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Mudança a passos lentos

OESP, Especial, Vida, p. H1-H6, H8
04 de Set de 2008

Mudança a passos lentos
O desenvolvimento sustentável está no discurso de empresas, mas, no dia-a-dia, agir desse modo ainda é desafio

Giovana Girardi

A palavra está na boca do empresário, do banqueiro, do distribuidor de combustível. Está registrada em alimentos, cosméticos, propaganda dos mais diversos produtos e em mais de 4 milhões de páginas na internet. Sustentabilidade. O consumidor tem ficado atento e quer produtos que tenham essa "marca", enquanto as empresas já notaram que podem aumentar seu valor de mercado com isso. Mas será que a palavra, e o conceito que ela carrega, são bem compreendidos? E, mais do que isso, o que de fato é atitude concreta e o que é apenas marketing para ficar bem diante do mercado consumidor?

Nas últimas semanas, essas perguntas foram levadas pelo Estado a especialistas do mercado financeiro, de empresas e de instituições que estudam o tema e prestam consultoria sobre ele. A resposta em todos os casos foi quase sempre a mesma: é um movimento que vem ganhando espaço no País entre o empresariado e o mercado financeiro, mas que só é bem compreendido por alguns poucos que se aprofundaram na questão.

Os especialistas acreditam que esse entendimento aos poucos está crescendo, mas afirmam que predominam ou projetos pouco impactantes ou uma noção puramente marqueteira (mais informações na próxima página) ou, ainda, a idéia de que se trata de um mal necessário.

A definição mais simples do conceito diz que, para uma ação ser considerada sustentável, ela tem de se basear no tripé "economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente correta". Na prática, no entanto, isso depende de uma reestruturação completa do sistema produtivo (mais informações na pág. 8) e de uma incorporação da mudança no centro do negócio.

"A produção de um produto sempre gera algum impacto social, ambiental e econômico. É sustentável quando esses impactos são benéficos para a sociedade e são equilibrados. Uma empresa estará promovendo a sustentabilidade quando produzir retorno para todos. Se for apenas para o acionista e não para as outras partes que são afetadas pelo seu negócio, então não funciona de maneira sustentável", explica o diretor-executivo do Instituto Ethos, Paulo Itacarambi.

Ele afirma que observar esse comportamento pode ser um caminho para o consumidor separar o joio do trigo. "Consideramos que uma atitude é para valer quando o tema entra na orientação de negócio e a empresa dá os passos para mudar seus processos produtivo, de gestão e de comercialização. É para valer quando deixa de ser uma preocupação paralela ao negócio e entra no seu núcleo, no ponto que dá resultado financeiro para a empresa."

"É quando, nas tomadas de decisão, a empresa passa a olhar para outras variáveis além da econômica. Aborda também as questões sociais e ambientais", complementa a diretora-executiva da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), Clarissa Lins.

O diretor do Ethos cita como exemplo algumas ações que podem ser tomadas pelo setor financeiro. "Quando um banco coloca como critérios para conceder um financiamento a análise do comportamento socioambiental de seu cliente, então é para valer. Porque está entrando no principal negócio do banco, e força a mudança de comportamento de quem está pedindo o financiamento. Do contrário, é cosmética."

INDICADORES

Segundo o coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, Mario Monzoni, não existe empresa sustentável. "Há, sim, um conjunto de critérios e indicadores, com razoável consenso, que pode servir de 'régua' para medir e avaliar se uma empresa adota estratégias e práticas que garantam a remuneração do capital ao mesmo tempo em que contribuem para a promoção do desenvolvimento sustentável", diz Monzoni. "Essa 'régua' contempla critérios que podem incluir políticas, instrumentos de gestão e desempenho econômico, social e ambiental; transparência e qualidade da prestação de contas de todos os seus impactos na sociedade e no meio ambiente; eqüidade entre acionistas ou proprietários; e até a natureza de seus produtos."

Ele se refere a uma série de critérios e indicadores que balizam o comportamento das empresas, como os questionários dos índices de sustentabilidade de bolsas de valores. A Bovespa, por exemplo, lista as companhias que obtêm as melhores notas em questionários sobre suas práticas socioambientais e de governança. Levantamento do Ibmec São Paulo observou que empresas incluídas nesse índice têm um valor de mercado até 19% maior do que aquelas que não estão atentas à questão.

Propósito semelhante têm os Indicadores Ethos, que funcionam como uma espécie de "fotografia" das práticas da empresa. "Eles medem o que a empresa faz de concreto para ter uma boa gestão. A idéia é que ela possa fazer uma leitura de suas relações com os vários atores que são afetados pelo seu negócio e, a partir daí, tenha como produzir metas", explica Itacarambi.

