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O Código Florestal não pode mais esperar

Valor Econômico, Opinião, p. A14
Autor: GUIMARÃES, André; CORNACCHIONI, Luiz; HARTUNG, Paulo
21 de Mai de 2019

Código pode ser aliado no combate à ilegalidade.

Por André Guimarães, Luiz Cornacchioni e Paulo Hartung

Harmonizar a força produtiva vinda do campo e a proteção de matas e vegetações naturais é fundamental para o futuro do Brasil. O agronegócio trabalha para levar itens essenciais a todo o mundo, mas deve caminhar ao lado da conservação da natureza, base da nossa sobrevivência. Isto, no entanto, só é possível quando há uma legislação clara e implementada sobre o assunto. E neste enredo, o Código Florestal Brasileiro e sua implementação têm papel fundamental.
Criado em 1934, o Código Florestal já passou por diversas alterações. Ninguém é contrário a discussões que visem aprimorar um mecanismo, ainda mais com tal importância. O novo Código Florestal (lei 12651/2012), aprovado pelo Congresso Nacional em 2012, por exemplo, é fruto de cinco anos de debates, que colocaram na mesma mesa de discussão setor privado, academia e ambientalistas. Talvez esta tenha sido uma das maiores conversas em torno de uma lei já conduzida no Congresso, desde a Constituição. Mas, mesmo resultando em uma legislação embasada e consistente, sua plena implementação ainda não deslanchou.
Ainda que o Código Florestal tenha sido aprovado há quase sete anos, sofremos com a insegurança jurídica de sua implementação. As sucessivas prorrogações do Cadastro Ambiental Rural (CAR), por exemplo, adiaram em quatro anos a próxima etapa da lei: a validação dos cadastros e elaboração dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs).
Atualmente, propostas que tramitam no Congresso com o objetivo de alterar dispositivos do Código têm retardado sua implementação. Um exemplo é o projeto de lei que propõe revogar a Reserva Legal (PL 2362 de 2019), percentual das propriedades privadas que deve ser preservado, segundo o Código. Outro é a Medida Provisória (MP) 867, que pode entrar em pauta na Câmara nos próximos dias. Essa MP trata originalmente apenas da extensão de prazo do PRA (Programa de Regularização Ambiental), previsto pelo Código. No entanto, diversas emendas desconectadas dessa proposta original foram incluídas na MP, que podem comprometer pontos estruturais do Código Florestal.
Medidas como essas prejudicam não apenas o meio ambiente, mas o próprio agronegócio, que depende das florestas para manter fatores como clima, umidade e diversos serviços ambientais que são vitais para a produção de alimentos. O aumento do desmatamento, que pode ser gerado por propostas como essa, tem ainda o potencial de prejudicar economicamente o setor, que gerou mais de US$ 100 bilhões em exportações em 2018 e representa um dos pilares econômicos do país. Danos reputacionais podem comprometer a atração de investimentos e a inserção comercial do Brasil e seus produtos agropecuários nos mercados nacional e internacional.
Mesmo diante deste cenário, nestes sete anos, mais de quatro milhões de proprietários rurais se cadastraram voluntariamente no CAR, uma mobilização inédita no mundo. Isto demonstra que há vontade do setor produtivo em contribuir e solucionar passivos ambientais. No entanto, para que o tema avance, de fato, é necessário fazer valer a lei por completo, fortalecendo todos os elos da cadeia: ambiental, produtivo e econômico.
Entre os mais de 190 membros da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne representantes do agronegócio, do setor florestal, do setor financeiro, das entidades de defesa do meio ambiente e da academia, há um claro consenso: a implementação do Código Florestal, em sua atual configuração, é o primeiro passo para fortalecer a produção agropecuária e, ao mesmo tempo, a conservação ambiental no país. Esse momento chegou e não pode mais ser adiado.
No combate à ilegalidade, principal fator do desmatamento da Amazônia hoje, o Código, no atual modelo, pode ser um potencial aliado, uma vez que a concorrência com infratores é desleal para o agronegócio sério e comprometido com a sustentabilidade. Além de ajudar a separar o agro que cumpre a lei daqueles que atuam na ilegalidade, o Código também deixou a semente de uma enorme oportunidade para o país: a valorização econômica da floresta, que pode se concretizar por meio de uma política de pagamentos por serviços ambientais, reconhecendo produtores que preservam além do mínimo exigido pela legislação.
No entanto, esses benefícios, somente serão concretizados se governo e Congresso centrarem seus esforços na implementação do Código Florestal. O poder público precisa estar ciente dessa urgência e evitar que uma onda de novos projetos de lei e medidas provisórias se torne o centro de atenção dessa agenda, em detrimento da implementação.
O CAR tem que ser agilizado e validado; precisamos avançar na regularização dos PRAs; trabalhar para regulamentar e criar demanda para as Cotas de Reserva Ambiental (CRA); assim como não esquecer de regulamentar o artigo 41 do Código, que versa sobre incentivos econômicos para proteção de matas nativas e incremento de estoques florestais de múltiplos usos. Este último ponto engloba pagamentos por serviços ambientais e o mercado de carbono, que irão beneficiar, inclusive, os produtores rurais.
O Brasil tem tudo para ser referência nessas áreas, mas, para isso, o Código Florestal não pode mais esperar. Não podemos perder tempo e energia em tentativas legislativas de alterar pontos que já foram aprovados e já estão em andamento. Não podemos dar mais espaço a retrocessos. Precisamos colocar um fim nesta série de alterações que impedem avanços maiores e acabar com a insegurança jurídica. Precisamos que o Código seja implementado pelo bem do Brasil. E precisamos disto já.
Uma legislação robusta e sólida fortalece a imagem do setor agropecuário, contribui para a conquista de novos mercados e, ao mesmo tempo, ajuda a cuidar de nossas matas e vegetações. Ganha o setor. Ganha o meio ambiente. Ganha a sociedade. Ganha o Brasil.
Não se pode perder tempo e energia em tentativas legislativas de alterar pontos que já foram aprovados.

André Guimarães é cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) Luiz Cornacchioni é cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) Paulo Hartung, economista, presidente-executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), ex-governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018) e membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Valor Econômico, 21/05/2019, Opinião, p. A14

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