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O meio ambiente está na moda

FSP, Especial, p. 3
Autor: KEPP, Michael
10 de Set de 2010

O meio ambiente está na moda
É refrescante ter alguém como Marina na eleição, mesmo que ela soe como um "samba de uma nota só"

Michael Kepp

Depois de assistir a vários comerciais da campanha de Marina Silva no horário gratuito, com imagens de geleiras derretendo, chaminés industriais lançando fumaça e desmatamento, imaginei que ela fosse candidata a presidente do planeta e que tivesse assistido vezes demais a "Uma Verdade Inconveniente", o documentário de Al Gore sobre o aquecimento global. Afinal, eu jamais tinha visto esse tipo de imagem sendo usada para conquistar votos, quer no Brasil, quer nos EUA.
Nem mesmo Gore, que promoveu o Protocolo de Kyoto quando foi vice-presidente dos EUA, mencionou o ambiente, nos três debates de sua campanha presidencial, em 2000.
Naquele ano, Ralph Nader, como Marina candidato do Partido Verde, estava tão atarefado pintando Gore e Bush como produtos idênticos de partidos dominados pelos interesses das grandes corporações que terminou por ignorar o ambiente.
Ou seja, agiu como o típico candidato norte-americano à Presidência. A estratégia da campanha de Bill Clinton em 1992 -"é a economia, idiota"- é a mais típica em épocas de crescimento patinando. E os candidatos republicanos a estão empregando em suas campanhas ao Congresso em 2010.
Mas, aqui, a candidatura de Marina forçou Dilma Rousseff, mais defensora do desenvolvimento que da preservação ambiental, a tratar de questões como a revisão do Código Florestal nos debates de TV, bem como denunciar as queimadas. Marina fez com que preocupações como a mudança no clima e poluição industrial parecessem relevantes, algo que nenhum candidato à Presidência foi capaz de fazer nos EUA, berço do ambientalismo.
É irônico, igualmente, que os Estados Unidos, maiores emissores mundiais de gases do efeito-estufa, não tenham até agora produzido um projeto de lei de controle de emissões, enquanto no Brasil uma lei sobre a mudança do clima entrou em vigor em 2009 -apesar de ser fraca, por ter metas voluntárias.
A ausência do meio ambiente como tema de campanha nos EUA também é irônica se levarmos em conta o entusiasmo ambiental dos norte-americanos, especialmente se comparado ao dos brasileiros.
Os parques nacionais dos EUA recebem 120 milhões de visitas ao ano, ante 4 milhões para os parques brasileiros. E os norte-americanos começaram a separar materiais recicláveis, em seu lixo, já há décadas, um hábito que apenas recentemente começou a pegar no Brasil.
No entanto, o Brasil também tem seus paradoxos ambientais. Trata-se do segundo maior produtor e o maior exportador mundial de etanol, um combustível renovável. Mas, caso eleita, Dilma investirá a maior parte dos fundos que o PAC 2 reserva à energia para extrair petróleo em águas profundas, num país já autossuficiente nesse combustível.
É refrescante que haja alguém como Marina, cuja posição quanto ao desenvolvimento é mais sustentável e orientada ao futuro do que as expressas por qualquer candidato brasileiro ou americano, tanto no passado quanto hoje -mesmo que essa posição faça com que ela soe como um "samba de uma nota só".

Michael Kepp, jornalista norte-americano radicado há 27 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro", (ed. Record); site: www.michaelkepp.com.br; e-mail: mkepp@terra.com.br
Tradução de Paulo Migliacci

FSP, 10/09/2010, Especial, p. 3

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1009201013.htm

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