Estar no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bovespa, ou ter uma boa pontuação no Ethos ou ainda fazer relatórios de sustentabilidade dentro de um padrão de qualidade não garante, no entanto, que a empresa esteja fazendo tudo certo, explicam os especialistas. É só um caminho.

Novo PIB deve incluir indicador de felicidade

Giovana Giraldi e Andréa Vialli

O conceito de Produto Interno Bruto (PIB), usado como indicador de riqueza e crescimento econômico de um país, teria de ser revisto em um mundo que luta pelo desenvolvimento sustentável. Essa é a opinião do economista Hugo Penteado, do Banco Real e autor do livro "Ecoeconomia, uma nova abordagem".

Para ele, o número ignora os problemas causados pelo crescimento econômico. A métrica só contabiliza os ganhos, sem calcular, por exemplo, as externalidades, ou seja, os custos para o ambiente e a sociedade.

"Se um país destruir o ambiente, contaminar o solo e a água para poder crescer, esse impacto não é considerado pelo PIB", diz. "Por essa lógica, primeiro se cria um problema e depois buscam-se tecnologias para resolvê-lo. Em vez de evitar emissões de gases-estufa, por exemplo, criam-se tecnologias para o seqüestro de carbono."

"Foca-se no crescimento econômico, e ele nem sequer está trazendo satisfação pessoal. Vemos no mundo mais depressão, alcoolismo, suicídio", afirma Penteado. Tendo isso em mente, o centro de estudos britânico New Economics Foundation chegou a propor a criação de um indicador de planeta feliz (HPI, na sigla em inglês) para substituir o PIB. O índice mediria "a eficiência relativa com que nações transformam recursos naturais da Terra em vidas longas e felizes para seus cidadãos". Na prática, tentaria mostrar se a riqueza está sendo bem distribuída e traz felicidade para as pessoas em seu dia-a-dia.

A idéia de revisão do PIB também é apoiada pelo presidente francês Nicolas Sarkozy, que encomendou a tarefa a um grupo de 25 cientistas, entre eles os ganhadores do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz (2001) e Amartya Sen (1998). A proposta, a ser apresentada até junho de 2009, deve não só contabilizar os ganhos econômicos, mas levar em conta atividades que promovam desenvolvimento sem exaurir os recursos naturais e tragam melhoria da condição de vida.

Parece, mas não é: como identificar o falso sustentável
Só plantar árvore ou criar coleta não garante resultado

No balaio do falso sustentável, há pelo menos dois comportamentos distintos que têm em comum o fato de não contribuírem de verdade para uma mudança de paradigmas. Um é o do empresário "ingênuo", que até quer fazer algo, mas não se informa sobre o assunto, age de modo equivocado e acaba não contribuindo para uma modificação do processo. Outro é aquele que, apesar de adotar um discurso em que se define como sustentável, não age de acordo, mantendo velhos padrões de produção voltados apenas para o lucro dos acionistas.

É o que em inglês recebeu o nome de greenwashing, ou seja, lavar sua imagem dizendo que é uma empresa verde, mas que continua provocando impacto ambiental.

"Um dos modos mais comuns de fazer isso é, por exemplo, financiar uma ONG com alguma atividade ambiental para esconder que promove impactos pesados, como desmatamento, poluição", afirma Paulo Itacarambi, diretor-executivo do Instituto Ethos, ONG que trabalha com empresas para ajudá-las a gerir seus negócios de forma socialmente responsável.

"Nesses casos costuma-se investir em um marketing agressivo, mas ele é descolado da gestão. Essas informações não aparecem nos relatórios de sustentabilidade, não há transparência", comenta a diretora-executiva da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), Clarissa Lins.

No exterior, em especial nos países desenvolvidos, esse movimento já é tão disseminado que resultou numa lista dos "seis principais pecados do greenwashing", elaborada pela agência canadense de marketing ambiental TerraChoice.

Há 20 anos observando propagandas de apelo verde, a equipe da agência percebeu que o greenwashing cresceu à medida que aumentou o interesse do público por questões ambientais.

A análise das promessas nas embalagens de mais de mil produtos disponíveis em mercados americanos serviu de base para a definição dos pecados. O primeiro e mais comum é o dos malefícios esquecidos - produto destaca um benefício ambiental, como ser reciclável, mas não menciona quanta energia é gasta para sua produção, ou diz que é feito sem testes em animais, mas sua decomposição pode prejudicar a cadeia alimentar.

