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MPF pede à Funai 'imediata' anulação da diretriz que proíbe viagens de servidores a terras indígenas em demarcação

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil
03 de Dez de 2019

MPF pede à Funai 'imediata' anulação da diretriz que proíbe viagens de servidores a terras indígenas em demarcação
Decisão deixa sem assistência ao menos dez Terras Indígenas e milhares de nativos sem proteção; Defensoria Pública da União assina documento que cobra proteção aos povos

Daniel Biasetto

RIO - O Ministério Público Federal ( MPF ) e a Defensoria Pública da União ( DPU ) protocolaram nesta terça-feira um pedido de recomendação à Fundação Nacional do Índio ( Funai ) para anular 'imediatamente' a nova diretriz que passou a proibir os deslocamentos para Terras Indígenas (TIs) não homologadas ou regularizadas e que garanta a prestação de serviços aos povos indígenas , independente de estarem em TIs com o processo de demarcação concluído.
O documento endereçado ao presidente Marcelo Augusto Xavier da Siva e protocolado pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata de populações indígenas e comunidades tradicionais, pede que a Funai "revogue imediatamente qualquer ato normativo ou decisão administrativa interna que impeça ou restrinja o deslocamento de servidor ou de equipe técnica da Fundação ou a prestação de serviços de assistência a comunidades indígenas sob o fundamento de que a respectiva terra não se encontra homologada ou regularizada".
O MPF e a DPU pedem ainda que a Funai informe as providências adotadas para proibir as viagens e o envio de toda a documentação que sustente a diretriz determinada por Marcelo Augusto. Entre as 15 recomendações que faz à fundação, a ação conjunta dá prazo de cinco dias úteis para que a Funai cumpra os requisitos.
"Que a Funai garanta, no âmbito das suas atribuições institucionais, a prestação de todos os serviços devidos aos povos indígenas, independentemente de estarem presentes em TIs, em igualdade de condições em relação aos povos com territórios já homologados ou regularizados, abstendo-se de adotar qualquer conduta discriminatória que negue seus direitos", diz o documento.
A recomendação, datada do dia 2 de dezembro, é assinada pelo secretário-geral de Articulação Institucional e defensor nacional de Direitos Humanos do DPU, Renan Vinicius Sotto Mayor e Eduardo Nunes de Queiro, respectivamente; e pelo coordenador da 6ª Câmara do MPF, o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Alpino Bigonha.
Entre as considerações enumeradas à Funai, a ação cita a proteção conferida aos indígenas pelo art. 231 da Constituição Federal, além das declarações das Organização da Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre os direitos dos povos indígenas.
E reafirma que compete à Funai "primordialmente atender aos indígenas, independentemente do status fundiário de seus territórios".
Procurada, a Funai ainda não se manifestou.
Índios isolados
Na sexta-feira, O GLOBO revelou que despachos internos da Funai proibiram servidores de viajarem para regiões que não tivessem o processo de demarcação concluídas, o que deixa sem atendimento milhares de nativos. A medida vai deixar ao menos dez Terras Indígenas (TIs) com povos isolados desprotegidas .
Os despachos assinados pela chefe de gabinete da presidência da Funai, Glécia de Jesus Tolentino, negavam pedidos de viagens para várias coordenadorias regionais. A decisão cita memorando enviado aos servidores pelo presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva.
Em nota, a Funai afirmou que "a negativa de autorizações de deslocamento para terras indígenas que não sejam regularizadas ou homologadas ocorre em virtude das restrições orçamentárias desta Fundação". Segundo o órgão, os povos em locais "formalmente constituídos" têm preferência nos gastos públicos.
A determinação da Funai de proibir as viagens a terras não homologadas ou regularizadas acaba por prejudicar os processos de demarcação e licenciamento ambiental, que dependem das informações levantadas por eles. A homologação e a regularização são as etapas finais para a demarcação. Somente com esse processo, que precisa ter a assinatura do presidente da República, é que uma área passa a ser considerada de fato protegida.
Atualmente, de acordo com a fundação, 117 terras estão em estudo para serem homologadas ou regularizadas. Outras 118 estão ainda em processo, das quais 43 são delimitadas e 75 declaradas. Existe ainda a reivindicação de cerca de 500 áreas à espera de reconhecimento como terra indígena.
O Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul (MPF-MS) já tinha criticado a Funai por não ter autorizado uma viagem solicitada pela Coordenação Regional de Dourados (MS) e afirmou que estuda uma possível instauração de procedimento sobre discriminação étnica. "Cabe destacar que o referido memorando descumpre medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA em Guyraroka, que é uma área não regularizada".
Levantamento feito pelo GLOBO a partir de dados do Instituto Socioambiental ( ISA ) mostra, que das 54 terras com presença desses nativos, 44 estão com processo de demarcação concluído. As demais, todas elas na Amazônia, ficarão sem visitas de indigenistas e servidores que necessitam de autorização da fundação para continuar as expedições de localização e reconhecimento desses povos.
Dos 120 registros de índios isolados identificados pelo ISA na Amazônia, distribuídos em 86 territórios, 28 já tiveram presença confirmada de índios isolados e outros 92 permanecem em estudo e qualificação pela Funai. Com a nova orientação, 51 desses estudos serão interrompidos, e, dos 28 registros já confirmados, cinco deixarão de ser monitorados. A Constituição prevê que, quando é confirmada a existência de um povo indígena isolado, o Estado tem obrigação de protegê-lo.

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