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O paraíso proibido

JT, Especial, p. A4
28 de Nov de 2004

O paraíso proibido

Valdir Sanches

Acompanhe a visita do JT à estação ecológica Juréia-Itatins, entre Peruíbe e Iguape, no Litoral Sul. É uma rara porção de Mata Atlântica ainda preservada, belíssima - mas proibida ao públicoCedo, abre-se a janela. A chuvarada da véspera parou. Mas o céu, cinzento, não garante nada. E os guardas do Parque da Juréia já sabem: pode estar sol no centro de Peruíbe, e a maior chuva lá na mata. O que fazer? Arriscar.
A partida é da sede da Estação Ecológica de Juréia-Itatins - esse é o nome - , em Peruíbe. São 80 mil hectares de Mata Atlântica em sua exuberância, sem falar na bicharada (encontrar os bichos já é outro assunto).
O status de estação ecológica veda inteiramente a entrada de público. Mas há algumas possibilidades, mostradas no boxe abaixo. Quero-queros barulhentos saúdam os visitantes quando a caminhonete do instituto entra em uma estrada de terra, já dentro da estação. Mais alguns quilômetros, e uma placa anuncia um novo caminho: Estrada do Paraíso. Sugestivo e apropriado. A estrada é ladeada por mata tão fechada que se entrelaça no alto.
O guarda do parque Manuel Messias, com 16 anos de experiência, dirige devagar. Esse paraíso é um tanto esburacado. No caminho, suas margens se alargam e surgem casas rústicas de caiçaras. Eles já estavam aqui quando a estação foi criada, há 18 anos (1986).
Com uma hora de viagem, alcança-se a margem do Rio Una do Prelado, belo, plácido, de águas escuras. Na margem estão os restos enferrujados de uma pequena balsa. Era usada na travessia por donos de áreas desapropriadas com a criação da estação (até hoje, há contestações na Justiça).
Bem, trata-se de atravessar o rio. Na outra margem, um homem pula em um barco e põe-se a movimentá-lo, com um remo. É Miguel Lima Ribeiro, guarda do parque. Um de seus trabalhos é impedir que estranhos (turistas, pescadores, caçadores), navegando desde a foz, continuem viagem. Uma placa informa que é proibido.
A travessia é tranqüila. O céu continua não inspirando confiança. Mas não chove. A caminhonete ficou na outra margem, mas nesta há uma igual. A viagem prossegue. Ao volante, agora, vai Leopoldo da Silva Neves, encarregado desta área, o Núcleo Grajaúna.
A estrada, aqui, é um caminho fechado como o início da Estrada do Céu. A Mata Atlântica, em sua plenitude. Trechos com longas formações de samambaias. Folhagens variadas, de vez em quando bromélias e flores menos conhecidas. Isso é o cotidiano para Leopoldo, filho de caiçara, que nasceu aqui.
Uma parada na sede onde Leopoldo fica. E os repórteres conhecem um novo personagem: a mutuca. Esses insetos parecem moscas grandes, têm uma picada dolorida e não dão a mínima para repelente. Atacam em nuvens, durante o dia. Concorrem com o mosquito pólvora, que investe também nas noites de lua cheia.
Como diz Leopoldo: "À noite, as mutucas passam o turno para o mosquito pólvora e os pernilongos". Não é à toa que a sede onde ele fica, como uma casa destinada a pesquisadores, têm varandas e janelas fechadas por telas. A caminhonete segue. Nas margens, agora, há postes de ferro que seguraram os fios do telégrafo. As pontes pelo caminho são de madeira, com duas tábuas de comprido, certinhas para as rodas do carro. Leopoldo aciona a tração nas quatro rodas para vencer trechos de lama. Basta a caminhonete diminuir a velocidade, as mutucas atacam. É preciso fechar as janelas.
Um belo maciço à vista, Leopoldo diz: "É lá que quiseram fazer as usinas nucleares". Quando governavam o País, os militares projetaram a construção de duas usinas bem neste lugar. Mas resolveram que a mata da área (a Juréia) seria preservada. Começaram as desapropriações.
As usinas, apontadas como um mal, não saíram. E, ironicamente, resultaram em um bem: por causa do projeto, criou-se a estação ecológica.
De repente, a estradinha termina. A caminhonete pára às margens de um rio de águas claras e verdes: justamente o Rio Verde. Há um barco de alumínio - aberto - nas margens. O motor, que veio na caminhonete, é instalado. Todos a bordo. Começa a chover.
Sob chuva, o cenário parece ainda mais belo. A mata das margens refletida na água. Os morros, silhuetados pelo cinza. Em certo trecho, o barco pára. Em terra, segue-se por uma trilha curta. E aí está: a Cachoeira do Macaco, caindo de um alto morro e jogando suas águas puras no rio. Um belo espetáculo, para raros espectadores.
Na trilha há restos de bromélia. Sinal de que macacos pregos se alimentaram por aqui. Falar nisso, onde está a bicharada? Com uma chuva dessas, conclui-se, nem tatu sai da toca.
A verdade, explica-se, é que deparar-se com os bichos é questão de sorte. Apesar de serem muitos. Em seis anos de trabalho, um pesquisador de Peruíbe, Rogério Martins, constatou a existência de 38 espécies de mamíferos. Veados, tamanduás-mirins, porcos do mato, macacos, esquilos...
A especialidade de Rogério são onças. Em seis anos de trabalho, constatou, fotografando pegadas, que existem de 20 a 25 onças pardas na Juréia-Itatins. E que as pintadas estão em extinção: são apenas três, aqui.
Sob chuva, desce-se agora o Rio Verde, até sua foz, no oceano. Bem perto da foz, está o Caminho do Imperador. Ia de São Vicente a Cananéia e, registram historiadores, era usado por D. Pedro II em suas viagens. O trecho da Juréia é uma trilha larga, com pedras na terra com muitas samambaias nas margens. Dos pontos mais altos, avistam-se belos cenários, como a Praia do Rio Verde.
O barco volta ao ponto de partida. Os visitantes, à caminhonete e às mutucas. Com poucos quilômetros rodados, a chuva pára. Nem por isso os bichos se mostram. Maurílio Rodrigo de Souza, 57 anos, nove filhos, conhece bem a paca, a cutia. Em outros tempos, a caça para sobrevivência era permitida. Hoje, não.
Maurílio está na Juréia há 28 anos. Tinha sua roça de mandioca, milho. A criação da estação ecológica proibiu também isso. O caiçara sabe que é assim mesmo. Mas se lamenta. "Eu estou precisando fazer uma roça." A pesca também é proibida, menos para a sobrevivência dos moradores. É nisso que Maurílio se salva. Não pretende sair daqui. "Tem um bocado de coisa linda, orquídea, pedras, árvores." No meio da tarde, a caminhonete está de volta à sede da estação ecológica, que pertence ao Instituto Florestal, do Estado. O diretor da estação, Joaquim do Marco Neto, trabalha aqui há 17 anos. Caçadores e apanhadores de palmito são problema constante, mas o turismo também o preocupa muito. A lei não permite a visitação pública, mas há pressões para mudar o quadro.
Um projeto de lei apresentado na Assembléia, recentemente, transforma certas área da estação em parque. Parques podem cobrar ingresso a seus visitantes, e se sustentar, mas Joaquim tem um pé atrás. "Seriam necessárias análises profundas." Juréia-Itatins, afinal, é patrimônio natural mundial, assim considerado pela Organização das Nações Unidas para Cultura, a Unesco.

