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Nilson Mendes ensina ecologia em Xapuri

Agência Amazônia - www.agenciaamazonia.com.br
Autor: MONTEZUMA CRUZ
25 de Out de 2009

Usar a floresta com sabedoria. Este é o primeiro mandamento da lei de Nilson Mendes, 47 anos, casado, três filhos, criado com 18 irmãos, quase todos eles seringueiros em Xapuri, a 188 quilômetros de Rio Branco. Uma aula dele faz o leigo entender, por exemplo, porque a temida motosserra também auxilia nos cortes programados de árvores que se renovam nas regiões do Alto e Baixo Acre.

Nove horas da manhã: o secretário de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar, Milton Cossons recorda o tempo de menino no Seringal Cachoeira, transformado em 1990 na primeira reserva extrativista do País:

- Na minha infância eu nadava nesses rios e andava por todo canto. Deixei de ir a alguns lugares, mas me reencontrei quando conduzi uma comitiva da Universidade da Flórida na Colocação Fazendinha.

Nilson, primo do líder seringueiro Chico Mendes (assassinado em 1988), é vítima de surdez. Ele aponta a textura das seringueiras e samaúmas ao grupo formado por alemães, funcionários públicos do Acre e jornalistas, contando que tira 15 a 20 litros de látex por dia. Não se descuida um só minuto dos cuidados dedicados às plantas, árvores e insetos. Fala alto:

- Não é bom ir muito longe agora, porque as borboletas estão em transformação. Elas são um pedaço dessa vida saudável que vocês estão vendo.

Sensível às vantagens e algumas desvantagens das mudanças promovidas por programas governamentais com apoio internacional (da Alemanha, por exemplo), Mendes apela aos "manejadores e à Universidade Federal":

- Eles deveriam ver que é hora de termos uma só linguagem para defender o preço mínimo da castanha e da seringa. Os projetos da fábrica de preservativos e das estradas foram retomados. O manejo gera o bem, mas o que nos interessa é ver a floresta e tudo isso aí nas mãos das pessoas. Quem vai cuidar disso são os nossos filhos e netos.

Segundo ele, a comunidade conseguiu envolver nesse manejo "gente com vontade". Lembra que antigamente vendia-se a colocação até por R$ 200. Assim, ele faz ver a importância das parcerias com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e o WWF Brasil, organização não-governamental dedicada à conservação da natureza.

Fazer o certo, cem anos depois

Mendes não abre mão da busca de fazer o certo na Amazônia. Entende que essas parcerias permitem combinar a harmonização da atividade humana com a conservação da biodiversidade e a exploração racional dos recursos naturais.

- Estamos vivendo um século depois daquelas explorações pioneiras. Foi um tempo de sofrimento. A madeira era transportada por animais. Sofria o homem e o animal. O futuro chegou: conseguimos mudar a forma de tirar. No corte com motosserra, os blocos saem todos tortos e o desperdício é grande. Máquinas velhas desmatavam além da conta.

Apesar de tudo, ele alerta, o mercado consumidor levará de cinco a dez anos para entender que só se deve tirar o suficiente. Com igual sentimento, lamenta aos visitantes que "a verminose ainda é a vergonha da Amazônia".

Mendes conhece as árvores por nomes, cheiros e apelidos. Considera-se um botânico autodidata que aprendeu com os pais e com especialistas.

- Olha aqui o breu de casca vermelho-escura. Tem dez metros de altura e pertence à família das Burseráceas - apresenta.

A árvore tem o nome vulgar de pau de mosquito, incenso, erva feiticeira e outros. Possui tronco espesso e sua casca é rica em resina aromática, usada para fins medicinais. Mendes caminha mais cinco metros, pára e aponta para uma jacareúba identificada com o número 141. É um dos melhores momentos da aula. A espécie pertence à família Clusiaceae, exibindo um recorde de mais de 30 nomes, entre os quais, jacareaba, jacareíba, guanambi-cedro, guanambi-landim, guanambi-de-leite, guanandi-amarelo, guanandi-lombriga, guanandi-vermelho, gulandi-carvalho e guanandi-poca.

Queda planejada e corte de misericórdia

Mais adiante, contempla o ubim, palmeira de grande resistência. Perto dela desponta o toari, que dá um fruto e sua pluma cura ferimentos. Segundo o pesquisador Evandro Ferreira, o ubim é encontrado desde a América Central até o sul da Bolívia, incluindo toda a Amazônia Brasileira até Mato Grosso, geralmente em florestas tropicais primárias.

"Na maioria dos lugares onde a espécie forma grandes populações naturais, os habitantes locais costumam extrair suas folhas para cobrir edificações rurais e, em alguns casos, vendem as folhas para a cobertura de edificações urbanas de estilo rústico", explica.

Segundo Ferreira, no Acre, as maiores concentrações da espécie ocorrem na parte leste do Estado, em áreas florestais integrantes da Reserva Chico Mendes, onde suas folhas têm sido exploradas em baixa escala pelos habitantes locais.

Inspirado, o seringueiro conta com o ocorre a queda planejada, quando se juntam uns 20 seringueiros para extrair a árvore de primeira venda. E o corte de misericórdia, quando a árvore é puxada por tração animal e a queda é perfeita. O manejo dita normas obedecidas rigorosamente dentro da reserva. Acompanha-se cada passo do comportamento arbóreo no Cachoeira.

- Quando a gente retira um tronco oco, vem dois. Temos muito cuidado com isso. Sabemos que a metodologia está no mundo e a continuidade do inventário atende às determinações da ciência.

