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No cravo e na ferradura

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
30 de Jan de 2004

No cravo e na ferradura

Washington Novaes

O Protocolo de Kyoto está morto ou não? Há alternativas (que não seja a redução de emissões de gases nele prevista) para enfrentar as mudanças climáticas, que uma porcentagem cada vez maior de cientistas entende que já estão acontecendo e podem agravar-se muito?
As visões variam muito, de continente para continente, de país para país.
Pelo menos oficialmente, os Estados Unidos insistem em que o protocolo não é um bom caminho e, com a não-adesão da Rússia (que inviabiliza sua entrada em vigor), estaria descartado. Por isso, buscam novas tecnologias capazes de reduzir as emissões sem afetar a matriz energética baseada em combustíveis fósseis. Já a União Européia mantém, até aqui, sua adesão, seu compromisso de até 2012 reduzir em 8% suas emissões (embora até aqui só as tenha baixado em 0,5%) e de até 2010 ter 12% de energias renováveis em sua matriz energética. Mas há nuances. Porque ao mesmo tempo aposta em futuras tecnologias alternativas capazes de reduzir emissões, sem mudar a matriz energética. E está mergulhada num debate sobre as conseqüências, na competitividade econômica, de impor desde já limites a emissões.
A Espanha, que tem até março para definir limites, está pedindo uma nova discussão no âmbito da União Européia - exatamente porque teme perder competitividade. A Holanda já definiu os limites anuais de emissões para seu setor industrial e energético (112 milhões de toneladas), para a agricultura (7 milhões) e para o setor de transportes (29 milhões). A Grã-Bretanha quer reduzir suas emissões em 20% até 2010, mas também teme perder a competitividade diante de EUA, China e Rússia. E empresas da área de energia acusam o governo de haver beneficiado duas grandes empresas petrolíferas com "cotas de emissões muito elásticas". A Noruega criou taxas sobre emissões.
Ao mesmo tempo, entretanto, o presidente da Comissão Européia, Romano Prodi, lançou uma "plataforma tecnológica" que buscará viabilizar a célula de combustível e o hidrogênio, para "facilitar uma transição da União Européia, da matriz fóssil para a economia baseada em hidrogênio". Porque a demanda de energia ali dobrará em 50 anos, no ritmo atual, e há poucos recursos próprios (importa 50% do petróleo e pode chegar a 70% em 20 ou 30 anos). A pesquisa com hidrogênio na Comunidade terá mais de R$ 10 bilhões nos próximos anos.
Há quem prefira caminhos paralelos. O próprio Fórum Econômico Mundial lançou o Global Greenhouse Gas Register, para estimular empresas a divulgar suas emissões e encontrar formatos de controlá-las, além de definir padrões universais, que permitam comparar, julgar a eficiência, criar alternativas, preparar futuras regulações. Já tem a adesão de dez grandes corporações.
Já nos EUA, a contradição aguça-se a cada dia. Ainda agora, a revista Fortune está divulgando o resumo de um relatório que o antigo e respeitado analista em segurança nacional Andrew Marshall preparou para o Pentágono, esboçando as prováveis conseqüências geopolíticas de mudanças climáticas.
Tão sérias que, diz a revista, "o clima poderá tornar-se a mãe de todas as questões relacionadas com a segurança nacional". Porque secas, incêndios, invernos rigorosíssimos afetando a agricultura, problemas com recursos hídricos poderiam balançar o equilíbrio do poder nos EUA e em toda parte.
Até mesmo em países que têm poder nuclear e poderiam valer-se dele para tentar resolver seus problemas. O Pentágono criou um "think tank" para estudar e prever possíveis ameaças à segurança nacional nessa área climática.
Mas a grande esperança norte-americana, sua alternativa ao Protocolo de Kyoto, parece estar no superprojeto que o Departamento de Energia, depois de testar em escala menor, começa a executar em Wyoming: injetar dióxido de carbono (a maior contribuição para o efeito estufa) gerado por uma usina de energia movida a gás natural nas profundezas de um campo de petróleo desativado, a 300 quilômetros. Pretende ali, a partir de 2006, estocar 1,6 milhão de toneladas de CO2 e em seguida selar o campo (ambientalistas advertem que pode haver fendas subterrâneas que levem a vazamentos e contaminação de aqüíferos). Embora o processo de injeção do gás misturado a líquido custe hoje US$ 100 por tonelada, os dirigentes do projeto acenam com a possibilidade de estocar nos campos de petróleo esgotados e desativados todas as emissões norte-americanas dos próximos cem anos.
Já no Canadá começa a ser executado um projeto alternativo, em pequena escala, nas Gulf Islands. Ele pretende reduzir em 20% as emissões por pessoa, que hoje estão em cinco toneladas anuais. Para isso está implantando programas de eficiência energética em cada residência, substituindo equipamentos desperdiçadores, exigindo regulagem de motores de veículos, dando prioridade a compras locais (para evitar transporte), estimulando o "transporte solidário" (carona) e projetos de energias alternativas (eólica, biodiesel, energia das ondas).
É algo na direção do plano Contraction and Convergence, que vários países dizem apoiar e pelo qual se atribuiria um "direito de emissão" igual para cada habitante do planeta, de modo a reduzir em 60% as atuais emissões. Isso daria a cada pessoa 0,3 tonelada por ano. Complicadíssimo, porque hoje um norte-americano já emite em média 25 vezes mais que um indiano. Um chinês está emitindo agora o que lhe caberia em 2050, e a China produz mais 11 mil automóveis por dia. Um brasileiro médio emite hoje mais de 1,7 tonelada por ano.
No Japão, foi criado um "fundo de carbono", com 10 bilhões de ienes, para financiar projetos capazes de reduzir emissões nas áreas de produção de energia e transporte, além de iniciativas no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (Protocolo de Kyoto). Mas o país está também numa corrida contra Índia, Japão e Nova Zelândia para ser o principal fornecedor de usinas eólicas à Ásia e outras regiões.
E assim se vai, uma no cravo, outra na ferradura, num panorama em que ainda prevalece o econômico. Mas com o "ambiental" a cada dia pressionando mais.
Quem aposta?

Washington Novaes é jornalista

OESP, 30/01/2004, Espaço Aberto, p. A2

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