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Obstáculos internos põem agenda verde do governo sob risco em 2024

Valor Econômico, Especial, p. A14.
Autor: CHIARETTI, Daniela
02 de Jan de 2024

Obstáculos internos põem agenda verde do governo sob risco em 2024
Conduta ambígua do Executivo e forte resistência do Legislativo amplificam os desafios

Por Daniela Chiaretti
De São Paulo 02/01/2024

O início de 2023 foi marcado por uma das posses ministeriais mais concorridas da Esplanada, a da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva, depois de quatro anos de desmonte da área socioambiental do governo Jair Bolsonaro. Foram meses de reconstrução e avanços, mas as derrotas da área no primeiro ano da gestão Lula expuseram contradições profundas. A grande barreira à transição ecológica brasileira vem de dentro - do Congresso Nacional e das ambiguidades do próprio governo. Os desafios de 2024 não serão poucos.

O primeiro obstáculo é gigante e se coloca no mundo todo: como fazer a descarbonização abrindo novas frentes de exploração de petróleo? Como pensar no futuro e lidar com um presente marcado por eventos climáticos extremos cada vez mais assustadores abrindo mão de uma riqueza contemporânea que aprofunda o problema? O debate nacional entre o petróleo e o clima está mal colocado na sociedade brasileira, e o governo cada vez derruba um prato. Alguns, como um marco atual da mineração de componentes vitais à transição energética global, sequer estão colocados.

Há vários outros desafios, todos interligados às crises climáticas, de perda de biodiversidade e de segurança alimentar. O desenvolvimento sustentável da Amazônia é ainda um rascunho de tentativas e erros. Não poderia ser diferente, mas deveria ser mais rápido. Para complicar a cena, 2024 é ano eleitoral. Meio ambiente costuma ser moeda de troca.

"A ministra Marina Silva está sendo muito íntegra e fazendo a parte dela. O problema não está aí", diz Adriana Ramos, secretária-executiva do Instituto Socioambiental (ISA). "O Brasil - e acho que na COP 28 isso culminou - está sendo exposto cada vez mais às suas próprias contradições uma vez que se tem os compromissos assumidos pelo presidente em uma linha e outros setores do governo trabalhando com políticas contraditórias", continua.

Na COP 28, a conferência do clima das Nações Unidas realizada em dezembro, nos Emirados Árabes Unidos, o Brasil levou os resultados da queda de desmatamento e uma proposta inovadora de um fundo global para financiar a conservação de florestas tropicais - instrumento que busca captar US$ 250 bilhões e pode beneficiar 80 países. Voltou à cena com sua forte diplomacia e dois eventos no horizonte, a presidência do G20 em 2024 e a COP da Amazônia, em 2025.

Mas logo no primeiro dia, em Dubai, a imagem do país foi golpeada por um vídeo do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, dizendo que o Brasil iria ingressar na Opep+. Em uma conferência que buscava saídas para a os combustíveis que alimentam a crise climática, não poderia ter sido mais inconveniente. Os diplomatas saíram para apagar o incêndio, o presidente Lula ficou encurralado em um discurso pouco convincente, e o Brasil saiu chamuscado. O plano da transição ecológica brasileira, uma inovação impensável há um ano e conduzida pelo Ministério da Fazenda, terá que encarar a questão.

Mesmo assim, foram muitos os resultados em 12 meses de governo. Dois foram destaques incontestáveis: a queda no desmatamento da Amazônia e a retomada do Fundo Amazônia. Um terceiro começou a ser enfrentado em fevereiro: a retirada dos garimpeiros do território Yanomami - mas a questão das terras indígenas está longe de ser resolvida. A votação pelo Congresso do Marco Temporal, no retorno de parlamentares da COP 28, mostrou quem é quem. A questão retorna ao Supremo Tribunal Federal e pode ser resultar em desmatamento e mais conflitos no campo.

