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O meio ambiente como lixeira

O Globo, Rio, p. 16
26 de Mai de 2010

O meio ambiente como lixeira
Estudo revela que um terço dos detritos produzidos diariamente no estado é jogado em rios ou lixões

Tulio Brandão

O Estado do Rio ainda não perdeu o velho hábito de empurrar o lixo para debaixo do tapete. Um estudo realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) revela que 36% dos resíduos sólidos gerados pela população fluminense não têm destinação adequada - vão definitivamente para o fundo de lagoas, rios e baías ou são depositados em lixões clandestinos ou aterros controlados que funcionam em condições precárias. O volume é equivalente, por dia, a 7.189 toneladas, incluindo as 879 toneladas que sequer chegam a ser coletadas ou recolhidas de ruas, favelas e ecossitemas.

Os números só não são piores porque a entidade deu ao aterro de Gramacho o status de aterro sanitário, apesar dos passivos ambientais às margens da Baía de Guanabara. A alegação foi que o empreendimento possuía licença e vem recebendo intervenções na área, como o aproveitamento do gás metano e o controle de estabilidade do solo. Mas o próprio Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que emitiu a licença, informou que Gramacho não pode ser considerado um aterro sanitário. Isso porque a licença foi concedida apenas para a remediação e o encerramento do aterro.

O diretor executivo da Abrelpe, Carlos Roberto Vieira da Silva Filho, avalia que a tendência é de melhora para o Rio, mas o quadro atual - apenas um pouco melhor que o de estados mais pobres - está longe de ser satisfatório.

- O percentual de destinação inadequada de São Paulo, por exemplo, é de 24%. O Rio, sem incluir Gramacho na conta, que muitos não consideram um aterro sanitário, chega a 36%. Com Gramacho, o percentual se inverte: o estado chegaria a 76% de destinação inadequada dos resíduos. Mas a tendência, nos próximos anos, é de melhora - afirma.

O superintendente de Resíduos Sólidos da Secretaria estadual do Ambiente, Walter Plácido, reconhece que os números ainda estão abaixo do padrão esperado para o estado, mas afirma que, nos últimos dois anos, houve investimento maciço na área. Oito novos aterros, municipais ou privados, foram licenciados e já entraram em operação. Além disso, foi lançado o programa Lixão Zero, que usa recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam) e do Fundo Nacional de Saúde (Funasa) para construir aterros para consórcios de municípios do interior. Um deles, o de Teresópolis, já está pronto. Outros nove estão sendo licenciados ou construídos e não devem demorar para entrar em operação.

Ainda assim, admite Plácido, o lixo do estado não terá 100% de destinação adequada: - Pela primeira vez o Rio tem uma política de controle de resíduos, mas é um trabalho de médio prazo. Com os novos aterros prontos, faltarão apenas algumas áreas da Região Serrana e a Costa Verde.
Lixo de 1 mundo, destinação de 3
Apesar dos avanços, há novos problemas. Plácido lembra que o Ministério Público estadual determinou que a prefeitura de Búzios enviasse o seu lixo para o aterro sanitário de São Pedro da Aldeia e encerrasse o seu lixão. Repórteres do GLOBO constataram recentemente que, apesar das determinações, o lixão continuava operando normalmente em Búzios.

- Os municípios têm que apresentar projeto de remediação para fechar esses lixões clandestinos - insiste o superintendente.

Entre os outros estados do país, São Paulo, percentualmente, é o que mais destina adequadamente o lixo.

Mas, em números absolutos, Rio Grande do Sul e Santa Catarina são os estados em melhor situação.

- Em termos absolutos, os estados do Sul estão na frente. Eles conseguiriam resolver totalmente o problema da gestão de resíduos com dois aterros de médio porte - diz Plácido.

Fora do Brasil, há países com o mesmo índice de desenvolvimento, como a Turquia, que estão perto dos 100% de disposição adequada.

Em compensação, China e Índia tem índices inferiores aos do Brasil.

Além da disposição inadequada e da falta de coleta, o Estado do Rio sofre com o excesso de produção de lixo. A média fluminense - de 1,217 quilo por habitante por dia - é comparada à de países desenvolvidos, como Itália e Reino Unido.

- A questão é que eles têm a gestão dos resíduos absolutamente resolvida. E nós, que produzimos lixo como eles, temos problemas de países pobres.

O diretor da Abrelpe explicou por que a entidade considera os aterros controlados - lixões que passam a ser administrados segundo parâmetros de gestão de resíduos - locais inadequados para a disposição de lixo.

