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Na 'lanterna' da elite mundial

O Globo, Economia, p. 21-22
28 de Nov de 2007

Na 'lanterna' da elite mundial
Brasil entra no grupo de alto desenvolvimento humano, apesar de queda no 'ranking' do IDH

Demétrio Weber, Martha Beck, Cássia Almeida e Luciana Rodrigues
Brasília e Rio

Impulsionado pelo aumento da expectativa de vida, o Brasil finalmente entrou, em 2005, no grupo dos países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas ainda atrás de vizinhos como Chile, Uruguai e México. É o que mostra o relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), lançado mundialmente ontem, no Palácio do Planalto. O IDH brasileiro subiu de 0,798 para 0,800, alcançando a pontuação mínima na escala de zero a 1 para entrar na elite do desenvolvimento humano.

Segundo especialistas, também teve grande influência no desempenho brasileiro o aumento da renda per capita, que subiu de US$ 8.325 para US$ 8.402 entre 2004 e 2005. Mas, apesar desses avanços, o país perdeu três posições no ranking do IDH: caiu do 67opara o 70olugar, entre 177 nações e territórios. Isso ocorreu porque países como Arábia Saudita e Albânia avançaram mais rapidamente, beneficiados pela revisão metodológica do Pnud. O Brasil só ultrapassou a ilha caribenha de Dominica, à frente no levantamento anterior. No relatório passado, somente 63 países tinham alto IDH. Agora são 70. A lista é liderada por Islândia, e tem como último colocado Serra Leoa.

Pela primeira vez, o relatório mundial do Pnud foi lançado em Brasília. Os representantes do Pnud, Kemal Dervis e Kevin Watkins, elogiaram o país.

- Nos últimos anos, o Brasil demonstrou que não devemos tolerar as obscenas iniqüidades que marcam tantos países e rebaixam nosso padrão de globalização - disse Watkins.
Em seu discurso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os próximos relatórios revelarão avanços e apontou o Bolsa Família como uma das contribuições à melhoria. Em anos recentes, o IDH do Brasil tem crescido em ritmo mais lento. Entre 2000 e 2005, o índice avançou 1,39%. Nos cinco anos anteriores, a alta foi de 4,78%.

O Brasil foi prejudicado pela repetição das estatísticas de educação no relatório de 2007, cujo ano-base é 2005. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), vinculado ao Ministério da Educação e responsável por enviar as informações, reconhece que mandou os dados mais antigos. Assim, embora o país tenha alcançado ligeira melhora na alfabetização de jovens e adultos entre 2004 e 2005, de 88,6% para 89%, o IDH foi calculado com base na taxa anterior. O mesmo ocorreu em relação às matrículas em ensino fundamental, médio e superior. Houve avanço, mas como resultado de revisão estatística, que elevou a taxa de matrículas de 86% para 87,5%.

O economista Claudio Dedecca, professor da Unicamp, achou bom o país ter entrado no grupo de 70 países com IDH acima de 0,800, mas pondera: - Podemos olhar o IDH como uma direção a seguir. Estamos no caminho certo, mas a melhora não indica, de modo algum, uma mudança estrutural nas condições sociais. Ainda estamos muito longe dos primeiros do grupo de alto desenvolvimento.

Sonia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), lembra que a melhora do IDH em 2005 refletiu ganho de renda, indicador influenciado pela conjuntura:
- Saúde e educação têm melhorado no Brasil de forma robusta, mas no longo prazo, independentemente de conjuntura adversa ou favorável. Já a renda é muito sensível às condições da economia e do mercado de trabalho, que melhoraram nos últimos três anos. Em 2004, houve aumento da ocupação. E, em 2005 e 2006, a renda começou a se recuperar depois de quase uma década em queda.
Renda deve elevar índice no futuro
O PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos no país) per capita de 159 países, entre eles o Brasil, foi revisado pelo Pnud.
Mas, segundo o assessor especial de desenvolvimento do órgão, Flávio Comim, o relatório não incorporou a nova metodologia adotada pelo IBGE.

Apesar de o Pnud usar no cálculo do PIB per capita a metodologia da paridade do poder de compra - que leva em conta o preço relativo dos bens em cada país, excluindo distorções cambiais - a economista Lena Lavinas, da UFRJ, diz que há sempre influências no caso de variações bruscas nas moedas nacionais. Entre 2004 e 2005, o real se valorizou 20% frente ao dólar.

- Era de se esperar que o IDH brasileiro subisse em 2005, porque a renda tem um peso muito grande. Houve ganhos, inclusive com o reajuste do salário mínimo. E, há, sim, influência do câmbio - diz Lena.

