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O perigo está no ar

O Globo, Rio, p. 18
26 de Nov de 2010

O perigo está no ar
Pesquisa revela níveis críticos de poluição na Avenida Brasil e no Túnel Rebouças

Cláudio Motta

Pesquisadores do Laboratório de Mutagênese Ambiental (Labmut) do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da Uerj, constataram que, na Avenida Brasil e no Túnel Rebouças, o índice de partículas no ar que podem causar graves danos à saúde - até mesmo câncer - está muito acima do limite aceitável. A pesquisa, que ainda se encontra em andamento e tem o apoio da Faperj, aponta variações entre 9 e 23 no chamado Índice de Mutagenicidade registrado no túnel, pelo qual passam diariamente quase 153 mil veículos. De acordo com especialistas, o limite aceitável desse índice é 2,5.
Pesquisadores envolvidos no trabalho usaram um equipamento que capta os poluentes no ar chamado de Amostrador de Grande Volume (AGV). Eles ainda colocaram na Avenida Brasil e no Rebouças plantas de uma espécie conhecida como coração-roxo, considerada muito resistente, para verificar como sofriam os efeitos da poluição. A que foi deixada dentro do túnel morreu em poucos dias.
A pesquisa começou a ser feita em 2008. Na Avenida Brasil, a qualidade do ar é monitorada na altura do bairro de Ramos. O AGV foi instalado no Ciep Leonel de Moura Brizola, em uma área na qual passam diariamente quase 200 mil veículos.
O Índice de Mutagenicidade no local ficou entre 3 e 4, menor que o registrado no Rebouças. Porém, dentro do túnel, as pessoas ficam bem menos tempo expostas aos poluentes.
Especialista não vê motivo para alarme
Apesar dos resultados estarem muito acima do limite considerado aceitável, especialistas dizem que não há motivo para pânico. Mas, segundo os pesquisadores, isso não significa que o carioca deva encarar com naturalidade a qualidade do ar que respira. Um estudo encomendado pela prefeitura à Coppe/UFRJ revela que os meios de transporte rodoviário são os maiores emissores de gases do efeito estufa na cidade - liberam 33% do total. Em seguida, vêm as emissões provenientes do lixo, com 25%, e a poluição industrial, com 10%.
O professor e biólogo Israel Felzenszwalb, que participa da pesquisa da Uerj com outros especialistas, explica que as partículas detectadas são mutagênicas - podem causar câncer. Elas provocam mutações em células, o que dá origem à doença.
- Há muitos tipos de poluentes na atmosfera. Avaliamos apenas alguns, aproximadamente 10% dos chamados hidrocarbonetos policíclicos aromáticos coletados na Avenida Brasil e no Túnel Rebouças. São partículas provenientes da queima de combustíveis - disse o especialista, que citou estudos da OMS sobre os danos causados pela poluição. - Partículas finas emitidas por veículos automotores provocam quase 3% das mortes que ocorrem diariamente no mundo.
De acordo com o pesquisador, o estudo permite chegar à conclusão que a saúde dos cariocas corre riscos por causa da poluição provocada por veículos:
- Não temos o menor interesse em causar pânico, mas, sim, conscientizar a população e os governantes, que devem buscar programas e pesquisas que contribuam para a nossa qualidade de vida. O que fazemos não é uma previsão epidemiológica para os usuários do Túnel Rebouças e Avenida Brasil. Não acho que isso possa ser realizado. Queremos, na verdade, divulgar o estudo aos que trabalham no túnel, a motoristas de ônibus e a motoqueiros. Evitar os caminhos diários não é uma solução. Engarrafamento leva ao estresse, que também causa problemas à saúde. Nossa primeira dica é usar o ar-condicionado no modo circuito fechado.
A pesquisadora Liz Almeida, da Divisão de Epidemiologia do Instituto Nacional do Câncer, afirma que não há solução a curto prazo nem motivo para alarme. Ela frisa que a população deve exigir investimentos em meios de transportes públicos eficientes, que possam levar mais passageiros e poluir menos. Ela cita como um bom exemplo a Dinamarca, que tem reduzido consideravelmente a poluição causada por veículos.
- Devemos incentivar tecnologias menos poluentes e promover uma conscientização semelhante à obtida no combate ao fumo. O motivo para buscarmos uma redução na emissão de gases é o mesmo, temos de evitar doenças cardiorrespiratórias e alguns tipos de câncer. Existem dados sobre esses riscos. A solução não é parar, mas exigir do poder público um controle mais rígido da poluição e maior estímulo aos meios de transportes não poluentes.
Os que podem levar muitas
pessoas precisa ser priorizado - disse a especialista.
Algumas pesquisas citadas por Liz chegaram à conclusão que a poluição provoca doenças respiratórias principalmente em crianças e idosos.
Quem tem alguma enfermidade e vive em meio à poluição provocada por veículos corre riscos.
- A poluição encurta a vida de todos. Isso é fato. Em relação ao câncer de pulmão, de cada cem casos, nove ou oito podem ser atribuídos aos gases emitidos por veículos automotores - afirmou Liz, que criticou soluções individuais. - Fechar as janelas do carro é como colocar máscaras de gás. Até funciona, mas não é uma maneira de combater o problema.

No México, crítica aos transportes

Cidade do México. O sistema de transportes do Rio sofreu críticas dos especialistas que produziram o Índice de Cidades Verdes da América Latina, que analisou as 17 maiores cidades do continente. O estudo, lançado no último domingo na Cidade do México, conclui que a cidade continua a sofrer problemas de tráfego. Além disso, diz que o município tem sido lento para implementar políticas de redução de engarrafamentos, como zonas livres de veículos. Mesmo assim, o Rio teve uma boa avaliação final.
Produzido pela Economist Intelligence Unit, o estudo foi encomendado pela Siemens e sucede o realizado com cidades europeias, no qual Copenhague, na Dinamarca, foi considerada a mais verde. Lá, porém, há um ranking. Por falta de dados comparáveis na América Latina, foram criadas as faixas de avaliação "bem abaixo da média", "abaixo da média," "na média", "acima da média", e "muito acima da média".
O índice analisou oito temas.
Curitiba foi considerada a cidade mais verde do continente, conseguindo sozinha a classificação "muito acima da média" no resultado final do índice. O Rio ficou "acima da média".
Além do Rio, Belo Horizonte, Bogotá (Colômbia), Brasília e São Paulo ficaram com resultado final "acima da média". As cidades com as piores avaliações foram Guadalajara (México) e Lima (Peru), "bem abaixo da média". Buenos Aires (Argentina) e Montevidéu (Uruguai) ficaram "abaixo da média". Medellin (Colômbia), Cidade do México, Monterey (ambas no México), Porto Alegre, Puebla (México), Quito (Equador) e Santiago (Chile) ficaram "na média". Algumas cidades ficaram fora do estudo porque não tinham dados disponíveis para comparações.
- O Rio pode se tornar a capital verde latino-americana - disse o presidente e CEO da Siemens, Peter Löscher.
Cláudio Motta: O repórter viajou a convite da Siemens.

O Globo, 26/11/2010, Rio, p. 18

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