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Nova ameaça ronda as florestas

JB, País, p. A3
07 de Mar de 2005

Nova ameaça ronda as florestas
No embalo da eleição de Severino, parlamentares da bancada ruralista costuram acordo para aprovar mudanças na exploração das matas

Karla Correia

A discussão sobre o projeto de lei que altera o Código Florestal está de volta ao Congresso, no embalo da eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara. Parlamentares da Câmara e do Senado ligados ao agronegócio já costuram um acordo para forçar a aprovação da proposta elaborada pelo deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR) em 2001, que reduz os índices legais de reserva ambiental previstos no código atual.
O retorno do tema à pauta da Casa foi uma das promessas de campanha de Severino que atraíram os votos da bancada ruralista da Casa. O projeto de lei foi redigido por Micheletto como substitutivo da medida provisória enviada pelo governo em 2001 para reformar o texto do Código Florestal, que data de 1965.
O substitutivo, objeto de forte reação negativa por parte da sociedade, alimentou uma acirrada discussão entre ambientalistas e ruralistas dentro do Congresso e não chegou a ser votado em plenário por falta de acordo entre as lideranças. Por causa da aprovação de emenda constitucional que limitou a edição de medidas provisórias e estendeu a validade daquelas em vigor na época até decisão final no Congresso, a medida provisória encaminhada pelo governo tem hoje valor de lei.
Entre as propostas da MP, que pretende atualizar a legislação ambiental sobre florestas, está a redução de 50% para 35% no percentual de reserva obrigatória a ser mantida pelas propriedades rurais no Cerrado Amazônico e mantém os índices originais de 80%, para a Floresta Amazônica, e de 20% para o restante do país.
São consideradas para esse limite apenas florestas nativas, que podem, entretanto, ser exploradas de forma sustentável. A reserva deve ser averbada no registro do imóvel, não podendo ser modificada nem realocada para outra área.
O texto também proíbe novos desmatamentos em propriedades que possuam áreas já desmatadas, abandonadas ou subutilizadas, segundo definição da legislação agrária. Antes de chegar ao Parlamento, a MP foi negociada por cerca de 700 entidades ambientais, em 25 audiências públicas realizadas em 20 estados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
É essa legislação que os ruralistas pretendem derrubar agora, ao ressuscitar o parecer redigido como substitutivo por Micheletto e levar a matéria para a pauta de votações da Casa. Relator da comissão especial que analisou a MP e representante da bancada ruralista da Câmara, Moacir Micheletto, escreveu um projeto que baixava de 35% para 20% o índice de reserva legal para o Cerrado Amazônico. O texto ainda previa a flexibilização desses limites diante dos resultados dos Zoneamentos Ecológicos-Econômicos (ZEE) feitos nos estados.
Dessa forma, se o Zoneamento de uma região apontar uma vocação agrícola, o percentual poderia ser reduzido. Além disso, o projeto desobriga o proprietário rural da recuperação de áreas desmatadas e institui a concessão de bônus para aqueles que replantarem qualquer espécie vegetal nessas áreas.
Na análise do deputado José Sarney Filho, o conflito entre ruralistas e ambientalistas não se resume à discussão do percentual de reserva imposto às propriedades rurais.
- O conflito está no modelo de desenvolvimento desejado para a Amazônia. Enquanto nós defendemos um modelo sustentável, que considere a exploração da floresta mantida em pé, os ruralista se focalizam na expansão da fronteira agrícola, que quase dizimou a Mata Atlântica - observa Sarney Filho, que foi ministro do Meio Ambiente quando a medida provisória foi enviada ao Congresso, em 2001.
Esse modelo significaria melhores condições de vida para os 20 milhões de habitantes da região Norte, na visão de Moacir Micheletto.
- O que se busca com esse projeto é um maior equilíbrio entre a preservação ambiental e a expansão agrícola, principalmente na região amazônica - afirma Micheletto.
Para ele, o texto da MP representa apenas a opinião do Conama, e não de toda a sociedade, e coloca a Amazônia na mira dos ''interesses internacionais''.
- O assassinato da missionária Dorothy Stang despertou, no exterior, a percepção de que o Brasil não tem capacidade para gerenciar a Amazônia. Garantir o desenvolvimento da região é defender a nossa soberania - argumenta.
O senador Jonas Pinheiro (PFL-MT), na época presidente da comissão que analisou a reforma do Código Florestal afirma que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso substituiu um texto que representaria o consenso entre ambientalistas e representantes do agronegócio por outro que seria uma cópia de resoluções do Conama.
- Estamos nos articulando para construir um acordo que signifique, ao mesmo tempo, uma modernização do projeto apresentado pelo Micheletto e um consenso entre ambientalistas e a ala rural, coisa que o governo FHC não teve a vontade política de fazer - afirma o senador.

Setor ambiental condena projeto de lei
Gisele Teixeira
Entidades ligadas ao setor ambiental não têm pressa em trazer à tona novamente a discussão sobre o projeto de lei que altera o Código Florestal. Há um consenso de que, se é para piorar, melhor então deixar como está. Especialistas também não acreditam que o tema, classificado como sensível perante a opinião pública, possa retornar em um momento tão delicado para o país, em função das mortes resultantes de disputas de terra no Pará.
A coordenadora do Programa de Política e Direito Sócio-Ambiental do Instituto Sócio-Ambiental, Adriana Ramos, aposta que o projeto deve ficar em banho-maria por mais um tempo. Ela lembra que a matéria não tranca a pauta do Congresso, e abriria mais um flanco de discussão entre os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, pastas que estão com o relacionamento desgastado em função das discussões em torno da Lei de Biossegurança. Se os ruralistas insistirem, entretanto, as ONGs prometem não arrefecer.
- Código florestal não é um código agrícola - diz Adriana Ramos.
Na época em que as discussões estavam mais acirradas, 310 organizações se uniram em uma aliança chamada SOS Florestas e não deram sossego aos parlamentares. Segundo os ambientalistas, a proposta em curso incentiva o avanço da fronteira agrícola em direção à Amazônia, anistia proprietários rurais que desmataram ilegalmente florestas em suas propriedades e institui uma série de privilégios para o setor rural. Ou seja, transforma uma lei de conservação em uma lei em benefício dos grandes produtores rurais do país.
As entidades que integram a campanha SOS Florestas acreditam que, se hoje o país tem aumentado anualmente seus índices de produtividade sem a necessidade de incremento da área plantada, esse fato se deve também à manutenção dos sistemas ecológicos necessários à produção agrícola, garantia dada pela legislação ambiental adequada que o Brasil possui.
Eles dizem que ao tentar compensar as deficiências da política agrícola do país com profundas mudanças na legislação para o meio ambiente, os ruralistas estão promovendo um enorme retrocesso. As dificuldades dos agricultores brasileiros devem ser tratadas no âmbito das políticas de governo para a agricultura, e os benefícios reivindicados pelo setor, incorporados ao sistema de crédito agrícola. E acrescentam que o Código Florestal nada tem a ver com isso.

JB, 07/03/2005, País, p. A3

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