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O boom das sacolas de lona

FSP, Revista da Folha, p. 4
Autor: D ÁVILA, Sérgio
26 de Ago de 2007

O boom das sacolas de lona

por Sérgio Dávila

É impossível passar incólume pela onda verde que toma os EUA, pelo menos os grandes centros urbanos dos EUA. Evitá-la é tão difícil quanto ter morado na San Francisco de 1967 e não ter visto nenhum hippie. Está em todo o lugar. Mesmo. Em Washington, o mictório do cinema (da sugestiva marca Toto) grita que a cada torneirada você gasta apenas 3,8 litros de água, não mais.

Na fila do Whole Foods, supermercado que é "bem" freqüentar porque só vende produtos orgânicos, a menina o insta a tomar uma decisão que pode afetar a vida de milhares: "Paper or plastic?" (saco de papel ou de plástico para levar suas compras?). "Paper", é claro, mas pense em quantas ONGs e "povos da floresta" você movimenta com essa ação, ainda mais que sua intenção era apenas comprar ovos.

(Ainda no assunto Whole Foods, os mais "green savvy", "descolados ambientais", numa tradução livre, levam sua própria sacola de casa, de lona, material ecológico e que não agride o ambiente, pois você usa quantas vezes quiser. Devo confessar que já estou nessa fase, que nos anos 60 equivaleria, para voltar à analogia de San Francisco, a ter saído de casa e ido viver numa comunidade esotérica.)

Os jornais trazem anúncios de página inteira dizendo que se eu e todo o mundo usarmos a nova máquina de lavar roupa Bosch, em vez das concorrentes, salvaremos 3,4 milhões de acres de árvores. Outro encarte me dá dicas de como ser mais verde no dia-a-dia. Feito em papel reciclado, diz:

"1. Faça novos amigos e divida o carro a caminho do trabalho; 2. Não peça recibo, para economizar papel (mas não era para pedir até outro dia, para evitar sonegação?); 3. Não use a opção 'água quente' para lavar roupa -se todos os americanos fizessem isso, economizaríamos 100 mil barris de petróleo por dia." Quem distribui é a GM, maior fabricante de automóveis do planeta.

Tudo isso para dizer que tem onda nova no pedaço. Quem me manda a dica é uma amiga. Chama-se Freecycle (trocadilho em inglês com "free", gratuito, e "recycle", reciclar). É tão simples e impossível de ser atingido que parece o esquema da pirâmide dos anos 80. Em vez de comprar coisas novas e jogar coisas velhas fora, você cria grupos que fazem trocas. Eu quero uma televisão maior e não preciso mais do sofá-cama, fulano quer o sofá e não precisa da TV etc. "Ganha o meio ambiente", é o lema.

Há apenas algumas regras (não há movimento norte-americano sem regras; imagino que, mesmo nas tais comunidades ripongas dos anos 60, havia um código mínimo de conduta, do tipo "não faça chá com o cogumelo alheio"): que seja de graça, não vá contra nenhuma lei e seja apropriado para todas as idades -resumindo, nada de tentar passar para a frente sua coleção de tequilas com verme dentro.

Mas desconfio que haja mais ganhadores que apenas o meio ambiente. Outro amigo me manda um artigo sobre os chamados "ecomilionários". São pessoas que ficaram ricas com a nova onda verde. Um é fundador de uma empresa de painéis solares, que já faturou US$ 5 milhões e tem mais US$ 11 milhões em ações; outro é corretor de "créditos de carbono" (tema já tratado aqui), que ganhou US$ 10 milhões e tem US$ 73 milhões em ações; há o empresário de energia eólica (US$ 12 milhões) e assim por diante.

Aguarde. Depois da bolha pontocom, vem aí o boom das sacolas de lona.

sdavila@folhasp.com.br

FSP, 26/08/2007, Revista da Folha, p. 4

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