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O planeta no cheque especial

O Globo, Ciência, p. 30
21 de Set de 2011

O planeta no cheque especial
Homem terá consumido até a próxima terça mais do que a natureza pode produzir
Cláudio Motta
claudio.motta@oglobo.com.br

O planeta vai entrar no cheque especial do consumo dos recursos naturais na próxima terça-feira. O cálculo foi divulgado ontem pela Global Footprint Network, organização sem fins lucrativos com sede na Califórnia e em Genebra. A pesquisa levou em consideração o impacto ambiental global do homem e a capacidade de regeneração do planeta para determinar a chamada pegada ecológica.
No próximo dia 27 a Humanidade vai exaurir seu orçamento em relação ao que a natureza pode fornecer no ano.
O déficit que fica para outubro, novembro e dezembro significa redução dos estoques naturais e aumento do acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera.
O presidente da Global Footprint Network, Mathis Wackernagel, explica que, gastando nosso salário três meses antes do final do ano, é necessário retirar da poupança valores cada vez maiores: "Muito em breve, vamos esgotar nossas reservas", alertou.
Consumo de duas Terras até 2030
Em 1961, o consumo global requeria apenas 0,63 da capacidade do planeta de se renovar. Em 1975, o número chegou a 0,97. Pouco depois, começou o débito. A pegada ecológica já era de 1,06 planeta em 1980, chegando a 1,45 em 2005. Agora, os padrões de consumo exigem uma área de quase um planeta e meio.
Avaliando a série histórica, os pesquisadores perceberam que a cada ano o planeta entra no cheque especial cerca de três dias mais cedo. Se o panorama atual não mudar, serão necessário dois planetas até 2030.
- Em 2000, exaurimos os recursos naturais cerca de cinco semanas depois, na comparação com 2011.
Apesar da recessão global, o consumo dos recursos naturais continua crescendo - disse Nicole Achs Freeling, porta-voz da Global Footprint Network.
Os efeitos do desperdício de recursos naturais já podem ser sentidos na economia. Professor de engenharia ambiental da Escola Politécnica da UFRJ, Haroldo Mattos de Lemos diz que é necessário gastar mais para manter a produção. Em relação à pesca, é preciso ir cada vez mais longe para conseguir fisgar a mesma quantidade de peixes, encarecendo os alimentos para o consumidor.
- Estamos usando mais recursos do que o planeta é capaz de repor.
Isso pode continuar acontecendo durante alguns anos, mas quanto mais fizermos, mais difícil vai ficar no futuro. O estoque de madeira do mundo está diminuindo e pode acabar em 30 a 40 anos. O mesmo ocorre com os peixes: a Humanidade pesca numa quantidade maior do que eles conseguem se reproduzir - disse Haroldo.
Os pesquisadores reconhecem ser impossível determinar com total precisão o exato momento em que o orçamento dos recursos naturais foi exaurido. Eles pretendem melhorar a base de dados e os métodos usados para acompanhar a evolução do consumo dos recursos naturais.
Constantemente os critérios usados têm sofrido revisões. Basicamente, são considerados três fatores: nível global de consumo, tamanho da população mundial e a capacidade de produção da natureza.
Para calcular a pegada ecológica, os dados de mais de 200 países são levados em consideração. Os fatores de ponderação são as áreas de lavouras, de pastagens, de pesca, as regiões edificadas e de florestas, entre outros. Os países são divididos entre os devedores, como os Estados Unidos, e credores, entre eles, o Brasil.
- O Brasil é um dos países que tem as maiores reservas naturais, que supera a capacidade de consumo de sua população. Porém, isso não significa que pode liquidar suas reservas. A riqueza natural do Brasil está sob pressão por causa da crescente demandas por habitação e aumento dos padrões de consumo - disse Nicole.
Para o geógrafo Lucas Pereira, diretor da ONG Iniciativa Verde, é preciso considerar os impactos ambientais da energia hidroelétrica, a principal matriz brasileira, que muitas vezes é tida como 100% limpa.
- Temos que mudar nosso padrão de consumo e de aproveitamento dos recursos. Ainda há grande desperdício. Em relação ao Brasil, um dos grandes problemas da pecuária é a produtividade, que pode ser aumentada em até quatro vezes, possibilitando a redução de em até 75% de novas terras para a pastagem.
Não apenas os países têm pegada ecológica. Quem quiser calcular seu impacto ambiental pode usar a internet, na página www.footprintnetwork.org/calculator.

Falta de eficiência ambiental

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) publicou ontem relatórios regionais sobre o uso eficiente dos recursos na América Latina e na Ásia-Pacífico. As conclusões são semelhantes: "a maioria desses países não integrou o conceito de eficiência dos recursos em suas estratégias econômicas e produtivas".
Os relatórios REEO (Eficiência na utilização de Recursos:
Perspectivas e Implicações Econômicas, na sigla em inglês) pretendem incentivar o desenvolvimento sustentável. O estudo sobre a América Latina foi desenvolvido entre 2009 e 2010 pelo Pnuma e pela Rede Mercosul de Pesquisas Econômicas, em colaboração com a Universidade Autônoma Metropolitana (México) e a Universidade de Concepción (Chile).
Basicamente, foram avaliadas três grandes áreas, consumo de energia, aproveitamento da água e uso do solo, explica Maria Amélia Henrique, membro do painel internacional de recursos naturais do Pnuma e presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica:
- Chama a atenção a necessidade de aumentar a eficiência.
O Brasil precisa ver os recursos naturais como um ativo.
Além de mostrar os problemas, o relatório apontou oportunidades de melhorias. A criação em 1996 do Conselho de Bacia do Rio Paraíba do Sul foi citado com um dos bons exemplos.
Ao aplicar taxas de consumo de água a partir de 2003, houve diminuição de 16% da extração entre 2006 e 2008, e seu consumo caiu 29% no mesmo período, além do aumento da produtividade com a reutilização da água por empresas.
Para Michael Becker, da ONG WWF-Brasil, o país ainda não sente tanto o tamanho da sua pegada ecológica por ter grande capacidade ambiental, mas não está imune a problemas:
- O Brasil sente a escassez de recursos naturais quando há quebra de produção, por causa das chuvas, por exemplo.

O Globo, 21/09/2011, Ciência, p. 30

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