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Mudancas na matriz energetica

GM, Opiniao, p.A3
Autor: BIAGI FILHO, Maurilio
24 de Jun de 2004

Mudanças na matriz energética
O Banco Mundial está para anunciar uma decisão histórica: não vai mais financiar projetos de produção de petróleo, gás e carvão. A medida, recomendada em recente relatório do banco, deverá vigorar a partir de 2008, mas sinaliza para que lado pendem as instituições financeiras globais. Preocupadas com o desequilíbrio do meio ambiente planetário, elas tendem para as fontes energéticas renováveis. O prazo, 2008, é sintomático: conecta-se com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, que recomenda a redução nas emissões de gases poluentes. Ainda pouco perceptível, há no mundo uma marcha inexorável rumo ao cumprimento do Protocolo de Kyoto, o mais importante pacto ecológico firmado no planeta. Mesmo nos Estados Unidos, cujo governo se negou ostensivamente a subscrever esse megaacordo antipoluição, observam-se diversos sinais de racionalidade. Dois exemplos: primeiro, por determinação da Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla de Environmental Protection Agency) dos Estados Unidos, as refinarias norte-americanas estão aptas a reduzir drasticamente o potencial poluidor das gasolinas que produzem. A média deve cair de 120 partes por milhão (ppm) de enxofre em 2004 para 90 ppm em 2005 e 30 ppm em 2006. Os padrões novos para a gasolina farão com que as emissões dos veículos sejam 95% mais limpas do que as dos veículos atuais. Segundo, a agência ambiental norte-americana está trabalhando em conjunto com 47 países na montagem de um sistema de partilha de informações relativas ao meio ambiente. O sistema, de nome Earth Observation System (EOS), permitirá a troca de informações sobre clima e tempo, além de outros dados que melhorariam o padrão de controle da qualidade da vida na Terra. Os pessimistas ou os que se consideram realistas podem me acusar de ingenuidade, mas não nos deixemos enganar pelas aparências. A rede da EOS pode ser encarada como (mais) um instrumento de "controle" dos norte-americanos sobre o mundo, mas não estamos de mãos amarradas, não paramos de pensar e podemos, por exemplo - como faz o governo Lula -, trabalhar pela união dos inconformados com o excessivo poderio ianque. A invasão militar do Iraque comandada pelo governo norte-americano pode dar a impressão de que o petróleo é o combustível do século XXI. Mas a recente alta dos preços petrolíferos só veio confirmar o que sabemos há décadas: o modelo energético vigente na maioria dos países tem dias contados. Não é novidade que governantes, técnicos e empresários de todo o mundo já perceberam que a única saída a curto prazo é produzir combustíveis a partir da biomassa. O Brasil é referência nesse aspecto. Os países que têm território e clima favorável - casos da Índia, China e Austrália - estão entrando para valer na era do álcool. Os países europeus e o Japão talvez venham a importar álcool do Brasil, se soubermos fazer a coisa certa neste momento crucial. Por isso afirmo que nós brasileiros deveríamos preocupar-nos menos com o imperialismo americano e mais com nossa mania de não acreditar em nossa própria cultura. Chega de ficar esperando que os países ricos, supostamente mais bem preparados, venham dizer o caminho que devemos seguir. Já disse e repito: a globalização da economia tem de ser caminho de mão dupla. O Brasil chegou ao fim do século XX na vanguarda de um profundo processo de reciclagem energética. Deixando de lado nosso potencial para a produção energética de origem hídrica, quero lembrar que desenvolvemos um fantástico projeto agroindustrial que começa no plantio de cana-de-açúcar e termina numa ampla rede de postos de abastecimento de veículos. Entre as duas pontas desse projeto estão a fabricação de álcool, o aproveitamento do bagaço (como insumo energético), da palha e da vinhaça (como insumos agronômicos) e a preparação de motores especiais, aptos a consumir álcool ou gasolina. Nenhum país chegou ao ponto em que chegamos. O que falta é fazer a autocrítica do processo e estabelecer programa de trabalho para os próximos decênios, quando se agravará a crise do atual modelo energético do mundo. O modelo brasileiro não é bom apenas para o Brasil. Pode ser bom para o mundo. É exportável de ponta a ponta. Já vendemos alguns itens dessa tecnologia genuinamente brasileira, mas poderíamos ir muito mais longe. A abundância dos recursos naturais brasileiros nos garante privilégio de depender do petróleo muito menos do que outros países. Por que não aperfeiçoar e exportar o nosso modelo? É hora, por exemplo, de ser agressivo quando surge uma brecha como a anunciada pelo Banco Mundial. Ainda que continue por algum tempo dando empréstimos a projetos de exploração de combustíveis fósseis, o banco tende a restringi-los, ao mesmo tempo que abre a porta para financiamento de projetos alternativos.
kicker: A única saída a curto prazo é produzir combustíveis a partir da biomassa
Maurilio Biagi Filho - Presidente da Cia. Energética Vale do Sapucaí (Cevasa) e da Usina Moema, conselheiro da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica), membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo federal (CDES).)

GM, 24/06/2004, p. A3

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