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Nova regra deve impulsionar ações climáticas e estimular pedidos de compensações financeiras a quem causar desmatamento

O Globo - https://oglobo.globo.com/
29 de Set de 2024

Nova regra deve impulsionar ações climáticas e estimular pedidos de compensações financeiras a quem causar desmatamento
O Tribunal Federal do Amazonas condenou, na semana passada, quatro réus ao pagamento de R$10,2 milhões de indenização por dano climático

Lucas Altino

29//09/2024

Entre 2014 e 2018, quase 600 hectares - cerca de 600 campos de futebol - foram desmatados em um assentamento extrativista no Amazonas. Além do impacto à floresta e à comunidade local, que depende dos castanhais da área protegida para subsistência, a Justiça entendeu que o crime prejudicou o clima global. Devido à emissão de 373 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) com o desmatamento, o Tribunal Federal do Amazonas condenou, na semana passada, quatro réus ao pagamento de R$10,2 milhões de indenização por dano climático.

Apesar de ainda pontual, esse tipo de indenização vem crescendo no Brasil, em meio à alta de ações judiciais que tratam do clima. Um levantamento da Plataforma de Litigância Climática no Brasil, desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (Juma) da PUC-Rio, identificou 11 ações com pedidos de indenização por dano climático até março. Na semana passada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou um novo protocolo para padronizar os cálculos e a precificação das emissões de gases de efeitos estufa, o que promete facilitar e acelerar as indenizações, explicam especialistas.

Padrão definido
Na ausência de um padrão, os processos judiciais usavam diferentes parâmetros, o que fazia o custo da tonelada de CO2 variar entre US$ 5 e € 60 (R$ 26 e R$ 364, na cotação de sexta-feira), e resultava em pedidos discrepantes. Ano passado, por exemplo, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu compensação de R$ 292 milhões a um pecuarista por desmatamentos na Amazônia, considerando € 60 por tonelada de CO2 emitido, um índice da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Agora, será adotado o cálculo proposto pela Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). O valor de uma tonelada de CO2 emitida será de US$ 5, o mesmo praticado pelo Fundo Amazônia, do BNDES.

- É um preço já acordado na comunidade internacional. Dá robustez importante para o juiz, porque é um cálculo baseado na ciência e nos dados oficiais - afirma Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Ipam, que defende que o parâmetro aumentará o número de sentenças. - A emissão tem efeito difuso, atinge todo mundo, enquanto a retirada das árvores tem efeito mais local. E esse dano difuso social, econômico e ambiental é o que vem dando substância às decisões judiciais.

A calculadora, desenvolvida pelo Ipam, se baseia no Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil, publicado pelo governo em 2020, e que indica a quantidade de carbono armazenado por hectare por bioma brasileiro. Assim, selecionando a área de floresta que foi derrubada, é possível saber quanto de CO2 foi emitido para a atmosfera. Ao final, se multiplica esse número pelo valor de US$ 5 por tonelada.

- Quanto maior a efetividade da responsabilização e quanto mais exemplar a resposta ao ilícito, maior também é o efeito pedagógico e inibidor de novas supressões. É preciso impedir que aqueles que desmatam ilegalmente tenham qualquer vantagem econômica - afirma Alexandre Gaio, promotor de Meio Ambiente do Paraná e presidente da Abrampa.

A calculadora foi usada para as quatro sentenças proferidas pela Justiça Federal do Amazonas na semana passada, em relação ao desmatamento de 596 hectares na área do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Antimary, em Boca do Acre (AM). Ao todo, 22 réus respondem pelos crimes. Nessas primeiras decisões, a Justiça considerou que o desmatamento colocou em risco o equilíbrio do ecossistema amazônico, dos recursos hídricos e do ciclo hidrológico, além da possibilidade de "alterar drasticamente o clima do planeta". Por isso, os condenados precisarão recuperar a área degradada, pagar indenizações por danos morais coletivos e por danos climáticos.

Advogado de Joel de Souza, um dos réus, Cleodimar Balbinot informou que vai recorrer da decisão. Os outros três réus não foram localizados.

O próximo passo, afirma Moutinho, é criar parâmetros para outros danos associados ao desmatamento, como o dano à biodiversidade e o dano hídrico:

- Não só a Amazônia, como o Cerrado e o Pantanal, estão se aproximando de um ponto de não retorno (quando o bioma perde seus serviços ecossistêmicos diante da degradação). Há lugares preocupantes, como a Bacia do Xingu, onde já acontece aumento de temperatura e redução de chuva que prevíamos só para 2050. Subestimou-se a velocidade das mudanças do clima, e isso é bastante assustador.

Mais ações
Coordenadora do Juma, Danielle Moreira explica que não houve um marco legal para as ações climáticas, e sim novas interpretações de princípios que já existiam na legislação ambiental e na própria Constituição, que prevê reparação dos danos ao meio ambiente. Os 11 pedidos de indenização estão em um universo de 90 ações judiciais que tratam de clima no Brasil, de acordo com monitoramento do Juma. Em diferentes processos, há questionamentos de licenciamentos ambientais que não observaram regras de emissões ou ações sobre a não aplicação de recursos do Fundo Clima no governo de Jair Bolsonaro, por exemplo.

Segundo a especialista, a maioria das ações surgiu a partir de 2019, como reação a violações ambientais da antiga gestão federal. Em seguida, o CNJ estabeleceu, em 2021, a Política Nacional do Poder Judiciário para o Meio Ambiente, que determinou que as condenações por danos ambientais considerassem o impacto na mudança climática global.

A maior parte das indenizações se concentra em casos de desmatamento na Amazônia, mas o novo parâmetro tende a ampliar e diversificar os pedidos.

- A litigância climática está crescendo muito no Brasil. Sempre teve ação de desmatamento, mas antes não se trazia o argumento climático. É como se o Brasil passasse a colocar essa lente - afirma Moreira. - Está crescendo a percepção social do dano climático, principalmente com os eventos extremos.

Primeiro no mundo
Hoje, há 150 normas climáticas brasileiras, entre leis, portarias e resoluções federais. O número aumentaria se consideradas as legislações municipais ou estaduais. Mas essa estatística, levantada pelo Juma, já coloca o Brasil como país com mais leis climáticas no mundo, segundo monitoramento da Grantham Research Institute, da universidade de economia de Londres (London School of Economics).

A quantidade, porém, ainda não é proporcional às ações, explica Beatriz Pagy, diretora executiva da ONG Clima de Eleição, que monitora projetos legislativos climáticos no país. Desde 2021, parlamentares municipais, estaduais ou federais protocolaram 154 projetos de lei sobre clima.

- Há muitas leis simbólicas, como Dia da Conscientização da Mudança Climática, ou que só garantem princípios, sem alocação de recursos - afirma Pagy, que, por outro lado, celebra a aprovação da lei que dá diretrizes a planos municipais de adaptação à mudança do clima. - Hoje há mais gente comentando o assunto, mas as pessoas ainda associam o tema a desastres e menos a outras questões importantes, como saúde e aumento de preço de alimentos.

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