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Mudança climática e catástrofe da saúde

Valor Econômico, Opinião, p. A13.
Autor: LAGOS, Ricardo
09 de Out de 2018

Mudança climática e catástrofe da saúde

Ricardo Lagos

A mudança climática representa uma ameaça catastrófica à biodiversidade de nosso planeta, à integridade de nosso sistema econômico e até mesmo aos valores sobre os quais nossa humanidade compartilhada é construída.
Como mostra o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), essa ameaça é muito real e estamos perdendo a batalha para manter o aumento da temperatura próximo à meta do Acordo Climático de Paris de 1,5 0 C.
Este não é um desafio que pode ser deixado para os cientistas do clima e defensores do meio ambiente - é uma batalha à qual todos aqueles que têm interesse em nossa sobrevivência futura devem se unir. A questão da nossa existência a longo prazo neste planeta depende disso. A mudança climática ameaça o enorme progresso feito em saúde e desenvolvimento no último meio século; ameaça reverter os ganhos obtidos através dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio; e ameaça minar todos e quaisquer esforços para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - relacionados à saúde ou não.
Mas isso não é apenas uma preocupação para o futuro. O impacto da mudança climática na saúde da humanidade já está acontecendo. A força do furacão Florence e do supertufão Mangkhut; as ondas de calor que vimos nos últimos meses na Califórnia e no Hemisfério Norte - elas representam o novo normal. Elas são mais extremas, duram mais e vão mais longe por causa da mudança climática.
Estes não são apenas incidentes isolados. A tendência de longo prazo mostra que cada vez mais pessoas estão sendo expostas a ondas de calor à medida que o clima da Terra muda. Em 2016, mais de 150 milhões de pessoas foram expostas a ondas de calor com condições que ofereciam risco de vida, e a ameaça é particularmente aguda para os jovens, os idosos, os deficientes e os pobres.
O efeito físico do aumento das temperaturas levou milhões de pessoas a abandonar o trabalho em 2016, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 7 milhões de vidas são perdidas todos os anos devido à poluição causada e exacerbada por uma das principais fontes da mudança climática: a queima de combustíveis fósseis.
Desastres naturais relacionados ao clima também aumentaram, com uma estimativa de 22,5 milhões de pessoas deslocadas anualmente como resultado. Adicione a isso o aumento dos períodos de transmissão de doenças infecciosas e as diminuições no rendimento das culturas básicas e é possível ver até que ponto as mudanças climáticas já afetaram nossa saúde.
No futuro, a Organização Mundial de Saúde prevê que os custos financeiros da saúde de um clima cambiante sejam estimados em US$ 2 a 4 bilhões por ano até 2030 e, se não mudarmos o curso, pode-se esperar que as mudanças climáticas causem aproximadamente 250 mil mortes por ano entre 2030 e 2050 - a maioria das quais ocorrerá no mundo em desenvolvimento.
Estes são números medonhos que contam a história humana da mudança climática. Se quisermos manter e aproveitar os ganhos obtidos para o bem-estar humano nos últimos 50 anos, devemos enfrentá-los com a máxima urgência.
Enfrentar este desafio exigirá a vontade política de comprometer investimentos financeiros substanciais em infraestruturas de saúde resilientes ao clima. Isso significa incorporar a mitigação, a reação e a adaptação à mudança climática no planejamento de saúde de longo prazo, e garantir que as políticas ambientais e econômicas estejam centradas nas necessidades de saúde.
Os Elders acreditam que uma parte importante deste investimento precisa ser direcionada para a Cobertura Universal de Saúde (UHC), pois estamos convencidos de que a prestação de cuidados de saúde universais é um dos mais importantes impulsionadores do desenvolvimento e um meio crucial para combater os impactos da mudança climática.
A profissão de saúde e o sistema de saúde devem estar na vanguarda dessa luta. A comunidade de saúde pública deve avançar e colocar o clima na vanguarda de sua própria agenda. Ela deve estar embutida em todas as decisões gerenciais, todas as reformas políticas, todos os julgamentos médicos que a profissão de saúde faz - porque não fazê-lo seria minar suas nobres ideias de segurança pública, bem-estar dos pacientes e prevenção de problemas de saúde.
Isso significa abordar o impacto climático do próprio sistema de saúde, assim como a necessidade de fornecer cuidados focados no clima e planejar políticas resilientes ao clima. Não devemos esquecer que o próprio sistema de saúde é um grande contribuinte para a mudança climática.
Uma maneira prática de enfrentar as mudanças climáticas e a saúde ao mesmo tempo é parar de subsidiar produtos prejudiciais, como os combustíveis fósseis, e redirecionar parte desse dinheiro para o financiamento da UHC resistente ao
Isso resolveria as conseqüências para a saúde do uso de combustíveis fósseis, em vez de exacerbá-los, e é a medida da iniciativa necessária para levarmos a sério o entendimento da saúde como um direito humano em um mundo sitiado pela mudança climática.
O potencial aumento do preço da energia ao consumidor desencadeado pela redução dos subsídios aos combustíveis fósseis significa que muitos governos estão preocupados com os custos políticos da implementação dessa política. Eles temem perder a popularidade e, portanto, votos. Mas as rápidas reformas universais de saúde são populares em todo o mundo: adoçar a pílula de preços mais altos de energia redirecionando os fundos para a cobertura gratuita de saúde é uma estratégia política inteligente.
Além disso, essa política "ganha-ganha" oferece aos governos a oportunidade de abordar vários dos ODS simultaneamente, reduzindo a pobreza, melhorando a saúde, combatendo a desigualdade e combatendo as mudanças climáticas.
Nossa saúde: como comunidade e como indivíduos; tanto mental quanto física - esses são os campos de batalha da linha de frente da luta da humanidade contra a mudança climática. É uma luta da qual ninguém pode ficar de fora e que será vencida ou perdida pelos responsáveis pela nossa saúde, tanto quanto pelos responsáveis pelo meio ambiente e pela economia.

Ricardo Lagos é ex-presidente do Chile e membro do The Elders.

Valor Econômico, 09/10/2018, Opinião, p. A13.

https://www.valor.com.br/opiniao/5912437/mudanca-climatica-e-catastrofe…

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