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O verde ameaçado

CB, Brasil, p. 10
Autor: SILVA, Marina
04 de Jun de 2008

O verde ameaçado
Especialistas se mostram ainda mais pessimistas que o ministro Carlos Minc e prevêem que destruição da Amazônia deve chegar a 15 mil quilômetros quadrados. Pará tem megaapreensão

Hércules Barros
Da equipe do Correio

Um dia depois de o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciar que o desmatamento na Amazônia em abril apresentou uma área equivalente à extensão da cidade do Rio de Janeiro (1.123km²), ambientalistas fizeram previsões nada otimistas para a floresta. Para os especialistas, a devastação em 2008 deve afetar, dentro de previsões menos pessimistas, 15 mil quilômetros quadrados da região. A projeção é esperada para julho, quando o Programa de Cálculo de Desflorestamento da Amazônia (Prodes), que estima a taxa anual de derrubada de árvores, deve fechar os dados de agosto de 2007 a julho deste ano. Na segunda-feira, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, disse que a devastação deve ficar acima de 11 mil quilômetros quadrados.
"Se junho e julho apresentarem a média histórica, vamos ter um aumento de 20% em relação a 2007", avalia o engenheiro agrônomo Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Segundo Veríssimo, nos dois meses, o desmatamento chega a registrar aumento em até 50% do total devastado de janeiro a maio. "Pode ser que piore muito e o número suba para 19 mil quilômetros quadrados, se considerarmos o período de estiagem e o preço das commodities (soja e gado), que devem se acentuar neste fim de semestre", diz. Para o ambientalista, as medidas repressivas não vão conter o processo de aceleração do desmatamento, porque o lucro da ilegalidade fala mais alto.
"Temos uma fogueira pronta para começar as festas juninas da exploração do desmatamento", lamenta o coordenador do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável do WWF-Brasil, Mauro Armelin. A ONG vê com preocupação os dados de abril do sistema Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), divulgados na segunda-feira pelo Inpe. "Confiamos nos números apresentados pelo Deter. Os estados que contestam os resultados deviam procurar o Inpe para cruzar dados e não simplesmente dizer que não são confiáveis", observa Armelin, ao fazer referência aos estados que apareceram como os maiores desmatadores, Mato Grosso (794,1km²) e Roraima (284,8km²).
O governo de Roraima divulgou nota ontem contestando os números do desmatamento no estado divulgados pelo Inpe. O texto, assinado pelo governador José de Anchieta Júnior, destaca que a Fundação Estadual de Meio-Ambiente, Ciência e Tecnologia (Femact) afirma que Roraima é o estado mais preservado da Amazônia Legal, com cerca de 3% de desmatamento. "O próprio Inpe, que defende os números, fala de imprecisão no monitoramento do Deter, uma vez que, em março, 78% da Amazônia estavam sob nuvens, enquanto em abril esse índice teria sido de 53%", destaca o texto.
Pará
Com 90% da área encoberta por nuvens, o estado do Pará acabou ficando fora do ranking de abril apresentado pelo Deter. Porém, em menos de duas semanas, as operações Guardiões da Amazônia e Arco de Fogo, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Polícia Federal, apreenderam mais de 5 mil metros cúbicos de madeira em Altamira, centro-oeste do estado. As multas no município ultrapassam os R$ 2,3 milhões. Ontem, um madeireiro foi detido em Altamira. Segundo a PF, mais de 400 metros cúbicos de madeira ilegal foram encontrados no pátio da serraria do empresário. O homem terá de pagar uma multa de cerca de R$ 1 milhão, por crime ambiental. Depois de prestar depoimento, o acusado foi liberado. Fiscais do Ibama multaram 16 fazendas no Pará, somando R$ 82,8 milhões.

Conselhos a Miterrand
O deputado Asdrubal Bentes (PMDB-PA) cometeu uma grande gafe ontem na Câmara. Diante da ativista Danielle Mitterrand, o paraense solicitou à viúva do ex-presidente francês François Mitterrand - um defensor da internacionalização da Amazônia - que o fizesse mudar de idéia. O parlamentar não tinha conhecimento que Mitterrand morreu há 12 anos, em fevereiro de 1996.

É necessário somar forças

Entrevista /Marina Silva

O aumento no desmatamento constatado na Amazônia está entre os principais pontos do discurso que Marina Silva (PTAC) faz hoje a tarde no Senado. A ex-ministra do Meio Ambiente apareceu no plenário da Casa ontem pela primeira vez desde que deixou a pasta no governo federal. Foi recebida com abraços tanto pela oposição como por governistas. "Não concluí o texto, mas será um apanhado geral", adiantou Marina ontem, quando falou ao Correio. Ela deve ressaltar a necessidade de o governo não ceder ao afrouxamento das medidas ambientais para que a agenda ambiental do país seja mantida. "Diante da pressão, (o governo) não deve permitir retrocesso e apostar na agenda da transversalidade, que foi muito tímida", destaca. Marina acredita que seja possível impedir que o plantio de cana-de-açúcar para a produção de etanol chegue à Amazônia, mas concorda com os ambientalistas de que a ampliação da monocultura em outras regiões "empurra" a soja e a pecuária para a floresta. "Isso não é, necessariamente, um fato a priori", diz.

Os ambientalistas não acreditam que as medidas do governo sejam sufientes para desacelerar o processo de desmatamento na Amazônia constatado pelo Inpe?

As medidas vêm sendo tomadas. O problema é que, desde que se falou do indício de aumento de desmatamento, não tivemos contrapartida de alguns estados. Considero desobediência civil situações como a de Mato Grosso e Rondônia, que em vez de combaterem a derrubada de árvore, ficam questionando a confiabilidade do sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter). No lugar de ficar questionando as medidas, como tem feito o governador do Mato Grosso (Blairo Maggi), é preciso somar forças para dois movimentos: a implementação de ações de combate ao desmatamento e o apoio à Operação Arco Verde, que são ações de desenvolvimento sustentável. Esse números só reforçam que as nossas medidas estavam certas e corretas.

Mas as medidas são suficientes? O recadastramento dos produtores rurais dos 36 municípios campeões do desmatamento, por exemplo, foi baixo...

A dificuldade é, por um lado, dos proprietários de terra que não têm a titularidade, e, por outro, dos que não querem se recadastrar porque preferem a clandestinidade. Sabem que o registro abre caminho para fiscalizações.

O que pode agravar o desmatamento até julho, quando o levantamento anual é finalizado?

O aumento do preço das commodities (soja e carne bovina), a estiagem prolongada, período eleitoral do próximo semestre. As ações correm risco de não serem postas em práticas porque em período de campanha ninguém quer mexer com questões polêmicas e incomodar. Já vínhamos enfrentando essa situação nas operações deste semestre, quando a polícia local nos deixava na mão dizendo que estava cumprindo ordem superior.

O etanol ameaça a Amazônia?

Não. Empurra (a soja e o gado) para a fronteira amazônica, mas isso não é, necessariamente, um fato a priori.

Como o desmatamento será ressaltado no seu discurso hoje?

Não concluí o texto, mas será um apanhado geral. Diante da pressão, (o governo) não deve permitir retrocesso e apostar na agenda da transversalidade, que foi muito tímida. (HB)
COLABOROU LEANDRO COLON

CB, 04/06/2008, Brasil, p. 10

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