Sergei Soares, economista do Ipea, acredita que, mesmo considerando o IDH um índice primário, o Brasil continuará a melhorar:
Há três anos, a renda das famílias está crescendo. Há indícios de que estamos entrando num crescimento sustentável e é a primeira vez que isso acontece em quase 30 anos.

No quesito saúde, o aumento na expectativa de vida do brasileiro (71,7 anos em 2005), foi reflexo, sobretudo, da revisão estatística nos dados de 62 países relativos a 2004. A expectativa de vida no Brasil era de 70,8 anos em 2004, e subiu para 71,5 anos. Isso porque o Pnud reduziu as estimativas de mortalidade pelo HIV.

Ainda que o aumento da expectativa de vida tenha puxado o IDH, este continua sendo o pior indicador brasileiro, deixando o país em 79o lugar no ranking, quando considerado só o quesito saúde. O melhor desempenho brasileiro está nas matrículas, o que o deixa na 36ª posição.

País tem resultados melhores entre emergentes que formam os Brics
China e Índia estão abaixo na lista. Rússia, em posição melhor, teve queda no IDH

Martha Beck e Demétrio Weber

O Brasil foi o país que teve melhores resultados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os Brics - bloco de nações emergentes cujas economias têm potencial para dominar o mercado mundial em meados deste século. Embora tenham registrado crescimento no IDH superior ao brasileiro nos últimos 15 anos, Índia e China ainda estão bem abaixo no ranking. Enquanto o Brasil ocupa a 70aposição, a China está na 81ª, e a Índia na 128ª Já a Rússia está numa colocação melhor que a brasileira (67aposição), mas registrou queda no IDH. A mesma vantagem, porém, não é encontrada quando a comparação se dá com os vizinhos da América do Sul.

Enquanto o índice brasileiro relativo a 2005 foi de 0,800 (alta de 10,65% sobre 1990), no mesmo período, o da Rússia foi de 0,802 (queda de 1,6%), o da China, de 0,777 (alta de 22,56%), e o da Índia, de 0,619 (alta de 18,81%). Mantido o ritmo, porém, a médio prazo os asiáticos podem ultrapassar o país.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que o Brasil está em melhor posição do que seus companheiros nos Brics e enumerou desafios para o próximo século: - Nós temos a China, com 1,3 bilhão de habitantes, que precisa incluir 1 bilhão na cidadania.

Nós temos a Índia, com 1 bilhão de habitantes, precisando incluir 700 milhões na cidadania. Arrumar trabalho, escola, alimento, tudo isso é um desafio para o século XXI.

Em artigo para o relatório, Lula defende etanol
Mesmo assim, o Brasil ainda é o mais desigual do grupo. A renda dos 20% mais ricos é 21,8 vezes maior que a renda dos 20% mais pobres. Na China, essa relação é de 12,2 vezes, na Rússia, de 7,6, e na Índia, de 5,6.

No entanto, o Brasil apresenta melhores indicadores de pobreza e de saneamento em relação a China e Índia.

Quando se considera o Índice de Pobreza Humano - que combina diversos indicadores essenciais à qualidade de vida - o Brasil vê em condições degradantes 9,7% da população, contra 11,7% na China e 31,3% na Índia. Já a taxa de saneamento brasileira está em torno de 75%, enquanto a indiana é de 33% e a chinesa, de 44%.

Outro sinal da desigualdade está nas taxas de mortalidade infantil e materna. No Brasil, a mortalidade entre menores de 5 anos é de 33 por mil nascidos.

Mas entre os 20% mais pobres esse número sobe para 99. Já a taxa de mortalidade materna é de 110 para cada 100 mil nascimentos, contra em torno de 20 a 30 nos demais países.

Pelo segundo ano consecutivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve participação especial no Relatório de Desenvolvimento Humano. No seu artigo, enumerou os esforços brasileiros para minimizar as alterações climáticas, criticou os programas de subsídios aos biocombustíveis americano e europeus e pediu a redução das tarifas de importação do etanol brasileiro.

Para ele, "o Brasil está preparado para apoiar esforços de países em desenvolvimento para identificar fontes viáveis de energia alternativa". Seu artigo aparece ao lado de autores como o secretário-geral da ONU, Ban-Ki-moon, e o bispo sul-africano Desmond Tutu (prêmio Nobel em 1984).

Nos extremos, Islândia e Serra Leoa
País europeu tem o dobro da expectativa de vida do africano

Depois de seis anos consecutivos na liderança do ranking de desenvolvimento humano, a Noruega perdeu o posto para a Islândia, um pequeno país com 300 mil habitantes, renda per capita de US$ 36,5 mil anuais e expectativa de vida de 81,5 anos. O país tem IDH de 0,98, ou seja, perto do máximo possível, já que a escala do índice vai de zero a 1. Na outra ponta do ranking, Serra Leoa, na África, tirou o último lugar de Níger, com um IDH de apenas 0,336.

