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O Senado e as demarcações de terras indígenas

Folha de Boa Vista-Boa Vista-RR
Autor: Bruno Dantas Nascimento
17 de Mai de 2004

Após longo período alheio à política indigenista que se pratica no Brasil, o Senado Federal, neste ano de 2004, viu-se diante de oportunidade única de se afirmar como palco adequado para as grandes discussões que causam impacto, não apenas nas questões políticas e sócio-econômicas relevantes para a sociedade brasileira, mas também, principalmente, nas que possuem repercussão no princípio federativo - já que o Senado é a Casa guardiã da Federação.

Diante dos graves conflitos que eclodiram no País, tendo como pano de fundo a demarcação de terras indígenas, o Senado, no exercício de sua função constitucional precípua, instalou Comissão Externa, requerida pelo senador Mozarildo Cavalcanti, destinada a visitar in locu os Estados de Roraima, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina e colher elementos a respeito da condução do processo demarcatório nessas unidades da federação.

A primeira etapa dos trabalhos da Comissão foi concluída e o relatório parcial do senador Delcídio Amaral (PT/MS) sobre a área "Raposa/Serra do Sol", localizada no Estado de Roraima - que tem mais da metade de seu território ocupado por reservas ambientais e indígenas - aprovado à unanimidade pelo plenário da Comissão, que entendeu relevantes as preocupações de seu relator. O imbróglio envolvendo a mencionada demarcação exibiu com clareza a forma equivocada como vem sendo tratada, ao longo dos anos, uma situação extremamente delicada e potencialmente conflitante.

No interior da área de 1.700.000 hectares, identificada como de ocupação tradicional indígena, por um antropólogo contratado pela FUNAI, estão localizados dois municípios, diversas vilas, quatro rodovias, várias áreas de plantio de arroz e soja e de criação de gado e uma unidade de conservação ambiental. A principal conseqüência da homologação da demarcação conforme proposta é a transferência imediata para o patrimônio da União de tudo que estiver localizado dentro da área demarcada e a gravação de cláusula de usufruto das terras em favor dos indígenas, acarretando, portanto, a extinção do Município de Uiramutã e a inviabilização dos Municípios de Normandia e Pacaraima, assim como a expropriação das principais áreas produtivas do Estado (sem indenização pela terra nua, saliente-se), a retirada dos indivíduos não-índios, a limitação do tráfego nas rodovias e o desaparecimento do Parque Nacional do Monte Roraima.

O relatório de 70 páginas, laboriosamente preparado pela Comissão presidida pelo senador Mozarildo Cavalcanti após visita a Roraima, onde foram ouvidos representantes do governo estadual, da sociedade civil roraimense e dos próprios indígenas, reflete fielmente os depoimentos prestados à Comissão e os anseios da comunidade local. Sem descuidar-se dos interesses indígenas, o relatório propõe medidas que equacionam a situação do Estado da forma mais justa e razoável possível.

Foi com esse espírito que se concluiu pela necessidade de exclusão de uma área de 300.000 hectares de um universo de 1.700.000, sobrando, portanto, expressivos 1.400.000 hectares para as comunidades indígenas, que possuem, aproximadamente, 15.000 indivíduos. Ao ressalvar os Municípios, as vilas, as áreas de potencial exploração econômica e o santuário ecológico do Parque Nacional do Monte Roraima, o documento produzido pelo Senado Federal preserva os interesses de índios e não-índios, a esperança desenvolvimentista de Roraima e o pacto federativo.

O relatório da Comissão foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem cabe a decisão sobre a homologação da demarcação da terra indígena. Mais do que singela deliberação a respeito de uma comunidade de índios, o caminho que trilhará o presidente Lula será decisivo para os rumos de um ente da federação e para a indicação da postura a ser adotada frente aos problemas que enfrenta a Amazônia brasileira

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