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O clima, a economia, o futuro da Amazônia

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
10 de Nov de 2006

O clima, a economia, o futuro da Amazônia

Washington Novaes

É sob o impacto da divulgação do relatório do ex-economista-chefe do Banco Mundial sir Nicholas Stern sobre os impactos econômicos das mudanças climáticas que se realizam, em Nairóbi, reuniões dos países que participam da respectiva convenção e do Protocolo de Kyoto. O relatório de Stern, apoiado pelo governo britânico, prevê uma megarrecessão econômica que poderá significar perda de até 20% do produto bruto anual do mundo (mais de US$ 6 trilhões anuais) se não forem adotadas providências severas e urgentes para enfrentar as mudanças já em curso. E isso pode exigir, segundo ele, até 1% do PIB mundial.

Uma das áreas que o relatório considera decisivas para o enfrentamento é a floresta amazônica, onde, só do ano 2000 para cá, foram desmatados mais de 120 mil quilômetros quadrados. Nos quatro anos do atual mandato presidencial - incluída a última estimativa de 13,1 mil km2 para 2005/2006 - foram mais de 80 mil km2 (mais que em qualquer outro quatriênio). Ao longo de décadas, já são mais de 600 mil km2 desmatados. Não surpreende, assim, que quase 75% das emissões brasileiras de gases que contribuem para mudanças climáticas sejam por mudanças no uso do solo, queimadas e desmatamentos, principalmente na Amazônia - cerca de 750 milhões de toneladas anuais já em 1994 (no mundo, o desmatamento responde por 18% das emissões totais).

Por essas e outras, a proposta levada pela delegação brasileira a Nairóbi é de criar um fundo para o qual contribuam países industrializados e que beneficie nações que, num 'sistema voluntário, sem compromisso', consigam reduzir o desmatamento. Pelo sistema proposto, se o país conseguir baixar o índice de desmatamento, recebe do fundo proporcionalmente à sua participação; se aumentar o desmatamento, nada recebe e terá de descontar nos anos seguintes a elevação. Fica a pergunta: se não houver compromisso de redução por parte dos países receptores de fundos, como se fará para garantir aos países doadores alguma vantagem direta ao longo do tempo?

A fórmula brasileira, ao que parece, pretende contornar o veto militar e diplomático às propostas de receber pagamento por conservação de floresta, sob o argumento de que a restrição ao uso de recursos e serviços naturais aí implícito significaria 'restrição à soberania nacional'. Não havendo compromisso de reduzir o desmatamento, não haveria restrição.

O tempo dirá se pode dar certo. As interrogações são muitas e começam pela crônica dificuldade do poder público de impedir o desmatamento ilegal na Amazônia e em outras áreas. Em artigo recente nesta página (17/10), o secretário paulista de Meio Ambiente, professor José Goldemberg, lembrou que nas áreas de conservação temos um fiscal para cada 100 mil hectares, ou 27 vezes menos que a média mundial - que dirá fora dessas áreas. Estudo recente do pesquisador Leandro Ferreira, do Museu Goeldi, mostrou que as áreas de proteção ambiental da Amazônia têm uma taxa de desmatamento (20%) muito mais alta que a das áreas indígenas (1,2%) ou das Unidades de Proteção Integral (1%). É provável que a taxa aumente, dadas a dificuldade do poder público até para identificar as terras da União (47% do total) e a recente decisão de transferir para os Estados a responsabilidade por autorizações para desmatamento e fiscalização - mesmo sabendo que em praticamente todos eles os instrumentos são ainda mais frágeis que os do Ibama e que nos Estados as ingerências políticas são ainda mais fortes.

Continua o governo federal apostando forte em sua Lei de Gestão de Florestas Públicas, que lhe permitirá conceder numa primeira etapa até 13 mil km2 a empresas privadas para retirar madeira em projetos de 'manejo sustentável', mesmo conhecendo os relatórios internacionais que dizem serem fraquíssimos - quando há - os resultados dessa fórmula (já comentados aqui em artigos anteriores e também pelo professor Goldemberg). Enquanto isso, continuam à espera de discussão questões levantadas por vários cientistas, como a impossibilidade prática de 'manejo sustentável' numa floresta onde coexistem em cada hectare espécimes que atingem a maturidade aos 50 anos, ao lado de outros que precisam de 1.200 anos - como garantir a sustentabilidade sem conhecer precisamente cada hectare? Ou o problema de implantar na área um processo de evolução às avessas, já que de cada lote se retiram os melhores espécimes. Ou não se saber o que acontecerá com o restante da biodiversidade na área, já que todas as espécies estão relacionadas entre elas. Ou, ainda, o argumento de que o desmatamento ilegal prosseguirá, porque custa três vezes menos derrubar ilegalmente um hectare de terra pública (sem que a fiscalização chegue) do que trabalhar dentro da lei. Ou a evidência de que não há nenhum país que tenha entrado pelo caminho de conceder florestas públicas para 'manejo sustentável' que não tenha ficado sem as florestas.

Enquanto isso, continuam esquecidas propostas como a da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) - desmatamento zero e forte investimento em ciência para conhecimento e utilização da biodiversidade -, na mesma linha da tese da professora Bertha Becker, de uma 'revolução científica' capaz de implantar formatos que beneficiem a imensa maioria dos 20 milhões de habitantes da Amazônia - como as 'cadeias tecnoprodutivas fundadas na biodiversidade' - , e não apenas uma minoria, como até aqui. Ou a proposta do professor Aziz Ab'Saber, de zoneamento ecológico-econômico prévio a qualquer política.

Preferimos seguir no velho caminho de megaprojetos que acentuam o velho modelo exportador de produtos primários ou subsidiados.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 10/11/2006, Espaço Aberto, p. A2

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