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Na Amazônia de lá

FSP, Ilustrada, p. C1
25 de Fev de 2016

Na Amazônia de lá

SYLVIA COLOMBO
DE SÃO PAULO

Os dois principais concorrentes ao Oscar de melhor filme estrangeiro tratam de temas considerados batidos no cinema. Mas, assim como o húngaro "O Filho de Saul" oferece uma abordagem original sobre o Holocausto, o colombiano "O Abraço da Serpente" trata de uma viagem à selva de modo pouco usual.
Antes de mais nada, por ser um filme em preto e branco. "Mostrar a exuberância das cores numa floresta seria o lugar-comum e desviaria a atenção da história fundamental, a do encontro que ocorre ali", afirma à Folha o diretor Ciro Guerra, 35.
A trama se passa em dois tempos. Em 1909, quando o etnólogo alemão Theodor Koch-Grunberg conhece o xamã Karamakate em sua juventude. E, depois, em 1940, quando o biólogo norte-americano Richard Evan Schultes refaz a viagem anterior e encontra um Karamakate já mais velho, com as convicções do passado, mas com mais vivência. O índio é o último representante de sua tribo, que foi dizimada por exploradores da borracha.
A história se baseia nos diários e cartas escritos pelos dois brancos durante suas estadas na Amazônia colombiana, cujo objetivo era encontrar a yakruna, uma erva com poderes de cura e de "fazer sonhar".
Embora apoiado em fatos reais, muito do enredo é ficcionalizado, e a história política da Colômbia é sugerida como pano de fundo. O ponto de vista é o de quem vive na selva, quase como se o tempo e a política dos brancos ocorresse em um outro plano.
A floresta, por sua vez, é um elemento vivo, que emite sons e gera deslumbramento e medo em proporções parecidas.
"Quis construir a história como um encontro entre estudiosos, entre pessoas que se dedicam ao conhecimento, sendo brancos vindos da cidade, dos EUA ou da Europa, ou indígenas", conta Guerra.
A indicação de "O Abraço da Serpente", que já havia sido exibido no festival de Cannes no ano passado, coroa um bom momento do cinema colombiano, que vem se fazendo cada vez mais presente no circuito europeu de mostras.
O fenômeno está relacionado à criação de uma lei de incentivo que direcionou recursos para a área, mas também a um clima de otimismo que vive uma nova geração de criadores e artistas, da qual Guerra faz parte.
"Eu nasci numa Colômbia em guerra, e agora estamos vendo uma esperança de que ela termine. E com isso vem uma vontade de redescobrir o país, ir a cantos dele nunca visitados, ou não tanto como deveríamos. Faz parte de uma busca de identidade de minha geração."
FARC
Atualmente, o governo colombiano trabalha na finalização de um acordo de paz previsto para ser assinado com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no mês que vem. O fim do conflito com a guerrilha significará uma recuperação do acesso a grandes territórios do país, muitos deles na região da selva.
"Os colombianos não tem a mesma relação com a nossa parte da Amazônia como o Brasil tem com a de vocês."
Sobre a indicação, Guerra afirma não alimentar muita expectativa. "Estar entre os cinco já é um grande avanço. Nunca estivemos no mesmo nível de outras cinematografias da América Latina, como a argentina ou a mexicana. Essa indicação já coloca o cinema colombiano em outra posição. Estar na festa do Oscar é um grande reconhecimento."
Além do favorito, o húngaro "O Filho de Saul", "O Abraço da Serpente" concorre com os longas "Theeb", da Jordânia, "Guerra", da Dinamarca, e "Cinco Graças", da França.

crítica
'O Abraço da Serpente' poderia ser bom, mas diretor o torna artificial

SÉRGIO ALPENDRE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O premiado terceiro longa de Ciro Guerra, "O Abraço da Serpente", tem sido anunciado como um marco para o cinema colombiano devido ao seu grande sucesso, além da indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
As duas coisas só ocorreram, provavelmente, porque o filme foi muito bem recebido em Cannes, em 2015, do qual saiu com o prêmio da Quinzena dos Realizadores, vitrine para o cinema dito autoral.
Já sabemos que, hoje em dia, premiações de espécie alguma tem a ver com qualidade, e talvez seja o caso de também nos perguntarmos o que a plateia que o ovacionou em Cannes viu de fato.
Porque este filme sobre uma história passada no século 20, entre brancos e um índio, na Amazônia colombiana, não tem nada de especial.
A história fala do índio Karamakate, único sobrevivente de sua tribo, e de seu envolvimento, num intervalo de 40 anos, com dois cientistas que buscam uma planta medicinal da região, muito rara.
O primeiro deles é Theo (Jan Bijvoet), baseado no cientista alemão Theodor Koch-Grunberg (1872-1924). O segundo é Evan (Brionne Davis), o americano Richard Evans Schultes (1915-2001).
Ambos escreveram diários que serviram de base para o roteiro ficcional do próprio Ciro Guerra, com o auxílio de Jacques Toulemonde Vidal.
O jovem Karamakate (Nilbio Torres), inicialmente desconfiado, passa aos poucos a ajudar Theo, mesmo notando que o cientista nem sempre é cordial com os índios de outras tribos da região.
O velho Karamakate (Antonio Bolivar) é naturalmente mais sábio e menos desconfiado. Ele ajuda Evan a refazer a seu modo o caminho percorrido por seu antecessor.
Quem não ajuda muito é o próprio Guerra. Em vez de fazer um interessante mergulho na cultura indígena e na natureza da Amazônia, prefere imprimir artificialismo.
'EU SOU ARTISTA'
Por que filmar em preto e branco? A fotografia grita "eu sou artista" o tempo todo, como num filme de Lav Diaz ou Raya Martin. De que modo isso contribui ao drama que está sendo narrado?
Um outro aspecto é a falta de ritmo em alguns momentos de seus longos 125 minutos. Isso provoca buracos nos quais o sono é quase irresistível.
A se ressaltar o trabalho dos atores. Bijvoet é o protagonista do elogiado "Borgman" (2013), inédito no Brasil. Torres e Bolivar são amadores e têm seus primeiros papéis no cinema. Essa escolha provoca um contraste com a artificialidade reinante.

O ABRAÇO DA SERPENTE
(El Abrazo de la Serpiente)
DIREÇÃO: Ciro Guerra
ELENCO: Nilbio Torres, Antonio Bolivar, Jan Bijvoet, Brionne Davis
PRODUÇÃO: Colômbia/Venezuela/Argentina, 2015, 10 anos
QUANDO: estreia nesta quinta (25)

FSP, 25/02/2016, Ilustrada, p. C1

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/02/1742852-filme-sobre-amaz…

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