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Nova Lima tem muito ferro e pouco sossego

OESP, Economia, p. B4
25 de Abr de 2005

Nova Lima tem muito ferro e pouco sossego
A reserva que a Vale poder ser forçada a vender provoca êxodo e danos ambientais

Eduardo Kattah Nova Lima

Depois de passar cerca de dez anos morando no exterior, dando aulas de português e fazendo serviços de pintor e pedreiro, Gilberto da Silva Teixeira, 48 anos, decidiu, no início da década de 90, retornar ao Brasil. O hoje empresário mineiro do ramo imobiliário não queria voltar a viver em Belo Horizonte e, atrás de "mais qualidade de vida", resolveu construir uma casa na cidade de Nova Lima, região metropolitana da capital. O clima ameno do local, cercado por serras, ajudaria também no tratamento da bronquite asmática de seu filho Felipe, então adolescente. Mas desde junho do ano passado, Teixeira passou a conviver com um vizinho bastante indesejável. "Moro a 150 metros da encrenca", reclama.
A "encrenca" a que ele se refere é a mina de Capão Xavier, da Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), controlada pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) por meio da participação no Grupo Caemi. Após uma longa batalha pelo licenciamento ambiental, a mina - com reservas de 173 milhões de toneladas de minério de ferro - entrou em operação no dia 16 de junho de 2004.
Um dos ativos (avaliado pelo mercado entre US$ 250 milhões e US$ 300 milhões) cuja venda foi sugerida no parecer da Secretaria de Direito Econômico (SDE), em avaliação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) - como parte da queda-de-braço entre a Vale e as siderúrgicas nos órgãos de defesa da concorrência -, o empreendimento, desde sua fase inicial, é marcado pela discórdia e pela polêmica.
Vários moradores do bairro Jardim Canadá já se mudaram do local desde o início das operações. Teixeira já pensa em vender sua casa e também procurar outro lugar para morar.
Mas a repercussão da atividade minerária na região habitacional não é considerada a mais importante, nem a que mais chama a atenção.
Localizada em uma área de mananciais, Capão Xavier é alvo de contestações judiciais. Além disso, no início do mês passado, uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) foi instalada na Assembléia Legislativa de Minas Gerais para apurar a regularidade dos processos de licenciamento prévio, instalação e operação das atividades da MBR no Estado e o julgamento dos recursos dos autos de infração atribuídos à mineradora.
Capão Xavier desperta muita polêmica porque está localizada na região dos mananciais de Mutuca, Fechos, Catarina e Barreiro, responsáveis pelo abastecimento de água de mais de 300 mil pessoas da região metropolitana da capital. A jazida é considerada a última grande reserva de minério de ferro de alta qualidade nas imediações de Belo Horizonte, em parte do chamado Quadrilátero Ferrífero.
"Pepino ambiental"
A solicitação de licença prévia para a exploração de minério de ferro em Capão Xavier foi protocolada pela MBR na Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) em março de 1998. Era o início de uma luta de seis anos pelo licenciamento ambiental, várias vezes interrompido por liminares concedidas pela Justiça. A autorização para a operação - licença de operação (LO) - da mina foi aprovada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), órgão vinculado à Feam, no dia 25 de março do ano passado.
"E um verdadeiro absurdo o que está sendo feito ali, é um pepino ambiental", afirma o engenheiro Ricardo Carvalho Santiago, um dos autores de uma ação popular ajuizada na Justiça estadual em dezembro de 2003, na qual o processo de licenciamento é questionado.
O principal argumento é que houve descumprimento da legislação ambiental estadual. Santiago cita a lei 10.793, de 1992, que, segundo ele, proíbe a instalação de atividades minerarias em bacias de mananciais no Estado.
O jornalista Gustavo Tostes Gazzinelli, outro autor da ação popular, observa que as águas dos mananciais possuem grande nível de pureza, dispensando processos complicados de tratamento para que ela se torne potável.
"Houve um grande investimento do poder público, ao longo de mais de meio século nesses terrenos e na adução da água deles para Belo Horizonte. São águas, que em sua maioria, vão para Belo Horizonte por gravidade. A água é muito limpa. Então o que você gasta com tratamento químico é irrisório", afirma. "Esse empreendimento (mina), seguramente vai levar, na melhor das hipóteses, à reclassificação dessa água num nível de qualidade pior".
Gazzinelli e Santiago foram os primeiros a depor na CPI da Assembléia Legislativa. O processo que eles movem tramita na 5.a Vara da Fazenda Pública Estadual e está em fase de análise pericial. Na mesma vara corre uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual (MPE), contra a autorização das operações de Capão Xavier.
De acordo com o promotor Fernando Galvão, foi feito apenas um estudo "parcial" do impacto ambiental da atividade na região. "O estudo pericial que foi feito aponta uma série de problemas não resolvidos", afirma.
Segundo ele, quando a mina se exaurir - a previsão de vida útil de Capão Xavier é de 17 anos - há a possibilidade de racionamento de água.
O promotor alerta também para o perigo de poluição por eutrofização (processo natural de aumento de material orgânico) do lago que será formado.
Entre os réus da ação proposta pelo MPE está o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), acusado de conceder à empresa uma servidão de passagem dentro de
uma área de proteção ambiental no município de Nova Lima, cedida pelo Estado para adução dos mananciais.
As ações judiciais que tramitam na Justiça mineira reclamam também que a permissão para a atividade mineraria foi feita sem a suficiente discussão pública com a população atingida.
"O prolongamento da discussão podia até chegar ao ponto de liberar (a operação). A análise que o Ministério Público tem sobre isso é que houve uma precipitação", afirma Galvão.
No âmbito da Justiça federal, a mina de Capão Xavier é alvo de uma ação movida pelos deputados estaduais Antônio Júlio e Adalclever Lopes, ambos do PMDB. No processo, eles questionam o licenciamento com a alegação de que a exploração coloca em risco a rica biodiversidade da região, além de sítios arqueológicos, em cavernas e grutas localizadas nos arredores da mina.
Êxodo
De imediato, a mina da MBR está mesmo é provocando o êxodo dos moradores das imediações. Na última quarta-feira (20), Gilberto Teixeira contratou um pedreiro para amarrar as telhas de sua casa. Ele diz que o telhado está se soltando com as detonações. Afirma ainda que os problemas respiratórios de seu filho, hoje um jovem de 21 anos, voltaram devido ao elevado nível de partículas em suspensão no ar. "Fora o problema para dormir", ressalta, se referindo aos níveis de ruídos.
Teixeira diz que já recebeu propostas da MBR para vender a residência. "Achei que ia ser o local que eu ia acabar o resto da minha vida. Mas não vai ter jeito de ficar não".
Quem também sofre com a situação é a contadora Maria da Conceição de Souza, 65 anos, ex-presidente da Associação Comunitária do bairro Jardim Canadá. "A minha casa treme. A minha cama balança", afirma ela, que mora a cerca de 500 metros da mina. "Muita gente já mudou. Não dá para viver. O barulho é muito forte".

