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MP quer suspender a licença para expandir porto de São Sebastião

OESP, Metrópole, p. A10
25 de Dez de 2013

MP quer suspender a licença para expandir porto de São Sebastião
Promotorias estadual e federal enviaram dossiê para o Ibama; baía recebe desde o começo de 2012 uma força-tarefa de mais de 140 pesquisadores, de instituições como USP, Unicamp e Unesp, financiada pelo programa Biota, da Fapesp

Giovana Girardi, Enviada especial

SÃO SEBASTIÃO - A expansão do porto de São Sebastião, que recebeu a licença prévia do Ibama na semana passada, foi contestada pelos Ministérios Público Federal e Estadual de São Paulo. As promotorias enviaram em conjunto ao Ibama, na segunda-feira, um documento de 66 páginas com recomendações para que o órgão ambiental suspenda a licença.
O material já estava sendo elaborado há cerca de um mês com o intuito de pedir que a licença não fosse emitida, mas os promotores foram surpreendidos com a concessão, no último dia 17. A solicitação, agora, é para que ela seja suspensa enquanto a documentação, que reúne estudos de técnicos dos MPs e de cientistas, for analisada.
De acordo com os promotores há duas grandes questões a serem levadas em conta: o impacto ambiental à baía do Araçá, por onde boa parte do porto vai se expandir, e o planejamento do crescimento urbano de São Sebastião - primeiro com as obras e depois com a operação do empreendimento.
A baía, que reúne costões rochosos, manguezais e praias, recebe desde o começo de 2012 uma força-tarefa de mais de 140 pesquisadores, de instituições como USP, Unicamp e Unesp, financiados pelo programa Biota, da Fapesp, que estão estudando a biodiversidade da região, os serviços ambientais que ela presta e seu papel econômico e social.
O trabalho ainda está em andamento - e o Ministério Público recomenda no documento ao Ibama que se espere sua conclusão antes de definir se o porto pode se estender por ali. Mas pelos primeiros resultados os cientistas já podem dizer que o local tem uma alta riqueza de espécies, inclusive de peixes e outras espécies marinhas importantes para a alimentação e a economia local.
Além disso, micro-organismos que vivem na água realizam o importante papel de limpar o esgoto da cidade que ainda chega sem tratamento no mar. Com a construção da laje do porto sobre pilotis para a colocação de contêineres, essa função será interrompida e o mau cheiro vai se proliferar.
"A análise do Ibama foi feita somente com base nas informações levadas pelo empreendedor (a Companhia Docas, de São Paulo) com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Um dos nossos pedidos é que aguardem a conclusão da pesquisa no Araçá para poder definir", explica Maria Rezende Capucci, procuradora da República em Caraguatatuba.
Impactos cumulativos. Outra preocupação, explica Tadeu Badaró, promotor de Justiça de Ilhabela, é com o efeito sobre o crescimento da região. A estimativa, diz ele, é que a população de São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba e Bertioga, que hoje é de cerca de 280 mil pessoas, salte para 400 mil em 12 anos com a implementação não só do porto, mas de outros empreendimentos projetados concomitantemente.
São obras em fase de licenciamento ou já em operação no litoral norte, como o corredor de exportação para dar suporte à operação do porto, a duplicação da Tamoios, a criação do contorno sul e norte, obras do setor de óleo e gás e ampliação do pier da Petrobrás.
"Nesse caso não se pode só olhar para os efeitos do porto, mas de forma conjunta com outros empreendimentos que potencializam esses efeitos. São impactos cumulativos", diz Badaró. Segundo o promotor, esses dados não constam do EIA.
"Essas cidades já têm problemas com saneamento básico, um grande número de pessoas morando em situação de risco. Há uma escassez de áreas de planície para a ocupação humana segura. Não há muitos espaços livres, considerando as barreiras geológicas e restrições legais, como áreas de proteção ambiental. A conclusão é que não haveria capacidade de suporte para esse crescimento", afirma o promotor.
"Qual vazão de água necessária para abastecer essa população, de quais mananciais viria essa água? Não trazem resposta para isso nem para a moradia", complementa Badaró.
Impressão local. Esta visão é compartilhada pelo secretário de Meio Ambiente de São Sebastião, Eduardo Hipólito do Rego. "Vai ser uma calamidade, a cidade vai perder qualidade de vida. O projeto quando pronto vai ficar maior que São Sebastião", diz. Segundo ele, a prefeitura também já havia protocolado um documento junto ao Ibama pedindo que a licença não fosse concedida antes de essas questões serem respondidas.
Ciça Nogueira, líder comunitária dos caiçaras e coordenadora do movimento Apaixonados pelo Mangue, conta que a partir de 1987, quando um emissário submarino da Sabesp cortou a região, o Araçá foi sofrendo uma série de impactos com o despejo de esgoto. Mas que nos últimos anos a própria natureza conseguiu se recuperar. Hoje, afirma, não faltam peixes nem moluscos. "A maior prova é que os colhereiros voltaram", diz. A ave vermelha, que recebe esse nome pelo formato de colher do seu bico, é uma indicadora de qualidade ambiental, uma vez que não resiste à poluição.
A companhia Docas de São Sebastião afirmou em nota que não iria se manifestar sobre o assunto, "pois a licença prévia já foi emitida pelo Ibama".

