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O colapso do Ártico

O Globo, Sociedade, p. 36
26 de Nov de 2016

O colapso do Ártico

Cesar Baima

RIO - Nenhum outro lugar do mundo está sendo tão afetado pelo aquecimento global quanto o Ártico, mas desta vez a situação surpreende até os mais pessimistas dos especialistas. De acordo com monitoramento do Instituto Meteorológico da Dinamarca, este mês as temperaturas na região ficaram até 20 graus Celsius acima da média registrada entre 1958 e 2002. E isto justamente na época do ano em que elas deviam desabar à medida que se aproxima o inverno e o Polo Norte mergulha na escuridão, em que o Sol não chega nem a nascer no horizonte durante meses.
E este forte aquecimento do Ártico já provocou ou pode levar a mudanças radicais no delicado ambiente da região, com consequências planetárias. O alerta foi dado nesta sexta-feira por um extenso relatório publicado pelo Instituto Ambiental de Estocolmo, Suécia, que identificou 19 destas alterações, classificadas como "pontos de inflexão", que após ultrapassados serão praticamente irreversíveis, desencadeando efetivas "mudanças de regime" no ambiente ártico.
São fenômenos como o derretimento completo do gelo marinho durante o verão setentrional, o recuo das geleiras na Groenlândia, a migração de animais e vários tipos de vegetação como a tundra, as estepes e florestas boreais cada vez mais para o Norte, a erosão de regiões costeiras, o colapso de áreas de pesca e o derretimento do solo antes permanentemente congelado (permafrost), com a consequente liberação de metano, um pontente gás do efeito estufa, nele preso que vão afetar ou já atingem não só ecossistemas inteiros no Polo Norte como as populações locais que dependem de seus serviços, e que têm o potencial de retroalimentar uns aos outros, acelerando ainda mais sua ocorrência.
- Se múltiplas destas mudanças de regime reforçarem umas as outras, os resultados podem ser potencialmente catastróficos - resume Johan Rockström, diretor do Centro de Resiliência de Estocolmo e um dos líderes do projeto. - A variedade de efeitos que podemos observar significa que as populações do Ártico e as políticas (para a região) devem estar preparadas para surpresas. Também esperamos que algumas destas mudanças desestabilizem o clima regional e global, com impactos potencialmente grandes.
E, de fato, alguns destes fenômenos estão intimamente ligados. O exemplo mais claro disto é o avanço da vegetação, que ao substituir a neve e gelo, cuja brancura reflete mais a radiação solar que incide na região, acaba por contribuir para que ela fique mais quente, o que, por sua vez, abre ainda mais espaço para as próprias plantas. Por uma razão parecida, outro fator que torna o Ártico extremamente sensível ao aquecimento global é a perda da cobertura do gelo marinho, destaca Jefferson Cardia Simões, diretor científico do Centro Polar e Climático do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
- O Ártico na verdade é um oceano, coberto por uma fina camada de gelo que raramente passa dos três metros de espessura - lembra Simões. - Mas ano a ano estamos observando uma redução da área coberta por este gelo, assim como de sua espessura. Isso é como se a gente tirasse uma espécie de cobertor deste oceano, que começa então a receber e absorver mais radiação solar. E este oceano, por sua vez, começa a liberar mais desta radiação na forma de calor, aquecendo a atmosfera acima dele e impedindo a formação do gelo.
Assim, conta Simões, embora os modelos climáticos inicialmente indicassem que o Ártico só passaria a experimentar verões livres da cobertura de gelo "lá para a década de 2050", os cientistas agora estão revendo estas previsões, com a expectativa de que isso passe a acontecer já a partir dos aos 2030.
- Estamos vendo uma rápida transformação do ambiente ártico, muito mais rápida que em outras regiões do planeta, porque muitos destes processos se retroalimentam - conclui.
Produzido ao longo de cinco anos com a participação de cientistas de diversas instituições de pesquisa por encomenda do Conselho do Ártico - grupo que reúne os países cujo território se estende até a região: Canadá, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia, Suécia e EUA -, o Relatório de Resiliência do Ártico analisa evidências de mais de duas dúzias de estudos de caso realizados dentro do círculo polar unindo de forma inédita perspectivas ecológicas e sociais das mudanças trazidas pelo aquecimento global. Assim, além dos muitos alertas, ele traz possíveis caminhos para aumentar a resiliência tanto do ambiente quanto das populações do Ártico às mudanças climáticas.
- Vemos um amplo espectro de atividades em curso no Ártico que contribuem para construir esta resiliência - aponta Marcus Carson, pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo e um dos editores do relatório. - Isto significa que não precisamos começar do zero. Podemos preencher as lacunas onde elas existem, replicar esforços locais que estão se provando eficazes e aumentar sua escala.

O Globo, 26/11/2016, Sociedade, p. 36

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/temperatura-do-artic…

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