A queda de 22,3% no desmatamento da Amazônia entre agosto de 2022 a julho de 2023 em relação ao mesmo período do ano anterior foi vitória celebrada no Brasil e no exterior. É a maior redução em uma década. A diminuição das áreas sob alertas de desmatamento na Amazônia foi de 49,7% de janeiro a outubro em relação ao mesmo período de 2022.

A retomada de captação do Fundo Amazônia, depois de oito anos de inatividade foi outro trunfo de Lula. À Noruega, o principal doador, e à cofundadora Alemanha, juntaram-se novos contribuintes: Dinamarca, Estados Unidos, Reino Unido, Suíça e União Europeia. As doações anunciadas injetam R$ 4,4 bilhões.

O Congresso Nacional é a principal barreira ao avanço da agenda de sustentabilidade no Brasil"

Outra conquista foi a retomada do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, com R$ 10,4 bilhões para projetos de mitigação e adaptação à crise do clima. O aporte aconteceu em novembro, via a emissão de Títulos Soberanos Sustentáveis.

O balanço desse primeiro ano é bastante positivo no campo ambiental. "Vínhamos de um período muito ruim", diz Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil. "Vemos o compromisso do governo em várias áreas, no clima ou na criação do Ministério dos Povos Indígenas. É outra postura na relação com as comunidades tradicionais." Ele faz um alerta: "Mas o desmatamento ainda é muito alto. Não dá para assumir que esse jogo está ganho."

A recomendação é implementar as diretrizes do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCDAm) para que a curva do desmatamento continue caindo.

Roberto Waack, membro do conselho da Marfrig, presidente do conselho do Instituto Arapyaú e cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, registra que "não tem como deixar de comemorar a redução no desmatamento, maior eficiência no comando e controle e a mensagem que a farra não pode continuar como estava". Mas, adiciona: "O lado que parece mal resolvido é a relação entre ambiente e o agronegócio. A articulação não me parece que vai bem."

Waack cita: "temas relacionados à rastreabilidade, à discussão de Código Florestal, ao Cadastro Ambiental Rural. As mudanças de estrutura feitas não estão bem resolvidas. Temos uma oportunidade imensa, derivada da COP 28, da importância da segurança alimentar no jogo climático. Mas é preciso ter essa articulação ou perderemos a chance."

Na visão do biólogo, a maior dificuldade da agenda ambiental no governo Lula é a coordenação. O plano de transição ecológica é o caminho, diz ele, mas ainda não se tem visibilidade clara. "Há falta de ênfase no uso da terra. Está ali, na bioeconomia, mas não dá para dizer que o agro inteiro se encaixa na bioeconomia. Um plano de transição ecológica sem agro, forte, pesado, fica manco", aconselha.

Waack tem visão particular do mercado de carbono. Uma versão foi aprovada pela Câmara como último ato antes do recesso parlamentar, e agora segue ao Senado. "O mercado de carbono, inclusive no âmbito global, está andando de lado. Existem críticas grandes ao sistema de compensação de emissões. Eu daria menos ênfase ao tema do mercado de crédito de carbono e mais para iniciativas e redução de emissão. Daria menos luz ao mercado de carbono em si e mais para discussão de subsídios, descarbonização e restauro florestal."

A Autoridade Climática, instância pensada no início do governo para coordenar as ações de clima, não saiu foi votada no Congresso. O governo priorizou pautas econômicas, como a reforma tributária. "A multiplicação do tema clima em mais de 15 ministérios, com departamentos e secretarias, logicamente coloca o tópico no radar. O lado negativo é que falta coordenação. A agenda ficou pouco espalhada e tem frentes que demandam certa articulação, como transição energética", diz Waack.

Essa também é a opinião de Natalie Unterstell, presidente do think tank Talanoa, que se dedica às políticas de mudança do clima: "Achamos muito positiva a retomada da prevenção e do controle ao desmatamento na Amazônia, com inovações como relações mais estreitas com os municípios. Mas nas outras agendas, em clima por exemplo, não vimos evolução muito concreta", diz ela.

