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O grande estado partido

Correio Braziliense-Brasília-DF
Autor: ÁVILA, Cristiana
04 de Mar de 2001

O maior estado brasileiro, o Amazonas, tem 1.577.820 quilômetros quadrados e quase não tem estradas. E nem infra-estrutura. A distância entre povoados não é medida por quilômetros, mas por semanas em viagens pelos rios. Entre Manaus, a capital, e Eirunepé, na divisa com o Acre, uma embarcação pode demorar até um mês para chegar. Por isso, para consultar o médico, muitos caboclos que vivem na floresta tropical batem na porta das prefeituras, pedindo dinheiro para pagar passagens nos monomotores que cruzam os céus da Amazônia. O povo vive isolado. Esse é o principal argumento para a divisão do estado em três novos territórios e o motivo de debates na região.
No desenho do novo mapa do Amazonas estão os territórios de Solimões, Juruá e Rio Negro, que somam juntos 22 dos 62 atuais municípios do estado. O maior território é Rio Negro, com 295 mil km². Mesmo assim, o estado do Amazonas mantém os 40 municípios restantes com área muito maior, 869 mil km². Mas a diferença gritante é mesmo a estatística populacional. O estado ficaria com 2,2 milhões de habitantes. Os três territórios, com pouco mais de 400 mil pessoas.
Montar esse mosaico será tarefa da União. A Constituição determina que os territórios federais tenham governadores nomeados pelo presidente da República e quatro deputados federais eleitos pela população. Podem também ter Assembléia Territorial, espécie de Câmara Municipal. Toda a infra-estrutura para funcionamento do poder público e para atendimento de serviços básicos à população é criada e mantida com dinheiro do governo federal.
Dá a impressão de que a União vai jogar dinheiro fora, mas a população precisa da presença próxima do estado. Com saneamento, educação, segurança e saúde. O povo vive em situação de penúria, justifica o senador Jefferson Péres (PDT-AM). O governo do Amazonas não pode fazer milagre para atender a todos, esse estado é grande demais. Péres teve projeto de substitutivo aprovado pelo Senado em outubro do ano passado. E assim o plebiscito foi autorizado.
Agora, falta a aprovação da Câmara dos Deputados. O assunto poderá entrar na pauta da próxima reunião de líderes. O substitutivo de Péres alterou o projeto apresentado pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR), que queria desmembrar 26 municípios amazonenses para formar o estado de Solimões. Péres alegou que o estado não teria autonomia financeira e, por isso, não poderia ter autonomia política. Os municípios são extremamente pobres, ficariam em um estado de mentirinha, dependente da União, salienta.

AUDIÊNCIAS PÚBLICAS
Mas o plebiscito será realizado no Amazonas só seis meses depois de autorizado pelo governo. Se a proposta for aprovada pelo povo, volta ao Congresso. A decisão será tomada depois de realizadas outras audiências públicas, calculados os gastos necessários, as vantagens e desvantagens da divisão territorial. E depois de ouvida a Assembléia Legislativa do Amazonas.
Desde o ano passado, porém, o Amazonas discute o seu destino. A Assembléia Legislativa já fez reuniões com deputados, prefeitos, vereadores eleitos e organizações da sociedade para debater o assunto. Nos próximos dias, será formada uma comissão de deputados que deve propor a realização de audiências públicas nos 22 municípios que podem ser transformados em territórios.
Os políticos já definiram posições. Para o deputado estadual Eron Bezerra, do PCdoB, a mudança complica a vida do povo. Ele acena com os números da economia regional, como argumento forte contra a proposta. As três regiões que se pretende transformar em territórios responderam por apenas 0,07% do ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias) arrecadado no ano passado no estado. Apenas R$ 1 milhão, de R$ 1,4 bilhão do total arrecadado no Amazonas. Eron Bezerra afirma que principalmente a população do interior vai perder. Os municípios que formam os territórios contribuíram com cerca de R$ 1 milhão em arrecadação tributária, mas receberam como retorno obrigatório pago pelo estado R$ 27 milhões. Se fossem territórios, teriam que dividir apenas R$ 1 milhão, e não R$ 27 milhões entre eles, alega.
No interior, administrações municipais torcem pela divisão. Queremos ser capital, anuncia o secretário de Finanças de Eirunepé, José Edson Vale. Estamos a 1,2 mil quilômetros em linha reta de Manaus, três horas e meia de vôo. Somos uma região rica em madeira e minérios, mas não temos recursos para explorá-los. Os territórios vão trazer investimentos da União, prevê ele. Com uma população de aproximadamente 28 mil pessoas, Eirunepé vive de R$ 500 mil do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que a Câmara e a folha de pagamento absorvem cerca de 60%. E com os R$ 180 mil repassados pelo governo federal e estadual para pagamento de professores. O povo está entusiasmado com os territórios. Se não está, os políticos fazem a cabeça dele, brinca José Edson.
Tocantins não serve de modelo