Cachoeira e praia abertas ao público
A partir de Peruíbe, a Cachoeira do Paraíso e uma praia da Barra do Una - nas bordas da Juréia - têm acesso permitido ao público. Na cachoeira, a visita é monitorada por guias do Instituto Florestal, que aguardam à entrada.
A Secretaria de Turismo e Cultura de Peruíbe (013-3455-8766) sugere que os visitantes contratem guias preparados por ela. Os guias são contratados nas agências de turismo locais.
Outra solução indicada é a contratação de ônibus ou vans, para passeios que incluem as duas áreas permitidas da juréia. Os passeios duram de seis a oito horas e custam de R$ 25 a R$ 35 por pessoa.
Turistas de um dia, que chegam em ônibus, esbarram em exigências. Uma lei municipal obriga que, para ficar na cidade, se hospedem em hotel e contratem guia.
No lado de Iguape, um trecho de praia de uso público pertence à estação - e é aberto ao turismo.

A mata intocada é uma constante na Juréia-Itatins. Onde passa carro, como a Estrada do Paraíso (foto pequena), as ramagens se tocam pelo alto. A Praia do Rio Verde é limpa e cheia de conchas. E o Rio Verde tem águas cristalinas e belos cenários. Nesse mundo vivem apenas alguns caiçaras, como Maurílio de Souza

JT, 28/11/2004, Especial, p. A4

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