Trilha para animais não seria boa, opina o seringueiro. Rapidamente, ele classifica de errôneo o conceito de floresta fechada, afirmando que há respostas positivas no manejo:

- Nascem muitos cedros, angelim, jatobás, seringueiras, e todos se dão bem. Eu digo ao pessoal do Imac (Instituto do Meio Ambiente do Acre) e do Ibama que percebemos o rumo do vento. Agora estamos trocando experiências com o Pará nesses grupos de florestas certificadas.

Apenas cem metros cúbicos por ano

Mostrando a raridade das espécies, o engenheiro Sílvio Guedes lembra a existência de uma resolução conjunta dos conselhos florestal e do meio ambiente, ciência e tecnologia, com as diretrizes em vigor.

- O manejo é dividido em áreas de oito a dez hectares, restringindo-se apenas à retirada de cem metros cúbicos por ano. Atualmente, o inventário é 100% no plano operativo anual, que envolve um engenheiro, um técnico e a comunidade. Todos dão palpite sobre diâmetro, altura e espécie - diz.

Assim é possível avaliar quanto, por exemplo, as áreas de floresta possuem de breu ou de faveirinha. Segundo Guedes, o volume é o indicador: se ele estiver numa só árvore, ela é preservada. A legislação prevê o ciclo de 30 anos, definido a cada década. Árvores de 15 a 18 m ainda oferecem frutas e artesanato.

Famílias chegam a ganhar R$ 1 mil a R$ 1,2 mil por mês com a venda do látex e de madeira. Possuem energia elétrica do Programa Luz Para Todos, fogão a gás, liquidificador, TV, DVD, utensílios domésticos, motocicletas e carros. Algumas mulheres conseguiram emprego na fábrica Natex de preservativos, que fornece diretamente para o Ministério da Saúde.

A indústria com 150 funcionários fabricou cerca de cem milhões de unidades no ano passado. Estão cadastradas mais de quatrocentas famílias de fornecedores. Pretende-se alcançar pelo menos setecentos até 2011. (M.C.)

"Tudo isso deve ficar nas mãos das pessoas", diz Monteiro

Oitenta e seis famílias vivem espalhadas em 24 mil hectares. Nos tempos dos "empates" de Chico Mendes, varadouros substituíam as estradas. Elas vivem hoje um novo ciclo econômico que vem crescendo graças à manutenção da floresta em pé.

Ao lado de Mendes caminham o engenheiro florestal Sílvio Guedes, 42, chefe da Divisão de Manejo Florestal Comunitário na Secretaria de Produção. Paulista de São José dos Campos, há seis anos no Acre, e Raimundo Monteiro de Morais, 69, presidente da Associação dos Seringueiros de Xapuri. Atualmente com oito filhos e 15 netos, Monteiro participou nos anos 1980 da defesa dos seringais que circundam o Cachoeira, ao lado do líder Chico Mendes.

Para Monteiro, é importante assimilar agora o processo de ocupação do Acre:

- Conheci tudo isso e me entrosei com os companheiros. Tive uma boa vida na mocidade. Meu casamento foi aqui mesmo e até hoje corto seringa. Convivi com Wilson Pinheiro (outro líder assassinado dez anos antes de Chico) no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia. Depois veio o PT e a cooperativa que mudaram as coisas para melhor.

Está feliz, "apesar dos problemas que ainda existem e não são poucos". Conta nos dedos o que a comunidade conquistou, enfatizando o Ensino Fundamental: funcionam quatro escolas até a 5ª série. As primeiras escolas eram de madeira bruta. Ele ajudou a construí-las. Há também a pousada, que começa a receber brasileiros e estrangeiros.

- Éramos analfabetos. Quando criamos o sindicato, poucos sabiam ler. O governo de Jorge Viana (PT) olhou por nós duas vezes, e agora, o professor Binho (Arnóbio) Marques. Hoje, todos sabem ler e escrever. Eu mesmo aprendi que essa tão falada sustentabilidade significa respeito. (M.C.)

Remédios da mata curam muitos males

O agente estadual de saúde Francisco de Assis Monteiro de Oliveira, 50, já teve atritos com rezadores e rezadoras da floresta acreana. Por mais que conheça e defenda a medicina natural, ele não ignora a necessidade de o médico visitar o interior da reserva, em vez de permanecer na cidade, à espera do paciente em situação delicada.

Em casa, ele usa a casca da cebola, que serve para curar resfriado, má digestão, reumatismo e, conforme a mistura com outras ervas, cura também orquites (inflamação de testículos). Mas defende a presença do médico.

- Vi crianças morrerem de diarréia, tétano e infecção intestinal. Respeito quem reza, mas o médico é essencial. Infelizmente, onde não há médico precisamos da prevenção e da medicina curativa. Já tratei gripe e sei que 80% dos casos viram infecção pulmonar.

Oliveira conta que a casca do jatobá é um excelente tonificante. E ainda, que o cumaru de cheiro e a orelha de anta, fervidos com mel de abelha e um pouco de vodca, combatem azia, má digestão e outros males.

- Só não pode ser dado a gestantes e crianças - adverte.

Na vivência pela mata e nas casas de parentes - no Cachoeira há centenas de primos, sobrinhos e cunhados - ele aprendeu os 16 cortes da seringueira. Com saudade do período áureo da borracha, ele conta que se trabalham duas ruas por semana no sistema normal, durante dois meses. Assim, de três a quatro anos a árvore se recupera e volta ao mesmo lugar, mantendo a estrada da seringa o tempo todo.

- Funcionava bem, quando o seringueiro possuía dez estradas com 160 a 170 árvores. Agora a maioria não tem mais que isso. (M.C.)

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