VOLTAR

O que faz uma cerveja ser brasileira

OESP, Paladar, p. D3
Autor: LUPINACCI, Heloisa
05 de Abr de 2018

O que faz uma cerveja ser brasileira
Desde os primórdios da cerveja artesanal brasileira, a busca por um estilo cervejeiro local passa pela adição de ingredientes nativos

Só de birra
Heloisa Lupinacci

Três cervejeiros assistiam tevê quando viram, em um documentário, cenas da produção da pimenta baniwa - a mescla de pimentas desidratadas e piladas, composta por cerca de 60 variedades de pimentas e sal, produzida pelo povo indígena Baniwa. Ficaram curiosos: como aquele ingrediente poderia ser usado na cerveja? E fizeram um caminho ainda mais curioso: entraram em contato com o Instituto Socio-Ambiental para garantir que o uso da pimenta na cerveja tivesse algum impacto na população que a produz.
Assim nasceu a Baniwa Chilli, saison com só 3,8% de teor alcoólico e adição de suco de abacaxi, hortelã e pimenta baniwa. Na descrição de Vilson Mello Jr., o próprio cervejeiro, é uma cerveja refrescante, frutada e levemente picante. "A pimenta complementa os sabores de hortelã e abacaxi da saison. Além de levemente picante, ela traz um toque salgado". E com a cerveja, nasceu um acordo raro: 10% das vendas da Baniwa Chilli vão para a Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi).
Mas o que a descrição do cervejeiro está fazendo aqui? Pois é, não dá para provar essa cerveja: ela é irlandesa! Criada pela Hopfully Brewing, teve lote único de 500 litros, vendidos em um evento na cervejaria, em Dublin. Os cervejeiros são brasileiros - e estão doidos para vir brassar a cerveja aqui. Enigma: uma cerveja que leva ingredientes brasileiros e foi criada por cervejeiros brasileiros é irlandesa? O mundo da cerveja tem dessas coisas. Diferentemente da uva, a cevada e o lúpulo podem ser transportados por longas distâncias. Grande parte das cervejas que aparecem aqui são produzidas com ingredientes importados. São brasileiras porque são brassadas aqui.
A adição de ingredientes brasileiros e a busca de um estilo cervejeiro local estão aí desde que a cerveja artesanal brasileira existe, na tentativa de dar à bebida produzida aqui uma cara própria. É só lembrar que todas as cervejas da Colorado - que ensinaram que existia cerveja artesanal sendo feita aqui - levam algum ingrediente local (a pilsen tem mandioca, a IPA tem rapadura, a stout tem café). E quem lembra da Amazon Beer? A paraense anda sumida das prateleiras paulistanas, mas todo mundo já ficou intrigado com a Witbier Taperebá e em 2014, a Açaí Stoutganhou o prêmio de melhor cerveja do Festival Brasileiro da Cerveja (em tempo, a Amazon segue firme e forte em Belém, com a taproom na Estação das Docas).
É comum o bebedor olhar com desconfiança para esse papo de colocar coisa brasileira na cerveja. O ingrediente em si, é claro, não segura uma cerveja inteira. E assim como tem cerveja boa que leva milho (para horror da patrulha antimilho), tem cerveja ruim que leva lúpulo americano. Você pode estar com o melhor ingrediente do mundo na mão e estragar tudo na hora de cozinhar. Com cerveja é igual. (Por outro lado, dificilmente vai sair alguma coisa que preste da união de ingredientes ruins, não interessa se é panela ou tanque de brassagem.)
Em todo caso, das primeiras levas de Colorado ao último lançamento no EAP, a cena cervejeira cresceu, ficou mais variada, interessante e ousada. E os ingredientes brasileiros continuam sendo o caminho para tentar dar cara à produção nacional - com muitos resultados incríveis. As frutas e as madeiras lideram a preferência - e o café é um assunto à parte.
Nesta semana, escolhi três bons exemplos de cervejas que trazem ingredientes brasileiros, mas passam longe de qualquer lugar comum.

Morada Cia. Etílica Cupuaçu Sour
Preço: R$ 25 (355 ml) no Empório Alto dos Pinheiros
É sour, mas é saison e leva cupuaçu. Refrescante para chuchu. A textura é cremosa - vem da aveia - e remete à polpa da fruta. Essa "berliner saison", brincadeira com os nomes berliner weisse (cerveja de trigo ácida típica de Berlim) e saison (de origem belga conhecida por ser ao mesmo tempo refrescante, seca, frutada e condimentada), é uma cerveja esperta - complexa, mas agradável, porque nem todo papo cabeça é chato.

Treze Berlim 01/SP Jaqueira Wood Roggenbier
Preço: R$ 31 (473 ml) no Empório Alto dos Pinheiros
É muito bom encontrar leituras brasileiras de cervejas da tradição alemã. Elas combinam bem com a nossa cultura cervejeira - muitas delas são secas, limpas e leves, boas para embalar a conversa. Essa aqui é assim, mas toda diferente. Para começar, é um estilo raro, chamado roggenbier. Ele é definido pela presença de centeio - que deixa a textura da cerveja mais viscosa e tem um toque picante. A fermentação é com levedura de weizen (aquela que todo mundo conhece pelas notas de banana e cravo), mas como é toda feita em baixa temperatura essas características não aparecem. Resultado: uma cerveja seca, mas encorpada (por causa do centeio), sem ser alcoólica demais (5,8%). Por fim, levou chips de jaqueira na maturação. Ficou assim: ela começa parecendo uma cerveja até que normal, mas é realmente seca e termina com um toque amadeirado surpreendente. Única.

OESP, 05/04/2018, Paladar, p. D3

http://paladar.estadao.com.br/noticias/bebida,o-que-faz-uma-cerveja-ser…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.