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No Nordeste, usinas ainda esperam linhas

OESP, Economia, p. B3
20 de Jul de 2014

No Nordeste, usinas ainda esperam linhas
Parques eólicos no Rio Grande do Norte e na Bahia estão prontos para operar, mas aguardam chegada das redes de transmissão da Chesf

André Borges

Os estragos causados pelo descolamento de cronogramas das obras de geração e transmissão de parques eólicos do Nordeste ainda estão longe do fim. Após quase dois anos de atraso, entraram em operação, há menos de um mês, as usinas instaladas na região de Caetité (BA), Morro dos Ventos e Santa Clara (RN). O bloco de eólicas, que soma 624 megawatts de potência, foi leiloado em 2009 e deveria estar em funcionamento desde julho de 2012.
As usinas ficaram prontas, mas as linhas de transmissão, de responsabilidade da estatal Chesf, enroscaram em um emaranhado de burocracias internas, processos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e complicações com o licenciamento ambiental.
Um segundo lote de parques, de 871 MW, permanece à espera das linhas de transmissão, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). São projetos erguidos no Rio Grande do Norte e na Bahia, leiloados em 2010. Em vez de despachar energia desde julho de 2013, será no fim do ano.
"O erro foi imaginar que se levaria dois anos para fazer uma linha de transmissão, quando a realidade tem demonstrado que esse prazo demanda de três a quatro anos", diz Élbia Melo, presidente da Abe eólica. Há hoje 330 obras de transmissão no País, das quais 231 (70%) estão com o cronograma atrasado, 74 (22%) estão em dia e 25 (8%) estão adiantadas.

Conta. O rombo financeiro tem sido bancado pelo consumidor. No mês passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) estimou que até fevereiro a população havia desembolsado R$ 930 milhões para custear os parques de geração, já que estes não têm responsabilidade sobre a chegada da transmissão.
Na auditoria, o tribunal se deparou com velhos problemas que afetam a maior parte das obras de infraestrutura: falhas de planejamento, estudos capengas e atraso no licenciamento, entre outros. A Chesf debita os problemas na conta do licenciamento ambiental e na falta de estruturas de órgãos de anuência, como o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan). De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), o órgão tem 38 arqueólogos e técnicos nesta área para atender todo o País. A estatal ainda aponta "erros de projetos" que teriam sido cometidos pelo Ministério de Minas e Energia.
Há um ano, a Aneel enviou um relatório para a Advocacia- Geral da União (AGU) detalhando o desempenho da Chesf e pediu que a AGU analisasse a possibilidade de cobrar a estatal na Justiça. À época, a fatura chegaria a R$ 770 milhões. Procurada pelo Estado, a AGU informou que ainda analisa o caso.
O atraso médio dos empreendimentos de transmissão é de um ano, enquanto na geração é de oito meses e, nas subestações, de seis meses.

Amenizar. Para especialistas, adiantar a transmissão não é o ideal, mas contribuiria para amenizar. "Nada disso resolve totalmente, mas pode ajudar. As iniciativas estão alinhadas com recomendações que temos feito para tratar desses problemas", diz Claudio Sales, presidente do Acende Brasil.
Élbia Melo diz que não há o que temer. "É uma medida positiva. Temos uma carteira de 20 mil MW de projetos, mas a linha só começou para 3mil MW. Os demais ainda não têm linha garantida." A mesma análise é feita pela Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE). "O correto é que o planejado fosse próximo do real.Masa exposição a um risco menor é bem-vinda", diz Alexei Vivan, presidente da ABCE.

Empresas querem mudar licenciamento

A antecipação de leilões de transmissão não é exatamente o que espera o setor privado. Um Projeto de Lei do Senado (PLS), que pretende reformular o rito do licenciamento ambiental dessas linhas, atende a um pleito antigo das empresas.
O projeto, de autoria do líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), vice na candidatura de Aécio Neves à Presidência, propõe que a transmissão seja submetida ao mesmo crivo ambiental das usinas.
Para que uma hidrelétrica seja leiloada, por exemplo, é preciso que antes a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) obtenha a licença prévia ambiental. A autorização não libera o início efetivo da obra,mas garante aviabilidade, o que dá mais segurança para o investidor.
No caso das linhas de transmissão, a atribuição de requerer a licença cabe a o empreendedor, o que só ocorre após o projeto ser leiloado e contratado. Depois da licença prévia, a empresa ainda precisa atender às condicionantes para, só então, requerer a licença de instalação, que abre caminho para as obras. Em muitos casos, o processo, que deveria levar poucos meses, consome um ano e meio, comprometendo os prazos do contrato.
"Temos trabalhado junto ao Congresso sobre esse assunto. Hoje o investidor não tem previsão de quanto tempo leva o licenciamento. Por isso, tem de precificar esse risco no contrato da pior forma possível, o que encarece o investimento", comenta Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE) e do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico. "O licenciamento prévio da transmissão é do interesse de todos, por isso tem de passar a valer."
O governo discorda da tese.A mudança da regra, segundo Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), centralizaria um conjunto enorme de processos na instituição, o que poderia levar a atraso maior que o atual,por conta da complexidade de cada projeto.

Risco. "Entendo a ótica do empreendedor, que busca minorar o seu risco. Mas, sob a ótica do setor e do País, talvez não seja o melhor. Hoje, cada agente que ganha um leilão contrata uma equipe ambiental e se dedica àquele projeto.Imagine se tudo isso tiver de ser feito por licitação, caso a caso. O risco de se tornar mais lento é enorme", diz Tolmasquim.
Para o governo, a licença prévia deve funcionar somente para as usinas, porque elas podem ou não ser viabilizados.No caso da transmissão, seria desnecessária, já que a sua função básica é distribuir energia.
O PLS 378/2013 passou pela Comissão de Meio Ambiente, (CMA) e está na Comissão de Infraestrutura.Depois, deve seguir para decisão terminativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ)./ A.B.

OESP, 20/07/2014, Economia, p. B3

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