- Em muitos casos, o aterro controlado não contempla as medidas ambientais necessárias. Faltam impermeabilização, drenagem de líquidos e cobertura de gases. Quando muito, eles têm apenas uma cobertura de área e cerca.

A gestão do resíduo sólido surge cada vez mais como um problema ambiental prioritário para os estados.

Carlos Roberto explica que o lixo disposto inadequadamente é uma ameaça direta ao meio ambiente e à população, que fica exposta a doenças associadas à área contaminada. Ele propõe soluções para o estado:
- A solução nos países desenvolvidos, onde o percentual de destinação inadequada é próximo do zero, tem sido criar uma variedade de soluções de gestão de resíduos, e não ficar apenas no aterro sanitário. Um exemplo de tecnologia que pode complementar o processo são as usinas biodigestoras (que produzem energia a partir da queima do lixo, com a filtragem dos gases).

Não dá para depender exclusivamente de uma tecnologia.

Adriana Felipetto, superintendente da Haztec, empresa que administra o aterro sanitário de Nova Iguaçu, considerado modelo nacional em gestão resíduos, alerta para a necessidade de mudanças radicais.

- O resíduo tem que ser definitivamente encarado como um problema de saneamento a ser resolvido em curto espaço de tempo - diz ela, ressaltando a importância de algumas tecnologias de gestão do lixo que geram energia. - É fundamental ter perspectivas de desenvolvimento tecnológico para fontes alternativas de energia limpa e renovável, como, por exemplo, a utilização do biogás (queima do metano), ou mesmo da biomassa (queima de resíduos) para aproveitamento energético.

Problemas à vista para novos aterros
Projeto na Alerj proíbe instalações a menos de 8km de residências e rios

Os projetos de aterro sanitário espalhados pelo Estado do Rio podem esbarrar num obstáculo. O deputado Rodrigo Dantas (DEM) apresentou na sexta-feira passada, na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), um projeto de lei que proíbe, em qualquer hipótese, a instalação de aterros sanitários num raio de oito quilômetros de residências, hospitais, escolas e mananciais hídricos do estado. Na justificativa, o deputado explicou que esses empreendimentos trazem "consequências e efeitos negativos, mesmo que sejam administrados corretamente". O estado ainda não se pronunciou oficialmente sobre o projeto.

Se for aprovada, a proposta pode ser um problema para o Aterro de Seropédica, que substituirá o aterro controlado de Gramacho, que atualmente recebe todo o lixo do Rio. O contrato com a prefeitura do Rio já está assinado, e o empreendimento tem licença de instalação do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).

A tendência, segundo juristas, é que não haja problemas, mas há jurisprudência em que se admite o embargo mesmo de empreendimentos licenciados.

Segundo o presidente do Inea, Luiz Firmino, o consórcio responsável pelo projeto, formado por uma sociedade entre a Júlio Simões e a Haztec, cumpriu todas as exigências que tinham sido feitas na licença prévia.

O aterro gerou polêmica entre alguns setores porque está previsto para ser instalado na região do Aquífero Piranema, terceiro maior reservatório subterrâneo de água do estado. Segundo a Secretaria estadual do Ambiente, os dados preliminares indicaram que a área escolhida é de baixa vulnerabilidade ambiental.

No Morro do Bumba, lixão originou tragédia

Levantamento mostra que Estado do Rio tem hoje 98 depósitos irregulares
Além dos problemas ambientais e de saúde pública, lixões podem resultar em tragédias. No início de abril, durante as chuvas que castigaram o Estado do Rio, um deslizamento de terra provocou a morte de mais de 40 pessoas no Morro do Bumba, em Niterói.
Em meio ao drama de famílias inteiras soterradas, descobriu-se que as casas haviam sido erguidas sobre um lixão desativado.

Depois do desastre do Bumba, moradores do Morro do Céu, também em Niterói, chamaram a atenção para o fato de que a comunidade corria o mesmo risco. Muitas casas da região haviam sido construídas ao lado de montes de lixo, em áreas totalmente instáveis.

Um levantamento do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e da prefeitura do Rio mostrou que o Estado do Rio tem hoje pelo menos 98 lixões irregulares em operação e 12 inativos. Apenas na capital, a Secretaria municipal de Meio Ambiente identificou seis lixões clandestinos. Um fica no Recreio, dois na Cidade de Deus e um em Jacarepaguá, numa distância que varia de quatro a 12 quilômetros da futura Vila Olímpica, a ser construída na Avenida Salvador Allende. Os outros ficam em Gericinó e Acari. O Rio se comprometeu a erradicar todos os lixões até os jogos de 2016.

O Globo, 26/05/2010, Rio, p. 16

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