Se políticos pensam em apontar Tocantins como exemplo de sucesso para justificar a criação de territórios, podem esquecer o apoio do governador desse estado. José Wilson Siqueira Campos — que chegou a fazer greve de fome para conseguir desmembrá-lo de Goiás, em 1988 — não acredita no desenvolvimento de territórios. Dividir estados, com ônus para a União, não dá certo, diz Siqueira Campos. Para ele, a segurança dada pelos repasses de dinheiro da União gera vícios. A União supre tudo, não é necessário bom desempenho, enfatiza o governador.
Siqueira Campos reclama que antigos territórios recebem, até hoje, cerca de R$ 16 milhões mensais para pagamento de funcionários públicos. Nós nunca recebemos nada disso. Ele explica que quando Tocantins foi criado, sua economia representava 3% do total no estado de Goiás. Hoje, 12 anos depois, se as duas economias fossem novamente reunidas, Tocantins representaria 40% da geração de riquezas. Vivemos apenas do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e de nossa arrecadação própria, afirma.
Siqueira Campos, no entanto, é favorável à divisão de estados grandes em estados menores. É uma forma de libertar as regiões do isolamento e distribuir melhor a população. O futuro do país depende de uma nova política demográfica, aposta. (CA)
Debate em terra de índio

Os debates públicos sobre as mudanças propostas para o estado do Amazonas não estão acontecendo apenas nas universidades e nos palanques políticos. Os índios estão atentos. Suas terras representam mais da metade do território do Rio Negro. Eles são mais de 35 mil pessoas, dos 63.963 habitantes dos três municípios que formam o mapa do pretenso território federal.
Ninguém vai engolir isso de graça, afirma o presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Orlando José de Oliveira. A Foirn tem sede em São Grabriel da Cachoeira — representa 22 etnias, 750 comunidades que se espalham pelas calhas dos rios Negro, Içana, Waupés, Xié e afluentes — e já realizou dezenas de reuniões para discutir esse assunto nas aldeias e na Câmara de Vereadores, onde tem seis índios eleitos. Podemos até concordar, mas se a criação destes territórios não tiver nossa participação, vamos reagir, avisa.

INVASÕES
Reagir significa mobilizar o movimento indígena, que tem quase 300 organizações no país. E não é sem motivo. Orlando Oliveira afirma que a criação dos territórios vai atrair gente para a região. Os governadores nomeados vão trazer a cúpula deles. E vão atrair invasões a nossas terras, que são muito ricas em madeira e minérios. E até em peixes ornamentais, que são hoje pirateados para o exterior. A discussão sobre os territórios já está amadurecida nas aldeias, diz o presidente da Foirn.
Os índios até concordam com a possibilidade de criação de um território federal. Desde que fosse um território federal indígena, previsto no Estatuto do Índio. Essa discussão já existe em países como o México, Nicarágua, Guatemala, Venezuela. No Brasil, nem começou. Aqui, os índios ainda estão lutando para que as suas terras sejam garantidas. Não tiveram tempo para avançar no debate, afirma o secretário geral do Conselho Indigenista Missionário, Egon Heck, que há 30 anos trabalha com a questão indígena, a maior parte na Amazônia.

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