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O mito fundador do Brasil

Folha de S. Paulo (São Paulo - SP)
Autor: CHAUI, Marilena
26 de Mar de 2000

Utilizando as figuras de Heródoto e Tucídides no contexto da Guerra do Peloponeso, Marilena Chaui inicia seu artigo comentando a história que, segundo ela, não nasce apenas sob o signo da memória, mas também sob o signo de uma dupla determinação, a da fortuna (a contingência que percorre todas as ações humanas) e a da necessidade (presença de causas que determinam o curso dos acontecimentos independentemente das vontades humanas). A partir disso, a autora faz uma relação entre história e profetismo, admitindo que a gênese do cristianismo produz um efeito inesperado na concepção da história. Chaui demonstra como um único ser - Deus - reúne a fortuna e a necessidade, porém também sinaliza que a história segue um plano e finalidade não determinados pela vontade humana.
Algumas noções de tempo são então atreladas a essas reflexões. O tempo bíblico não seria capaz de exprimir os ciclos das natureza e as ações dos homens, mas a vontade de Deus e a relação do homem com Deus. O vínculo responsável por unificar o judaísmo e o cristianismo seria justamente a concepção do tempo. A autora demonstra a diferença existente entre as duas visões rivais da história acerca do cristianismo, que são a ortodoxia e a milenarista. Para isso, a ênfase no tempo é dada em todo o momento. As análises de Chaui alcançam a vinda de Pedro Álvares ao que viria a ser o Brasil para assumir que, com isso, as profecias bíblicas de Daniel e Isaías comprovam a consumação da revelação e do tempo: nós somos a história consumada. Menos um conceito geográfico, a América, para os viajantes, evangelizadores e filósofos, foi uma construção imaginária e simbólica.
Marilena Chaui passa então a analisar o mito fundador do Brasil, comentando o mito em compasso com uma visão antropológica (solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos na realidade) e psicanalítica (impulso à repetição por impossibilidade de simbolização e, sobretudo, como bloqueio à passagem à realidade). A autora comenta como os diários de bordo e cartas dos navegantes e dos evangelizadores referem-se às novas terras destacando a formosura das praias, a grandeza e variedade de arvoredos e animais, a fertilidade do solo e a inocência das gentes. Por fim, Chaui aproxima a imagem de Deus construída pelo Ocidente à imagem do governante, ressaltando o papel decisivo do Estado nas duas narrativas.

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