Ela aponta três prioridades para a área ambiental em 2024: governança, um novo compromisso climático (a NDC) e adaptação às mudanças climáticas. "O MMA ia criar um Conselho, com participação dos Estados, dos municípios e da sociedade civil, mas isso não aconteceu. O que tem é o Comitê Interministerial, com cadeira de observador para o fórum brasileiro. É prioridade porque temos que discutir novas políticas, como o Plano Clima e uma nova NDC, para o cenário pós-queda do desmatamento", elenca.

Os dois setores de maior emissão, agricultura e energia, "são áreas onde a discussão da descarbonização é mais complicada. Precisamos de governança que dê legitimidade para o que for discutido e decidido. Fazer planos dentro de gabinete, não dará a costura que precisamos para esses setores relutantes à descarbonização, para que avançarem."

Natalie crê que, para ser eficiente, é preciso "um espaço formal de pactuação, que vá além do governo federal. Não tem como ficar nesse modelo." Isso, imagina, deveria ficar sob a Presidência da República ou no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, com quase 250 integrantes.

Para o novo compromisso climático brasileiro, no pós 2030, "precisamos de um processo transparente". O Balanço Geral (Global Stock Take, decidido na COP 28) traça um padrão para NDCs muito mais robusto e diferentes das anteriores, com inclusão de novos gases e compromissos setoriais, por exemplo. "Teremos que construir a NDC de um jeito que consiga reduzir emissão e aumentar emprego. Não estamos vendo isso refletido no processo do plano de transformação ecológica que não está baseado em nenhum cenário. O documento tem que se tornar um plano de investimento para o setor privado e investidores", diz ela.

Por fim, o Brasil deve pensar seriamente na adaptação aos eventos extremos e ao novo clima, tema que tem crescido na prioridade do governo federal, na sociedade civil e no setor privado. "Mas teremos que trabalhar muito em infraestrutura e contaminar o PAC com adaptação", diz ela. O Plano de Aceleração do Crescimento tem meta de mobilizar R$ 1,3 trilhão em recursos, mas não está adaptado ao novo clima. "E esse foi um ano crítico. O presidente Lula disse na COP 28 que o cenário de 1,5oC é questão de interesse nacional.

Natalie lembra, ainda, que o Brasil deve pensar em uma estratégia de exploração dos minerais críticos à transição energética. "Usamos estratégia anterior, baseada em modelo extrativo que não tem o olhar de minimizar impactos e direitos socioambientais. Na seara da política climática, esse é um ponto em que o governo ainda não se debruçou".

"Hoje o Congresso Nacional é a principal barreira ao avanço de uma agenda de sustentabilidade no Brasil, da transição ecológica, da liderança global à economia de baixo carbono", diz Voivodic. "Enquanto o governo federal implementa o PPCDAm e derruba o desmatamento na Amazônia, o Congresso aprova o Marco Temporal e a legislação que deixa possibilidade de um legado gigantesco de desmatamento futuro na Amazônia."

O jogo político no Congresso está muito difícil. O governo está entrando com pautas econômicas, como a reforma tributária, e temas mais relacionados com a agenda socioambiental ficando na base de troca", analisa.

A presidência do Brasil no G20, em 2024, e a sede da COP 30, na Amazônia, em 2025, pode colocar pressão para o governo agir de forma mais contundente no Congresso, acredita. "Para quem está fora, os governos de outros países, não se enxerga o que é o Congresso e o que é o governo. A imagem lá fora é do Brasil desrespeitando os direitos indígenas, ou o Brasil permitindo desmatamento nos territórios indígenas, o Brasil não conseguindo controlar o desmatamento no Cerrado, o Brasil aprovando novos poços de petróleo. Lá fora é uma coisa só", diz.

É a mesma visão de Adriana Ramos, do ISA. "A tendência, considerando o contexto que vivemos, as contantes crises e situações complexas, principalmente agora que o Brasil se coloca no caminho da COP 30, essas contradições irão aparecer cada vez mais. É preciso que o governo se posicione de forma mais consistente e faça escolhas".

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/01/02/obstaculos-internos-p…

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