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O problema do calor

CB, Brasil, p. 9
27 de Dez de 2006

O problema do calor
Estudo inédito mostra os efeitos do aquecimento global no país: temperatura média deve subir até 8oC. Secas serão ainda mais rigorosas no Nordeste e temporais podem abalar o Sudeste e o Centro-Oeste

Clarissa Lima
Da equipe do Correio

A previsão para o clima, em todo o século 21, é de muito calor. Os brasileiros podem se preparar para um aumento de até 8o C nos termômetros nas próximas décadas. É o que aponta um estudo inédito feito pelo Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Especais (Inpe). Pela primeira vez, meteorologistas desenharam cenários para o clima no país até o ano 2101. O crescimento da temperatura média em 8o C é também o previsto para os Estados Unidos e países da Europa, de acordo com levantamento de entidades internacionais.

O estudo, que deve ser entregue em janeiro ao Ministério do Meio Ambiente, expõe os efeitos do aquecimento global e do efeito estufa no país, em termos climáticos. Pelas projeções, o Brasil deixará de ser tropical e úmido para se tornar quente e seco. "O que é quente no presente será mais quente no futuro", anuncia o coordenador do estudo, o meteorologista José Antonio Marengo Orsini. No levantamento científico foram feitas duas projeções para cada região.

O cenário otimista considera os efeitos a partir da aprovação do Protocolo de Kyoto, acordo internacional que prevê a redução da emissão dos gases de efeito estufa. O outro, pessimista, não conta com este mecanismo, nem com possíveis mudanças na política ambiental em todo o mundo. O resultado do estudo será utilizado pelo governo federal na definição de políticas para preservação da biodiversidade, na construção de modelos hidrológicos e em pesquisas agrícolas.

O maior efeito das agressões ao meio ambiente será sentido na Região Norte. É lá onde está previsto um aumento de temperatura de até 8o C. O efeito é estimado em quase todas as simulações climáticas feitas pelos técnicos do CPTEC. A região também registrará uma queda de até 15% na umidade, o que pode levar a mais incêndios e queimadas, que já atormentam ecologistas. Os efeitos serão registrados daqui para frente de modo lento e gradual.

Cenários pessimistas
As conclusões do estudo podem explicar a rigorosa seca que atingiu a Amazônia em 2005, quando foi registrado o menor índice pluviométrico dos últimos 40 anos. Milhares de famílias ficaram sem acesso a alimentos e remédios porque os barcos não conseguiam chegar às comunidades ribeirinhas, devido à queda no nível dos rios. As embarcações são o principal meio de transporte da região. Segundo José Marengo, há uma tendência de esvaziamento das bacias, o que confirma a previsão de outros especialistas: a Amazônia corre o risco de virar uma savana. Com o desmatamento, a floresta vai começar a liberar gás carbônico e não mais absorvê-lo.

No Sudeste e no Centro-Oeste, a única certeza é quanto à temperatura. Também vai subir. O cenário pessimista para as duas regiões prevê um aumento de até 6o C. A dúvida é em relação às chuvas. "Haverá diferença quanto à distribuição do tempo de chuvas. Pode chover muito em poucos dias", prevê o meteorologista.

Mais chuvas e elevação da temperatura são os prognósticos para a Região Sul. Lá, o índice pluviométrico deve subir entre 5% e 10%. Mas, como o clima ficará mais quente, toda a água acumulada deve evaporar. A preocupação maior é em relação à geração de energia elétrica - a maioria funcionando à pressão dos rios, com hidrelétricas -, e a agricultura. As usinas que abastecem a região são alimentadas por rios localizados entre os três estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Além disso, há pouca capacidade de transferência de energia das outras regiões. Essa independência permitiu que alguns estados ficassem livres do racionamento de energia que atingiu o restante do país em 2002.

O impacto na Região Nordeste será maior nas áreas mais carentes. O imenso semi-árido, onde se concentra o sertão, poderá virar uma espécie de deserto. A previsão é que as chuvas sejam cada vez menos intensas, uma queda de até 20% no índice pluviométrico.

Os ambientalistas temem que ocorra no Nordeste o mesmo fenômeno observado na África e aqui mesmo no Brasil, em épocas de secas rigorosas: os refugiados ambientais. Uma legião de moradores que deixam suas casas em busca de cidades maiores para fugir dos efeitos do clima. Este ano, a seca já atingiu 343 municípios nos estados da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Estudo feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) mostra que seriam necessários R$ 3,6 bilhões para resolver os problemas provocados pela forte estiagem na região.

Custo da devastação

Quanto custam as mudanças climáticas? Esta é a pergunta que os pesquisadores do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) vão tentar responder em 2007. A partir de uma metodologia desenvolvida na Inglaterra, a equipe de técnicos do órgão vai procurar dar a dimensão dos prejuízos provocados pelas agressões ao meio ambiente.

A idéia é tentar fazer o mesmo que o Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas. O órgão concluiu recentemente um levantamento sobre os custos dos acidentes nas rodovias. Chegou à impressionante cifra de R$ 22 bilhões.

Além das perdas de safras agrícolas, o aquecimento global também provoca mortes devido às enchentes ou secas rigorosas. A redução do nível dos rios tem conseqüência direta na geração de energia elétrica. Sem a produção das usinas, o país é obrigado a consumir megawatts produzidos por usinas termelétricas, que são pelo menos 30% mais caras.

Outro impacto na agricultura é a necessidade de desenvolver sementes adaptadas a temperaturas mais elevadas.Um estudo feito pela Embrapa revela que o aumento de 1o C na temperatura pode provocar perdas de US$ 500 milhões na cultura do café, com a diminuição da área de plantio superior a 25% das terras ocupadas atualmente. O problema afetaria principalmente Goiás, Minas Gerais e São Paulo.

Além do estudo sobre o impacto econômico, a equipe do CPTEC também começará a fazer projeções sobre clima para o século 23. Para esses estudos, o órgão recebeu financiamento do Ministério do Meio Ambiente. Serão investimentos estimados em R$ 780 mil.

Outra má notícia em relação a previsões climáticas foi publicada na revista Science. Um trabalho do climatologista Stefan Rahmstorf mostra que as previsões do aumento do nível do mar devido ao aquecimento global estão subestimadas. Segundo o novo estudo, a elevação das águas dos oceanos pode estar entre 50 cm e 1,4m, o que é 59% a mais do que o previsto pelo Painel Intergovernamental para Mudança Climática (IPCC). (CL)

CB, 27/12/2006, Brasil, p. 9

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