A Islândia - "terra do gelo", nome do país em sua língua - é uma ilha do Atlântico Norte com economia muito baseada na pesca, responsável por 70% das exportações. Há ainda indústrias de software, biotecnologia e serviços financeiros. Políticas de bem-estar social típicas dos países nórdicos garantem qualidade nos serviços públicos de saúde e educação, subsídios à habitação e baixíssima desigualdade de renda.

Ironicamente, a Islândia foi alçada ao topo do ranking do IDH justamente no ano em que o Pnud escolheu as mudanças climáticas como tema de seu relatório. O país tem um dos mais adversos ambientes para a ocupação humana.

E, no passado, quase se tornou inabitável. No início da sua colonização por povos do Norte da Europa, no século XIX, desmatamento e práticas inadequadas de pastagem levaram à erosão de grande parte do solo. O país foi um dos mais pobres da Europa durante séculos.

Mas deu a volta por cima e hoje adota limites rigorosos para a criação de ovelhas.

Em Serra Leoa, a expectativa de vida é quase metade da islandesa: 41,8 anos. O país foi assolado por uma guerra civil que, ao longo de uma década, matou 50 mil pessoas e amputou centenas. A paz é recente, foi selada entre governo e rebeldes em 2001. Na lanterninha do IDH, Serra Leoa lidera o ranking do Pnud dos países mais pobres do mundo.

Só 34,8% dos jovens e adultos sabem ler e escrever. E a renda per capita não passa de US$ 806 por ano. (L.R. e D.W

Dinheiro do petróleo puxa avanços Antigos países comunistas também entraram no grupo com alto IDH

Luciana Rodrigues

Assim como o Brasil, outros seis países entraram no grupo de alto desenvolvimento humano que, agora, conta com 70 países entre os 177 avaliados pelo Pnud. A lista dos novos membros do alto IDH - considerando tanto as revisões metodológicas feitas em 2004 como os avanços obtidos em 2005 - inclui nações beneficiadas pela disparada da alta do petróleo e antigos países comunistas que, depois da derrocada econômica pós-queda do muro de Berlim, tem gradativamente aumentado suas rendas nos últimos anos.

Líbia, Arábia Saudita e Rússia entraram no alto IDH na conta do petróleo. O preço médio do barril saltou de US$ 41,47 para US$ 56,60 entre 2004 e 2005 - uma valorização de 37%, segundo dados do Departamento de Energia dos Estados Unidos.

Com isso, a renda per capita desses países (ou seja, o Produto Interno Bruto, que é a soma de bens e serviços produzidos no país, dividido pelo número de habitantes) cresceu com força.

Na Rússia, a renda subiu de US$ 9.902 para US$ 10.845. A Rússia, aliás, é ao lado do Brasil, a outra representante dos Bric grupo de grandes emergentes que reúne ainda China e Índia - no alto desenvolvimento humano.

Na Arábia Saudita, que detém 25% das reservas provadas de petróleo no mundo, a commodity responde por quase metade (45%) do PIB do país. Na Líbia - país africano onde o petróleo responde por 95% das exportações e 25% do PIB - uma questão diplomática ajudou no avanço. A economia foi beneficiada pelo fim do isolamento internacional do país a partir de 2003, quando o governo aceitou publicamente a culpa pelos atentado a bomba que explodiu um jato da PanAm em Lockerbie (Escócia) em 1988. Em 2005, empresas americanas de petróleo voltaram a operar na Líbia.

Albânia e Macedônia se aproximam da União Européia
Os preços do petróleo também ajudaram a ex-república soviética Bielorrússia, cujo território é cortado por um gasoduto que leva gás da Rússia para a Europa Ocidental. Apesar das recentes disputas com os russos sobre as tarifas de gás (posteriores a 2005, ano de referência do IDH) e da ausência de democracia, políticas de redistribuição de renda garantem ao país uma das menores desigualdades do mundo.

A lista dos que entraram no alto IDH este ano é completada por Albânia e Macedônia, também ex-comunistas e países vizinhos. A Albânia saiu de 40 anos de comunismo como um dos países mais pobres da Europa. Porém, recentemente, tem se beneficiado de uma aproximação com a União Européia (UE).

A Macedônia, por sua vez, é a única ex-república iugoslava que escapou da guerra civil quando houve a desintegração da Iugoslávia. E, desde 2005, é candidata oficial a entrar na UE

O Globo, 28/11/2007, Economia, p. 21-22

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