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'Não haverá refúgios no País'

OESP, Vida, p. A27
03 de Fev de 2007

'Não haverá refúgios no País'
Cientista brasileiro no IPCC explica que efeitos ainda piores do aquecimento serão sentidos em todo o Brasil

Lígia Formenti

Os efeitos do aquecimento global no Brasil serão sentidos de Norte a Sul do País. O aumento da temperatura virá acompanhado de uma série de ameaças: prejuízos econômicos, com a queda de produção das maiores commodities; extinção de espécies da fauna e da flora; maior exposição das cidades litorâneas, provocadas pelo aumento do nível do mar. A descrição feita pelo pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) José Antonio Marengo, um dos cientistas que participaram do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), é de fazer inveja a roteiristas de filmes de catástrofes. "Não haverá refúgios climáticos. Todos vão sentir."

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, admite que o País não está preparado para as conseqüências das mudanças climáticas. "O que é mais dramático: nenhum país está." O ministério encomendou sete estudos detalhados sobre os efeitos do aquecimento. Entre eles, uma análise minuciosa dos efeitos no Brasil, os reflexos do aumento da temperatura na faixa costeira, nas ilhas. Também serão avaliadas as correntes marítimas e peixes, o reflexo do aumento do nível do mar e os corais. A partir dos resultados, esperados para o próximo mês, o ministério espera adotar medidas para reduzir ou, na pior das hipóteses, para se preparar para a nova realidade.

Um dos trabalhos é conduzido por Marengo. O estudo estima que até o fim do século a temperatura na Amazônia aumente 8 oC, numa visão pessimista - 5oC a mais que a média mundial esperada. A região Sudeste registraria aumento médio de 5oC.

A Amazônia viraria cerrado. Entre 10% e 30% desapareceria, junto com várias espécies de plantas e animais. No Sudeste, haveria aumento de chuvas, grande circulação de ventos, veranicos e maior propensão a desastres naturais. Na região costeira, as cidades mais vulneráveis seriam Recife e Fortaleza, com a subida do nível do oceano.

RAPIDEZ ASSUSTADORA

Cientistas brasileiros preocupam-se com a rapidez com que o aquecimento vem ocorrendo. "Cenários que prevíamos para os próximos 15 anos podem se concretizar em 2 ou 3", afirma o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad, co-autor de um estudo sobre os efeitos na agricultura.

A preocupação é tamanha que anteontem, um dia antes da divulgação do relatório, ele e integrantes de uma rede de 30 laboratórios de pesquisa fizeram uma reunião para tornar mais ágeis os estudos e propostas de solução. "O que pretendíamos fazer com calma agora terá de ser a toque de caixa", constata.

Pelas projeções iniciais do estudo, desenvolvido numa parceria com Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com base em dados do IPCC de 2001, o aumento da temperatura global atingiria a produção de dois dos principais produtos da agricultura nacional: soja e café.

Num cenário mais pessimista, o aumento da temperatura levaria à redução de 70% da produtividade de soja. O café ficaria restrito a áreas menos quentes. O arroz e o milho sofreriam queda de produtividade de 30%. Entre as propostas para enfrentar esses efeitos, está o desenvolvimento de uma nova geração de sementes transgênicas, mais resistentes. "Uma das idéias é analisar espécies do cerrado, para identificar quais os genes destas plantas responsáveis pela resistência ao clima", conta Assad.

"Mas há outras propostas em análise. Como a adoção de práticas para reduzir a erosão." Hoje, milhares de hectares usados para plantação de grãos são usados apenas quatro ou cinco meses no ano. "É imprescindível que tais áreas fiquem cobertas. A vegetação é essencial para a retenção da água naquele espaço de terra."

Assad cita ainda a inclusão de culturas que auxiliassem o seqüestro do carbono, como o eucalipto ou o milho, dendê e feijão. Tanto eucalipto quanto o dendê citados pelo pesquisador são mais eficazes na captação de carbono que plantações de soja ou feijão. "Faríamos associação de culturas economicamente importantes com outras que evitem o aquecimento."

SIMBIOSE E EXTINÇÃO

O pesquisador do Inpe Carlos Nobre também há anos dedica seus estudos aos efeitos provocados pela mudança na temperatura global. Em seus estudos, ele observa que a região Centro-Leste da Amazônia é a que apresenta maior potencial de sofrer com o aumento das temperaturas globais. Atualmente, conta, as chuvas já são menos abundantes.

Nobre observa que, na região há um número significativo de animais que desenvolveram uma espécie de "simbiose" com a região que vivem. "Se houver a savanização, muitos deles poderão ser extintos. E o triste é que algumas das espécies vivem apenas em determinadas regiões da Amazônia."

Em outras palavras: há o risco de, com a mudança do clima, desaparecerem espécies que hoje nem mesmo são conhecidas pelos cientistas. "Seria um estrago enorme. Sobretudo se levarmos em conta que há suspeitas de que em toda Amazônia existam plantas e espécies com grande potencial econômico. Seria uma perda de uma riqueza que nem chegamos a conhecer."

Os efeitos do aquecimento em outras regiões já começam a ser sentidos. Nobre cita o exemplo de um anfíbio, batizado de Arlequim, que vive nos Andes. Com a mudança do microclima, essas espécies acabaram desenvolvendo fungos na pele. Desapareceram.

Todos são unânimes em afirmar que o combate ao desmatamento é tarefa número 1 a ser perseguida no País. Sem falar na adoção de modelos de energia limpa, renováveis, que reduzam a emissão de gás carbônico na atmosfera. Neste aspecto, afirmam, o País tem apresentado bons resultados. Como biocombustíveis. "Mas é preciso ampliar a oferta de matrizes energéticas", constata Nobre.

