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O dilema das vacinas transgenicas

OESP, Vida, p.A20
30 de Nov de 2005

O dilema das vacinas transgênicas
Fernando Reinach
Imagine que você seja responsável por aprovar uma nova vacina para uma doença que esteja matando milhares de pessoas. Os dados indicam que a vacina é segura, mas se ela for testada por mais um ano você terá certeza de que é segura. Você aprova agora, salva milhares de vidas, e corre o risco de aparecerem efeitos colaterais; ou você pede mais estudos, se certifica da segurança da vacina e deixa milhares de pessoas morrerem?
O mundo está se preparando para combater uma possível pandemia de gripe aviária. Quando ela aparecer, o número de vítimas será determinado pela rapidez com que for desenvolvida, testada e aprovada uma nova vacina. Hoje isto pode ser feito rapidamente porque somos capazes de desenvolver vírus atenuados utilizando a biotecnologia. Os vírus atenuados são produzidos combinando "pedaços" de DNA de diversos vírus. O resultado é um vírus transgênico. A partir desse vírus as vacinas são produzidas.
A Organização Mundial da Saúde publicou um documento orientando os países sobre como lidar com os vírus transgênicos. O documento recomenda que as autoridades de cada país fiscalizem a biossegurança e a eficácia dessas vacinas. No Brasil, por lei, os órgãos responsáveis são a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A CTNBio deve avaliar os riscos da importação do vírus transgênico, garantir a biossegurança das instalações em que a vacina será produzida e avaliar se não existe risco ambiental caso o vírus escape e se espalhe pelo meio ambiente. Como as vacinas são produzidas por institutos de pesquisa e são vendidas ao Ministério da Saúde, cabe à CTNBio aprovar sua comercialização. Como isso envolve um vírus potencialmente letal, que está sendo trazido ao País antes da chegada da epidemia, a responsabilidade é grande. À Anvisa cabe atestar a segurança e a eficácia da vacina e aprovar seu uso em seres humanos.
Na semana passada, a Presidência da República regulamentou a Lei de Biossegurança, aprovada pelo Congresso há mais de seis meses. A CTNBio, paralisada por mais de cinco anos, pode funcionar assim que seus 27 membros forem indicados.
Durante a elaboração e a regulamentação da lei, grupos contrários à biotecnologia conseguiram tornar o processo de aprovação de qualquer produto biotecnológico difícil, burocrático e demorado. Com a desculpa de aumentar a segurança do processo, prejudicaram a agilidade da CTNBio. Agora é lei. Só nos resta torcer para que a CTNBio seja montada rapidamente e avalie rapidamente cada etapa do processo. Se isso não ocorrer só existem duas possibilidades: ou ficamos sem vacinas ou teremos vacinas ilegais.
Durante três anos dezenas de cientistas foram a Brasília defender a necessidade de reduzir ao mínimo a influência política na CTNBio. Insistiram na necessidade de balancear as necessidades de rapidez e segurança, tentaram convencer o governo a preservar o caráter técnico da comissão. Perderam.
O que ninguém esperava é que a efetividade desse mecanismo de regulação fosse posto à prova tão cedo. Mais informações em WHO guidance on development of influenza vaccine reference viruses by reverse genetics, Department of Communicable Disease Surveillance and Response, Global Influenza Programme, World Health Organization, 2005.
Fernando Reinach é biólogo

OESP, 30/11/2005, p. A20

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