Outros problemas observados pela equipe são: falta de provas (como lâmpadas que anunciam maior eficiência energética sem apresentar qualquer estudo comprovando); promessa vaga (produto traz dizeres como "verde", "ambientalmente produzido" ou que é "livre de químicos" sem detalhamento); irrelevância (destaca um benefício que é uma obrigação, como ser livre de CFC, substância banida do mercado americano) e a mentira mesmo. O último é o chamado "pecado de dois demônios", que até traz alguns benefícios reais, mas em produtos cuja categoria é questionada, como cigarros orgânicos.

ERRO DE AVALIAÇÃO

Entre os "equivocados", explica Clarissa Lins, é comum a empresa confundir sustentabilidade com filantropia e assistencialismo, como adotar uma creche ou uma praça e dizer com isso que é sustentável. "Não adianta, por exemplo, plantar árvores, sem rever o nível das suas emissões de gases de efeito estufa, fazer gestão de resíduos ou diminuir o consumo de água."

Muitas estão ainda mais longe disso, porque nunca inventariaram suas emissões para identificar fontes onde é possível fazer reduções. Outras têm o dever de reduzir emissões estabelecido por órgãos ambientais, mas anunciam isso como se fosse uma posição inovadora da empresa. Nessa linha de contar vantagem em cima do cumprimento da lei também é comum ver empresas se vangloriando de respeitar a reserva legal e as matas ciliares, comentam especialistas ouvidos pelo Estado.

Ainda mais grave é fazer apenas algumas mudanças consideradas "cosméticas" sem observar o impacto de sua cadeia de produção. "De que adianta uma construtora, por exemplo, fazer um prédio com captação da água de chuva e aquecimento solar da água de chuveiro sem olhar para seus materiais. A madeira vem de desmatamento? A fabricação do aço tem trabalho escravo, a olaria usa trabalho infantil?", questiona Paulo Itacarambi, do Ethos.

Consumo consciente cresce na UE

O interesse dos consumidores europeus por produtos ambientalmente sustentáveis impulsiona o crescimento de setores da indústria e de serviços em até 40%. Atraídos pela consciência ecológica apurada da opinião pública e por iniciativas governamentais cada vez mais freqüentes, montadoras de veículos, fabricantes de
eletroeletrônicos e empresas de áreas tão diversas quanto cosméticos e limpeza
apostam fichas em produtos cada vez mais econômicos, recicláveis e menos poluentes

Critério ambiental na lista de compras
Ser um produto não agressivo à natureza faz parte de parâmetros de escolha de franceses

Andrei Netto

Pesquisas de opinião realizadas na França indicam que a atitude "eco-responsável", uma tendência já solidificada na Alemanha, espalha-se pelo continente e vai além da substituição de sacolas plásticas por sacos não perecíveis ou carrinhos de compras. O "comportamento cidadão", como vem sendo chamado, parte do princípio de que já é possível trocar produtos nocivos ao ambiente por equivalentes não tão agressivos. A única condição é que tenham preços competitivos e portem selos oficiais de responsabilidade ambiental. São conclusões de sondagens realizadas no país pelos institutos de pesquisas Aegis Média e Ifop .

Para 54% dos consumidores, o desenvolvimento sustentável já é um critério de compra. Destes, 22% consideram produtos não agressivos à natureza uma escolha prioritária. Na França, esse público, ainda limitado, mas em expansão, é composto por administradores, profissionais liberais, intelectuais e idosos, que consideram primordial a preocupação com o futuro do planeta. "Desde 2004, há 30% mais produtos ambientalmente corretos no mercado. Se há progressão de lançamentos, é porque há mercado. Em toda a Europa há um avanço considerável de produtos sustentáveis", diz Patrice Proia, responsável pelo Pólo Ambiental de Afnor, a empresa responsável pelas certificações reconhecidas pelo governo francês (NF Environnement e Éco-Label Européen).

Hoje, 200 empresas têm o direito de usar os selos no país, das quais 65 conquistaram a autorização em 2007 e outras 112 neste ano. Até dezembro, este grupo de grandes companhias deve despejar no mercado europeu o equivalente a 80 milhões de artigos. Na França, o aumento do número de produtos é da ordem de 30% em relação a 2004, quando o acompanhamento estatístico teve início no país. E só não é maior porque há apenas 50 famílias de produtos no mercado, ainda incompleto.

Artigos com um dos selos oficiais, homologados a partir de análises do ciclo de vida e do impacto que causam ao ambiente durante o uso, já compõem, por exemplo, 16% do mercado de tintas para construção civil - que era um vilão ambiental. Produtos à base de papel e defensivos agrícolas também estão entre os mercados mais avançados.

