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A nova batalha do campo

O Globo, Economia Verde, p. 40
Autor: VIEIRA, Agostinho
18 de Out de 2012

A nova batalha do campo

Agostinho Vieira
oglobo.globo.com/blogs/economiaverde

O debate sobre o Código Florestal ainda não esfriou, mas já começa a ganhar corpo uma nova polêmica que divide ambientalistas e ruralistas. O tema agora é biodiversidade.
Mais especificamente, a divisão dos lucros resultantes da exploração econômica de recursos naturais. Como sempre, as posições são radicais: uns falam em negócios que vão de US$ 1 trilhão a US$ 4 trilhões. Já os outros estimam perdas da ordem de US$ 300 milhões para a agricultura.
Para entender a história é preciso voltar um pouco no tempo. Mais precisamente para 2010, quando os representantes de 193 países reunidos em Nagoya, no Japão, aprovaram as regras mundiais do ABS (sigla em inglês para "acesso e repartição de benefícios" oriundos da biodiversidade). A área ambiental do governo teve um papel importante nessa aprovação que, pelo menos em tese, representava o último capítulo de uma novela que começara 18 anos antes, na Rio-92.
Essa repartição de benefícios funciona mais ou menos assim. Uma empresa farmacêutica multinacional, por exemplo, ou uma grande marca de cosméticos, desenvolve um produto que vai beneficiar milhares de consumidores em todo o mundo. Só que esse remédio ou shampoo foi feito com base em uma planta que só existe numa pequena comunidade indígena da Amazônia. Além disso, o uso que os índios faziam dela há centenas de anos foi fundamental na concepção do produto.
De acordo com as regras do ABS, essa empresa hipotética teria que pagar royalties para o governo brasileiro e também para os índios. O texto do acordo é genérico e não fala exatamente no pagamento em dinheiro. Cada caso é um caso. Pode ser feita uma troca de autorizações de exploração, pode ser através do fornecimento de tecnologia ou outro mecanismo qualquer. Conceitualmente, a ideia é preservar milhares de espécies existentes no planeta e garantir que os resultados econômicos sejam partilhados.
Ou seja, como o Brasil possui um dos maiores patrimônios mundiais em termos de biodiversidade, teria muito a ganhar. Mas também pode perder. E é aí que começa a polêmica. Um estudo feito pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), ligado ao agronegócio, traçou um cenário mostrando que se o Brasil tivesse que pagar 1% de royalty pelo uso de produtos que não são nativos, gastaria mais de US$ 300 milhões/ano. O cálculo foi feito considerando a produção agrícola brasileira de 2009 e incluiu produtos como a cana-de-açúcar, a soja, o farelo de soja, carnes bovina, suína e de frango.
Todos tiveram origem em alguma região da Ásia ou da Europa. Para entrar em vigor, no entanto, o acordo de Nagoya precisa ser ratificado por, pelo menos, 50 nações. Somente seis o fizeram até agora: Gabão, Ruanda, México, Jordânia, Laos e Seychelles. A Tailândia, a Índia e a União Europeia estariam em fase final de aprovação. Já os Estados Unidos, mais uma vez, devem ficar fora de qualquer acordo. Em junho, a presidente Dilma Rousseff enviou uma mensagem ao Congresso solicitando que se discuta o assunto e sugerindo a ratificação do Protocolo. Mas, até agora, nada aconteceu. Nesse tipo de acordo internacional não há possibilidade de modificação do texto. O Congresso só teria duas alternativas: aprovar ou rejeitar.
Para complicar ainda mais a situação, o Brasil não possui uma lei que regule a pesquisa e a exploração desse material genético. Há mais de dez anos está em vigor apenas uma medida provisória, a 2.186/2001, que é considerada ruim por dez em cada dez especialistas no assunto. O objetivo principal desta MP era coibir a biopirataria, e ela está completamente desatualizada. Há dois anos, com base nela, o Ibama autuou mais de cem infratores e aplicou multas superiores a R$ 120 milhões. Boa parte dos casos por pesquisas iniciadas sem autorização do governo. O que tem demorado, em média, dois anos para sair.
No meio dessa confusão, empresas nacionais e internacionais esperam a tal segurança jurídica para trabalhar. Cientistas estimam que o potencial da biodiversidade na Amazônia pode chegar a US$ 4 trilhões, do tamanho do pré-sal. Mas só 10% das espécies estão catalogadas. Em 2010, ao sair da Convenção sobre Diversidade Biológica, em Nagoya, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse: "Não faz nenhum sentido o país que tem a maior extensão de florestas tropicais do planeta, ter apenas 5% do PIB oriundos da economia florestal". Ela tem razão. Mas ainda falta combinar com um monte de gente.

US$ 4 trilhões
É O POTENCIAL estimado de negócios envolvendo a biodiversidade na Amazônia. Equivalente a um pré-sal. Mas falta uma lei que regulamente o assunto, e o tema pode acabar sendo um novo motivo para a divisão entre ambientalistas e ruralistas no Congresso.

O Globo, 18/10/2012, Economia Verde, p. 40

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