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O debate comecou no ano passado mas falta execucao

GM, Nacional, p.A9
29 de Mar de 2004

O debate começou no ano passado mas falta execução
Em 2003, pela primeira vez na história, as comunidades indígenas foram chamadas pelo governo federal para discutir e propor políticas de segurança alimentar de suas comunidades. Ao longo do ano foram realizadas 16 oficinas, com a participação de 175 etnias. A ação culminou com Fórum Nacional sobre o tema, em novembro passado, e na abertura da Mesa de Diálogo Permanente com os Povos Indígenas, formada por dez ministérios e sete organizações indígenas. A segunda reunião será em abril e irá marcar uma nova fase deste processo inédito. Os índios querem que as deliberações comecem a sair do papel.
A fome é um dos problemas mais graves enfrentados pelos povos indígenas. De acordo com o II Mapa da Fome Indígena, elaborado em 1995 pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com outras organizações, 34,25% dos índios têm dificuldades para garantir um bom padrão alimentar. O índice é alto, se levado em conta que a população é de 410 mil pessoas, pertencentes a 220 povos segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Uma nova edição do Mapa começa a ser feita este ano e a expectativa é de que não deverá apresentar alteração no atual quadro. "Pelo menos não para melhor", disse Ricardo Verdum, assessor de Políticas Indígena e Ambiental do Inesc. Números mais recentes reforçam esta tese. Dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), de 2002, apontam que 30% da população indígena menor de cinco anos está desnutrida e que a taxa de mortalidade infantil é de 57,2%. Entre os não-índios estes índices são de 16,3% e de 29,6%, respectivamente, com base no ano de 1996.
A insegurança alimentar atinge, principalmente, as comunidades do Nordeste, Centro-Oeste e Sul do País, onde as terras são insuficientes e, na sua maioria, estão invadidas por não-índios ou pressionadas pelo aumento da fronteira agrícola. "É por isso que não dá para falar sobre segurança alimentar sem abordar a demarcação de terras", disse Azelene Kaingang, presidente do Warã Instituto Indígena Brasileiro. Ela acusa a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ter recuado na questão fundiária. O presidente da Funai, Mércio Pereira Gome, afirmou que não houve recuo e promete boas novas, que serão anunciadas no Dia do Índio, 19 de abril.
Segundo o Inesc, a questão fundiária é, de fato, uma das causas da insegurança alimentar nas aldeias. Mas não é a única. Ela vem acompanhada, por exemplo, da mudança nos hábitos alimentares, com o aumento do consumo de produtos industrializados e perda da importância relativa da dieta tradicional. Outro fator relevante é a diminuição da diversidade genética nas roças, do sedentarismo das aldeias, da escassez temporária de alimentos e da degradação das condições ambientais e sanitárias. A lista é longa.
Os povos indígenas, em especial as organizações que participaram da II Conferência Nacional de segurança Alimentar e Nutricional, este mês, em Olinda (PE), incluem ainda entre as piores causas da fome a falta de políticas públicas específicas para a produção alimentar. Sem falar na a ausência de uma linha de financiamento específica para eles na área da produção, além da burocracia para acessar os programas oficiais de transferência de renda e a imposição da monocultura, ameaçando a soberania alimentar.
Com o intuito de dar início a uma mudança neste quadro de forma mais rápida, as comunidades solicitaram ao ministro de Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, nova forma de cadastramento para receber benefícios sociais, hoje feito pelas municípios. "Em geral, as prefeituras não gostam de lidar com os índios por conta dos conflitos locais com o poder econômico e político na luta pelas terras", disse Azelene.

GM, 29/03/2004, p. A9

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