Por outro lado, só 2% entre artigos de limpeza e produtos têxteis são eco-responsáveis. "O consumidor francês passou de um estágio de baixa consciência, até 2003, para uma atitude de forte interesse em 2008. Hoje há um verdadeiro questionamento sobre o que compramos", afirma Catherine Husson-Traoré, diretora-geral da Novethic, empresa especializada em marketing ambientalista.

A consciência ambiental veio acompanhada de novas exigências, entre elas o custo. Para competir, os produtos precisam não só ser menos poluentes, mas ter preço justo. Na França, itens com selo ambiental competem com diferenças de preço irrisórias com rivais sem selo.

Mas as companhias estão traçando estratégias de marketing que não necessariamente condizem com a realidade. "Alguns fabricantes ainda não entenderam o real significado dos critérios ecológicos e apenas exploram o imaginário dos consumidores", explica Catherine. Nos supermercados de Paris, proliferam artigos "bio", sem direito de portar selos oficiais e entre 15% e 20% mais caros.

Bônus para carro menos poluidor

Na terra das Vélib, as bicicletas de aluguel que tomaram as ruas de Paris desde 2007, a compra de automóveis menos poluentes agora recebe um empurrãozinho do Estado. Desde janeiro, compradores de veículos poluentes - em especial picapes 4x4 - passaram a ser punidos com o aumento de impostos de até 2,6 mil no preço final. Em compensação, consumidores que escolherem carros leves, de menor potência, que emitam menos de 130 gramas de CO2 por quilômetro rodado, são recompensados por descontos que podem chegar a 5 mil.

A medida, chamada Bonus-Malus, surtiu efeito prático: nos primeiros oito meses do ano, a emissão de CO2 por novos automóveis vendidos na França caiu 9%. O resultado é melhor do que os objetivos estabelecidos pela União Européia para o período 2012-2020 e foi alcançado graças às mudanças de consumo - a venda de carros menos poluentes cresceu 45% e a dos mais potentes caiu 40%.

O efeito foi tamanho que o equilíbrio financeiro entre o bonus (desconto) e o malus (sobretaxa) ficou prejudicado. As estimativas mais recentes indicam que o governo terá de desembolsar 140 milhões para pagar os descontos concedidos além do previsto. Para o ministro do Meio Ambiente da França, Jean-Louis Borloo, o prejuízo pouco importa: "Estamos criando um novo modelo econômico, onde o preço não remunera apenas o capital e o trabalho, mas também o capital ambiental."

O impacto no meio automotivo francês foi imediato e até irônico. A publicidade do novo Porsche 911 - de alto desempenho e, portanto, mais poluente - não enaltece características do motor ou design e, sim, a queda de 15% nas emissões de CO2. Mas isso não garante desconto.

Inspirados pelo sucesso, os ministérios da Economia, do Orçamento e do Meio Ambiente da França estudam ampliar, em 2009, a gama de produtos atingidos pelos Bonus-Malus. Entre os segmentos em análise, estão o de refrigeradores, TVs, computadores e pneus. A decisão deve sair neste mês.

Atual matriz de produção pode levar a colapso
Pensamento econômico voltado só para crescimento está consumindo mais do que o planeta oferece

A discussão de sustentabilidade ainda está muito focada no valor econômico. Muitas empresas agem nesse sentido apenas porque é bom para a imagem, porque atrai mais investimento, mas falta mudar a estratégia de fazer negócio, o modelo corrente de produção.

Essa é a percepção dos especialistas ouvidos pelo Estado para as dificuldades que tornam o desenvolvimento sustentável um sonho ainda distante. "Ao querer somente um resultado melhor, muitos esquecem que é necessária uma mudança mental", comenta Roberta Simonetti, coordenadora do Programa de Sustentabilidade Empresarial do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas.

Segundo ela, um erro comum dos mais diversos setores é encarar suas ações como coisas isoladas, sem adotar um "olhar sistêmico para todas as suas relações". "Não existe sustentabilidade empresarial ou dos negócios, o que existe é a contribuição para o desenvolvimento sustentável como um todo."

O economista Hugo Penteado, do Banco Real, pondera que isso só será alcançado quando o pensamento econômico mudar. "Vivemos em um modelo que ignora os limites do planeta, em um mito de crescimento perpétuo, mas estamos caminhando para o colapso, como já ocorreu em outros episódios da história da humanidade", diz.

