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O falso dilema

O Globo, jun. 2010, Planeta Terra, p. 3
Autor: MOUTINHO, Paulo
30 de Jun de 2010

O falso dilema

Paulo Moutinho

Apesar de o mundo estar em transformação ambiental, a ideia de que proteger o meio ambiente representa um entrave ao crescimento econômico ainda habita as mentes de nossos (novos e antigos) governantes e de boa parte do setor produtivo. Os ataques recentes ao Código Florestal por aqueles que desejam "produzir", mas se dizem impossibilitados pela legislação ambiental, é a prova cabal de tal fato. Licença ambiental tem sido sinônimo de atraso econômico. Uma verdadeira barreira ao progresso e não um mecanismo que cria salvaguardas contra desastres futuros. O Morro do Bumba, em Niterói, que o diga.

Se for pelo "progresso" do país, tudo bem. Justifica-se, assim, um desmatamento aqui, uma usina ali, uma estrada acolá, tudo empacotado em programas de investimentos que nunca incorporam os custos socioambientais das ações planejadas. Basta nos lembrarmos dos inúmeros programas das últimas décadas: Plano Operação Amazônia (1965 1969), Polamazônia (1974 1979), Brasil em Ação (1995 1999), Avança Brasil (2000 2003), Brasil de Todos (2004 2007) e agora nosso estimado PAC. Todos apenas uma lista de obras a serem executadas. A ordem de ontem é a mesma de hoje: não arriscar o crescimento da economia. Custe o que custar. Seguimos confundindo desenvolvimento com crescimento econômico.

Neste contexto, é difícil acreditar que a meta de redução das emissões de gases de efeito estufa pelo país contida na Política Nacional de Mudança Climática, aprovada no final do ano passado pelo Congresso, será cumprida. A redução prometida foi de 36% a 39% até 2020.

O receio do governo e de parte do setor privado é de que tal meta implicará uma potencial diminuição no crescimento do PIB. Novamente, a falsa noção de que não será possível crescer economicamente a não ser através do atual modelo carbono (fóssil) intensivo, apesar da degradação climática que causa, está presente.
Assume-se que, para crescer, muito óleo terá que ser ainda queimado.

Mas este dilema entre crescer economicamente ou preservar o meio ambiente é totalmente falso. Será preciso entender - e é bom que os atuais candidatos a presidente da República entendam - que sob uma nova ordem climática mundial o crescimento econômico do futuro se dará somente naqueles países que tomarem, hoje, as decisões certas rumo a uma economia de baixo carbono. A conservação de florestas (grandes armazéns de carbono), o desenvolvimento tecnológico de energias limpas e renováveis e a busca de um destino mais nobre ao petróleo são boas pistas de como seguir neste caminho.

A conservação das florestas brasileiras combinada com a redução de emissões de outros setores (transporte e energia) poderá representar um tipo de poupança ou investimento de longo prazo, pois o mundo, especialmente o rico, pagará àqueles países que tiverem serviços ambientais para vender. O Brasil tem tudo para ser, assim, uma potência ambiental.

Será necessário enxergar que o custo de uma ação de conservação do meio ambiente hoje será muito menor do que os prejuízos econômicos no futuro, se continuarmos na mesma lógica de desenvolvimento que demanda a queima de petróleo e a derrubada de florestas.

Basta dizer que a conservação da Floresta Amazônica, por exemplo, evitará trilhões de dólares em prejuízos para o Brasil e para o mundo como um todo. Além de ser um estoque de carbono que, se liberado para atmosfera através do desmatamento agravará a mudança do clima, ela regula boa parte das chuvas que abastece o agronegócio do país.

O falso dilema cairá por terra se considerarmos que uma parte significativa do crescimento futuro do PIB do Brasil poderá ser resultante da economia de baixo carbono que implementarmos hoje. O país poderá ingressar num mercado global onde reduzir o desmatamento e conservar florestas, além de se investir em energia renovável, poderá representar um passo importante rumo a uma economia forte e com crescimento relevante do PIB. E um PIB, certamente, ambientalmente mais limpo do que o atual.

Paulo Moutinho é diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)

O Globo, jun. 2010, Planeta Terra, p. 3

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