em entrevista à Folha, Pablo Solón, embaixador para Assuntos Comerciais da Bolívia, disse que seu país vai insistir no diálogo com o Brasil sobre o tema. "Propomos um diálogo aberto, franco, imediato e urgente", disse, por telefone. "Não aceitamos qualquer tipo de insinuação que queira provocar confrontação e distanciamento entre os dois países."
Em tom mais duro, Javier Aramayo, presidente do Fobomade (Fórum Boliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), a mais influente ONG ambiental do país, disse que "a etapa do diálogo foi quebrada com essa decisão [licença]".
O ambientalista também disse que o governo Morales tem sido "condescendente" com o Brasil sobre o tema.
FSP, 12/07/2007, Dinheiro, p. B4
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