Para ele, não há um modelo único a ser seguido. "Hidrelétricas sempre tão elogiadas podem muitas vezes emitir mais gases que provocam efeito estufa que uma termelétrica."

Como exemplo, ele cita a usina de Balbina, ao norte de Manaus. "Ela produz uma quantidade mínima de energia. E sua construção foi à custa de um desmatamento de grandes proporções na região", recorda. "Pois as árvores que entraram em decomposição, no fundo do lago, produzem gás metano, tão prejudicial para o ambiente quanto uma termelétrica", completa.

'Há muito que fazer', admite ministra

Ao comentar os resultados do relatório sobre aquecimento global, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, procurou enfatizar a redução do ritmo do desmatamento no País, o que teria evitado, nos últimos dois anos, a emissão na atmosfera de 430 milhões de toneladas de gases responsáveis pelo efeito estufa. Apesar da redução, Marina admite que há ainda muito a ser feito. Uma das formas de garantir a queda do desmatamento, afirmou, seria a adoção internacional de mecanismos para incentivo para países preservarem suas florestas. Uma espécie de crédito de carbono florestal.

Marina disse também que não é o momento de países procurarem culpados para o aquecimento global. "Não é mais adequado que países fiquem empurrando a responsabilidade uns aos outros. O ideal agora é que todos os setores procurem dar a sua contribuição", afirmou. Indiretamente, ela se defendeu das acusações históricas de que o desmatamento da Amazônia seria um dos grandes responsáveis pelo aquecimento. Ela observa que 20% dos gases que causam efeito estufa são fruto do uso e de alterações do uso da terra - neste último caso, derrubadas de árvores e queimadas. "Deste total, 12% está ligado à realidade brasileira. Mas é preciso observar que, mesmo se fizéssemos toda nossa lição de casa, países desenvolvidos continuariam a colaborar com 80% das emissões. E nossas florestas seriam prejudicadas."

Para a ministra, o relatório confirma que desenvolvimento não pode ocorrer sem o respeito ao meio ambiente. "Esta é uma questão nova no País. Mas hoje sabemos que desenvolvimento e ambiente têm de caminhar juntos. Principalmente no caso do Brasil, onde 50% do PIB depende da biodiversidade."

Lobby brasileiro reduz peso das queimadas
Influência da prática na emissão de CO2 foi estabelecida em 15% no relatório do IPCC

Andrei Netto

O lobby dos delegados do governo brasileiro funcionou no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). O País conseguiu diminuir os parâmetros que determinam a influência do desmatamento e das queimadas no total de dióxido de carbono emitido por ação humana. Esta é a principal contribuição do Brasil ao efeito estufa, que o coloca entre os principais emissores do mundo.

"A posição do Brasil era: é preciso reduzir os 10% a 20% a importância das queimadas e do desmatamento no aquecimento global. Mas ainda mais prioritário é reduzir a queima de combustíveis, que representa de 80% a 90% do problema. Foi uma posição vista como bastante razoável", disse o climatologista Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo e integrante do IPCC.

A negociação brasileira não interferiu na margem de variação adotada no relatório final. Mas garantiu que o painel estabelecesse em cerca de 15% a relevância da destruição florestal na elevação do nível de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, enquanto a queima de combustíveis fósseis aparecesse como responsável pelos demais 85% das emissões de CO2.

Para se ter uma idéia, em 2002, data-base do único inventário de emissões que o País divulgou, o Brasil havia emitido 776 milhões de toneladas de dióxido de carbono só por mudanças no uso da terra.

SAVANA NA AMAZÔNIA

A região amazônica foi o principal tema relativo ao Brasil debatido no painel de Paris. O quadro não é estimulante: a temperatura média no Norte, entre 2090 e 2100 será até 5oC superior ao índice médio histórico. Se concretizada a alteração climática, a Amazônia tal como é conhecida hoje tenderá à extinção, cedendo lugar a uma savana semelhante ao cerrado do Centro-Oeste.

O aumento da temperatura na floresta será de até dois graus superior ao crescimento global médio, de 3oC. A variação não será provocada apenas por desmatamento ou as queimadas, mas pelo consumo de combustíveis fósseis, principal agente da concentração de dióxido de carbono na atmosfera.

As informações constam do capítulo 11, sobre mudanças climáticas regionais, do texto de 2,5 mil páginas que originou o Resumo para os Formuladores de Políticas, divulgado ontem na sede da Unesco.

FIXAÇÃO DE CARBONO

Entre outros fatores, o aquecimento mais elevado na Amazônia se deve à queda da fixação de carbono pela floresta, que, por sua vez, também causará mais aquecimento, em um círculo vicioso. Segundo pesquisas, a transformação climática no Norte do Brasil só será mais intensa em regiões isoladas do planeta, como o Ártico, onde a temperatura média deve se elevar entre 6oC e 7oC.

Os cientistas ainda não arriscam prever o tamanho da área de floresta úmida que será reduzida pelo aquecimento - informação atrelada à variação do índice de chuvas. "O aquecimento trará alterações dramáticas para o sistema. A sustentabilidade de uma floresta tropical úmida será muito provavelmente reduzida", analisa Artaxo.

Outro previsível impacto apontado será a redução do índice de precipitação em até 20% nos meses de junho, julho e agosto - época de seca no Centro, Nordeste e Norte do País.

Embora o relatório sobre transformações climáticas regionais tenha citado o Brasil, o país não foi alvo de críticas no evento. Os estudiosos evitaram referir-se a regiões pela divisão política.

OESP, 03/02/2007, Vida, p. A27

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