'Capão Xavier é referência', afirma MBR
Estudo para a instalação começou em 1992 cumpriu todas as exigências ambientais, afirma a empresa
A MBR informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que os estudos a respeito da instalação da mina de Capão Xavier tiveram início em 1992. Segundo a mineradora, foi realizado na região o "mais completo e aprofundado levantamento hidrogeológico para a abertura de minas no Brasil", com base em exigências da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e por meio de consultorias especializadas no assunto.
A empresa afirma ainda que todas as fases do empreendimento foram descritas no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impactos ao Meio Ambiente (EIA-Rima), apresentados em 1992 à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
Segundo a MBR, Capão Xavier "é referência em abertura de minas, pois, juntamente com o 'Plano de Abertura', foi apresentado o 'Plano de Fechamento'. Um pioneirismo, que antecipa a legislação ambiental brasileira."
A mineradora informou também que só se pronunciará sobre a CPI da Assembléia Legislativa após a entrega do relatório final.
Copam
O presidente do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e secretário de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho, disse que todos os procedimentos técnicos foram exigidos pelo órgão até a concessão da licença de operação. "A decisão do Copam foi baseada em exaustivos exames e análises de natureza técnica."
Segundo Carvalho, a parte mais polêmica do empreendimento, o rebaixamento do lençol freático, é hoje "uma técnica dominada". "Nós tivemos o cuidado de tomar uma decisão que tecnicamente os especialistas entenderam que podia ser tomada."
Ele disse também que especialistas internacionais foram consultados para fazer uma "avaliação segura" dos impactos ambientais causados pela atividade na região. "Pelo fato de ser uma jazida muito próxima de áreas urbanizadas. Algo que, aliás, vai ser o problema futuro da mineração em Minas", observou.
Veemência
O presidente da Feam, Ilmar Bastos Santos, admite que nunca houve antes contestações de deliberações do Copam feitas "com essa veemência". Ele, porém, garante que o processo de concessão das licenças não atropelou nenhuma legislação vigente. "Para o empreendimento de Capão Xavier não foi feito nada de excepcional. Não se inaugurou nenhum tipo de processo ou de critério."
De acordo com Santos, a mina da MBR não é a primeira exploração em área de mananciais do Estado. Sobre a lei 10.793/92, diz que só estão vedadas as atividades, desde que elas "comprometam a qualidade da água. É uma questão de interpretação", disse.
A MINA
A mina de Capão Xavier, localizada às margens da BR 040, em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, possui reservas estimadas de 173 milhões de toneladas de minério de ferro.
No ano passado, a produção foi de 4,5 milhões de toneladas e a expectativa é que a produção anual, quando consolidada, seja de 8 milhões de toneladas. A empresa não divulga o teor de ferro contido no minério.
Diz apenas que se trata de reserva de hematita. Ao longo de sua operação - durante 17 anos - estão previstos investimentos de aproximadamente R$ 263 milhões. A arrecadação anual de tributos pelo poder público é estimada em R$ 90 milhões.
Segundo a MBR, com a entrada em operação de Capão Xavier, a mineradora encerra um ciclo de transição composto por fechamento e abertura de minas, junto com o aumento contínuo de produção e vendas.
A mina em Nova Lima substituiu a mina da Mutuca, que operou na região por 40 anos e cuja extração foi finalizada em 2001. No ano passado, a MBR registrou lucro líquido de R$ 661,3 milhões, resultado 25% superior a 2003.
A receita bruta foi de R$ 2,6 bilhões, 34% a mais que o exercício anterior.

OESP, 25/04/2005, Economia, p.B4

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