Autor do livro Ecoeconomia, uma Nova Abordagem, ele compara o momento atual com o que resultou no desaparecimento dos habitantes da Ilha de Páscoa, no século 13. As teorias mais recentes falam que eles entraram em colapso após esgotarem seus recursos naturais. "Eles fizeram isso em uma ilha. Estamos fazendo globalmente."

MAIS TRÊS TERRAS

Levantamento da ONG WWF divulgado em junho mostrou que, se toda a humanidade adotasse padrão de consumo semelhante ao do cidadão médio americano, seriam necessários cinco planetas para atender a demanda por recursos naturais. A elite brasileira não fica muito atrás. Se o mundo consumisse como as nossas classes A e B, seriam necessários três planetas. Por outro lado, se todos adotassem o padrão da Somália (África), precisaríamos de 0,22 planeta.

"O ser humano é vulnerável, ele depende do planeta. Não é a Terra que está ameaçada, são as pessoas. Temos de negociar com a Terra a nossa sobrevivência aqui", alerta Penteado. "A gente não cuida do outro, mas depende dele. Meu pulmão só se enche de oxigênio porque existe um ser vivo produzindo o gás."

O economista explica que a grande dicotomia que tem de ser resolvida é a do nosso modelo de produção versus processos naturais. "O sistema econômico é linear: extrai, produz, consome e descarta. A natureza é circular. Nossa economia é degenerativa, a natureza é regenerativa. Acreditamos em um crescimento exponencial, infinito, mas o planeta é finito. Enquanto essas características não forem incorporadas, continuaremos caminhando para o precipício. A humanidade só será sustentável quando mimetizar a natureza."

O quadro ao lado exemplifica o tamanho do problema. Ele foi elaborado com base no filme The Story of Stuff (A História das Coisas - www.storyofstuff.com), iniciativa da ambientalista americana Annie Leonard, que investiga há 20 anos sistemas de produção e despejo pelo mundo. Lançado no fim do ano passado, o filme já virou hit dos defensores da sustentabilidade por relatar os problemas de uma cadeia de produção linear, que extrapola os limites do planeta em todas as etapas.

No cerne da questão está o consumo exagerado. E nesse patamar, até a reciclagem se torna pouco impactante. "Ela é uma tentativa de imitar a natureza, portanto, bem-vinda, mas também demanda mais energia. A primeira postura é reduzir o consumo. Reutilizar e só reciclar quando necessário."

Produtos verdes conquistam o interesse de brasileiros
Demanda vai pressionar empresas a trilhar novo caminho

Se o modelo de consumo excessivo é um dos vilões do sistema, cabe ao consumidor mudar seus padrões. Além de reduzir seus próprios excessos, uma das maneiras de fazer isso é optar por produtos de empresas responsáveis socioambientalmente.

"A sociedade autorizou a falta de sustentabilidade; como mercado consumidor, vamos ter de desautorizar", afirma Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, ONG que defende o consumo consciente. "É a demanda do consumidor que vai fazer com que mais empresas invistam em trilhar um novo caminho", diz.

A pressão do público já começa a ser sentida. Pesquisa da consultoria Ernst & Young com 70 especialistas de todo o mundo detectou que os chamados consumidores radical greening (radicais verdes) já são considerados um dos riscos para o negócio, ao lado de mudanças na legislação e inflação, por exemplo, a ponto de influenciar o comportamento das empresas.

Aquelas que não se comprometerem com mudanças poderão ser banidas - as mais visadas são as de energia e do setor automobilístico. "As grandes redes de varejo também trabalham com a perspectiva de que cerca de 18% de seus consumidores fazem uma análise, mesmo que simples, da responsabilidade socioambiental dos produtos antes de escolherem qual levar", afirma o diretor de Sustentabilidade da Ernst & Young, Joel Bastos.

Em resposta, redes como Casas Bahia e Wal-Mart estão adotando o sistema de logística reversa, no qual o mesmo caminhão que entrega um produto ao consumidor já leva de volta as embalagens para reciclagem.

Há ainda alguns indicadores que podem auxiliar o consumidor em suas compras. Um deles é a Escala Akatu, que lista empresas que adotam boas práticas. Outro são os selos, como de produtos orgânicos. "O pessoal ainda reclama que orgânicos são mais caros, mas hoje se desperdiça, em média, 30% dos elementos perecíveis nas casas. Se reduzir isso, dá para comprar o orgânico", diz Mattar. Outro recurso é o Catálogo Sustentável (www.catalogosustentavel.com.br), da FGV, que indica produtos considerados sustentáveis.

OESP, 04/09/2008, Especial, Vida, p. H1-H6, H8

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