'Podemos dizer que o Araçá está vivinho'

Giovana Girardi, Enviada especial

SÃO SEBASTIÃO - À primeira vista não é um lugar dos mais bonitos do litoral norte. A praia é lamosa, o cheiro meio ruim. A vida não é muito evidente. Tanto que no início de 2011 o prefeito de São Sebastião, Ernane Primazzi (PSC), chegou a decretar a morte da baía do Araçá.
A comunidade científica reagiu. Pesquisas realizadas ao longo das cinco décadas anteriores haviam descoberto que ali viviam mais de 700 espécies, principalmente no substrato, como moluscos e crustáceos. Isso em somente um terço da baía, a faixa entre marés.
Diante da declaração do prefeito, os pesquisadores se viram diante do desafio de responder se a região estava realmente morta e estender a investigação para toda a bacia, analisando não só sua biodiversidade como também a hidrodinâmica, transporte de sedimentos, as interações da cadeia alimentar, a relação com a população e a dinâmica pesqueira, além dos serviços ecossistêmicos.
Mais de 140 pesquisadores ligados a um megaprojeto do programa Biota, da Fapesp, começaram a pôr o pé na lama no ano passado e já estão confirmando suas suspeitas. "Sem ainda analisar todos os dados, já podemos dizer que o Araçá está vivinho, continua com uma alta biodiversidade", resume a pesquisadora Cecília Amaral, do Instituto de Biologia da Unicamp e líder do projeto.
Em cerca de um ano e meio foram identificadas cerca de 430 espécies, sendo 100 de peixes e 30 de aves. A maioria, cerca de 300, vive no substrato arenoso e/ou lamoso, nos costões rochosos e no manguezal. A quantidade de peixes, aliás, surpreendeu os pesquisadores.
"A minha primeira impressão da baía também foi de que aquele era um ambiente meio fedido, desprovido de vida. Mas o resultado das coletas foi surpreendente para um ambiente sob forte pressão antrópica. A cada campanha de coleta encontrávamos espécies diferentes. Vimos garopas, robalos, peixe-borboleta, raias de 20 centímetros de diâmetro a apenas 30 centímetros de profundidade. A variedade é muito maior do que se percebe só de olhar para o local", afirma o pesquisador Riguel Contente, especialista em peixes do Instituto Oceanográfico da USP.
Ele explica que o local funciona como uma espécie de refúgio para sardinhas. "Em determinadas épocas do ano, há entradas de cardumes imensos, com quantidades elevadíssimas de indivíduos juvenis." O canal de São Sebastião é muito profundo, com até 40 metros de profundidade, mas a baía do Araçá é mais rasa, então os cardumes com indivíduos juvenis procuram o lugar para se proteger dos predadores. Na visão dos pesquisadores, a construção do porto como é desenhado hoje poderia levar à perda desse habitat.
Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP, destaca o papel de limpeza que a baía promove no esgoto da cidade que chega sem tratamento ao mar. "O que estamos vendo é que esse ambiente tem vários valores e funções. As pessoas que vivem ali percebem isso, não só hoje, mas historicamente. A gente quer qualificar a discussão sobre o uso dessa região, para que seja mais sábia."
Impactos cumulativos. Outra preocupação, explica Tadeu Badaró, promotor de Justiça de Ilhabela, é com o efeito sobre o crescimento da região. A estimativa, diz ele, é que a população de São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba e Bertioga, que hoje é de cerca de 280 mil pessoas, salte para 400 mil em 12 anos com a implementação não só do porto, mas de outros empreendimentos projetados concomitantemente.
São obras em fase de licenciamento ou já em operação no litoral norte, como o corredor de exportação para dar suporte à operação do porto, a duplicação da Tamoios, a criação do contorno sul e norte, obras do setor de óleo e gás e ampliação do pier da Petrobrás.
"Nesse caso não se pode só olhar para os efeitos do porto, mas de forma conjunta com outros empreendimentos que potencializam esses efeitos. São impactos cumulativos", diz Badaró. Segundo o promotor, esses dados não constam do EIA.
"Essas cidades já têm problemas com saneamento básico, um grande número de pessoas morando em situação de risco. Há uma escassez de áreas de planície para a ocupação humana segura. Não há muitos espaços livres, considerando as barreiras geológicas e restrições legais, como áreas de proteção ambiental. A conclusão é que não haveria capacidade de suporte para esse crescimento", afirma o promotor.
"Qual vazão de água necessária para abastecer essa população, de quais mananciais viria essa água? Não trazem resposta para isso nem para a moradia", complementa Badaró.
Impressão local. Esta visão é compartilhada pelo secretário de Meio Ambiente de São Sebastião, Eduardo Hipólito do Rego. "Vai ser uma calamidade, a cidade vai perder qualidade de vida. O projeto quando pronto vai ficar maior que São Sebastião", diz. Segundo ele, a prefeitura também já havia protocolado um documento junto ao Ibama pedindo que a licença não fosse concedida antes de essas questões serem respondidas.
Ciça Nogueira, líder comunitária dos caiçaras e coordenadora do movimento Apaixonados pelo Mangue, conta que a partir de 1987, quando um emissário submarino da Sabesp cortou a região, o Araçá foi sofrendo uma série de impactos com o despejo de esgoto. Mas que nos últimos anos a própria natureza conseguiu se recuperar. Hoje, afirma, não faltam peixes nem moluscos. "A maior prova é que os colhereiros voltaram", diz. A ave vermelha, que recebe esse nome pelo formato de colher do seu bico, é uma indicadora de qualidade ambiental, uma vez que não resiste à poluição.
A companhia Docas de São Sebastião afirmou em nota que não iria se manifestar sobre o assunto, "pois a licença prévia já foi emitida pelo Ibama".

OESP, 25/12/2013, Metrópole, p. A10

http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,mp-quer-suspender-a-licenca-pa…

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