VOLTAR

MP entra na crise da CNTBio

OESP, Vida, p. A16
30 de Mai de 2006

MP entra na crise da CNTBio
Procuradora acompanha reuniões de grupo responsável por liberação de pesquisas e comércio de transgênicos

Lígia Formenti

Um clima de levante e indignação tomou conta da última reunião da Comissão Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável pela liberação de pesquisas e comércio de organismos geneticamente modificados. Representantes da comunidade científica na comissão, já descontentes com o ritmo lento na avaliação dos processos, foram surpreendidos com a chegada de uma representante do Ministério Público (MP) para acompanhar e fiscalizar as discussões.

Formalmente, a procuradora da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público da União, Maria Soares Cardioli, foi escalada para acompanhar as reuniões em cumprimento ao que determina a lei. Para muitos cientistas, no entanto, sua função é tumultuar e intimidar. As reações foram imediatas. Não foram poucos os cientistas que externaram sua contrariedade. "A senhora não é bem-vinda", teria dito um dos integrantes da CTNBio.

A chegada da representante do Ministério Público arremata uma insatisfação que há um ano toma conta da comunidade científica. Depois da Lei de Biossegurança, que determinou novo formato para CTNBio, as reuniões tiveram de ser suspensas. Foram retomadas somente um ano depois, em dezembro, com a regulamentação da lei. Nesse período, mais de 500 processos, entre autorizações de pesquisa, revalidação de protocolos e liberação no mercado de transgênicos, ficaram parados aguardando avaliação.

Em fevereiro, com a nomeação do professor da Universidade de São Paulo Walter Colli para a presidência da CTNBio, a esperança tomou conta dos pesquisadores. Em pouco tempo, eles já estavam impacientes.

"As discussões estão emperradas. Um grupo que notadamente está lá para atrapalhar, fica se atendo a picuinhas, e não se avança no principal", desabafa o pesquisador Edilson Paiva, integrante da CTNBio. Dos 500 processos, uma parte já foi liberada. "Mas tudo burocrático", afirma.

Com a Lei de Biossegurança, a composição da CTNBio foi ampliada: de 18 titulares, a comissão passou a ter 27. "Na prática, as reuniões contam com 54 integrantes, porque os suplentes também se manifestam. A natureza do assunto já é polêmica. E com mais integrantes as discussões são mais complexas e demoradas", afirmou o secretário-executivo da CTNBio, Jairon Nascimento.

Tentando acalmar os ânimos, ele afirma que em pouco tempo a produtividade das reuniões será acentuada. "Precisamos rever as instruções normativas", afirmou. "Mas isso é temporário. Em breve os projetos importantes começarão a ser analisados", completou.

Edilson Paiva, no entanto, afirma que o grupo dos impacientes é grande. "Estamos perdendo um tempo precioso para o País. Dentro de algum tempo, a pesquisa brasileira vai perder o bonde. Não vamos saber nem por onde começar", afirmou. Para Paiva, que é pesquisador da Embrapa, a estratégia de lentidão é capitaneada por um grupo que ele define como ambientalistas entre aspas. "Eles querem vencer pelo cansaço. Muitos pesquisadores já pensaram em ir embora. Ninguém tem tempo a perder", disse.

A estratégia, no entanto, pode trazer conseqüências negativas. "Ambientalistas querem que provemos a segurança dos transgênicos. Mas emperram os estudos, que seriam feitos por instituições públicas. Teríamos com isso um fator de equilíbrio, segurança."

Além da indignação, a pesquisadores se sentiram intimidados com uma exigência feita pela procuradora Maria Soares. Ela determinou que integrantes da CTNBio fizessem uma declaração de conflito de interesse. Processos em que pesquisadores não poderiam atuar porque teriam vinculação com a instituição de pesquisa ou o cientista envolvido no assunto. Muitos ameaçaram não assinar a declaração. Na sexta, no entanto, todos assinaram o documento - em duas versões: uma do MP e outro feito por integrantes da comissão.

Maria Soares garante que seu papel é apenas de fazer cumprir a lei. E não sabe explicar ao certo por que somente agora, 11 anos após a criação da CTNBio, o MP decidiu acompanhar as discussões. "Talvez seja porque agora elas tomaram corpo", arriscou.

A procuradora não quis comentar sobre a primeira reunião. A vários interlocutores confessou que o encontro foi "constrangedor e deselegante." Ao Estado, limitou-se a dizer que, com o tempo os integrantes vão se acostumar. "Não estamos lá para atrapalhar. Apenas para somar."

Burocracia emperra até pesquisa básica
Mesmo simples mudança de lugar de laboratório depende de autorização

HERTON ESCOBAR E LÍGIA FORMENTI

Os debates mais acirrados da CTNBio quase sempre referem-se à liberação comercial de plantas transgênicas produzidas por multinacionais. Mas a pesquisa básica brasileira também sofre.

Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), cientistas do Departamento de Genética precisavam da autorização da CTNBio para importar uma dúzia de sementes geneticamente modificadas de Arabidopsis thaliana, uma planta modelo de laboratório usada no mundo inteiro. O pedido foi feito no fim do ano passado.

"Já desistimos", conforma-se o pesquisador Daniel Scherer de Moura, que coordena o projeto. Em vez disso, a equipe está tentando produzir as próprias sementes, a um custo de tempo muito maior. As que viriam dos EUA já teriam alguns genes desligados, envolvidos na síntese de um grupo de peptídeos hormonais. Os cientistas usariam as plantas modificadas para entender melhor a função de cada molécula. Tudo dentro do laboratório. "Não há nenhum uso para isso em campo, mas como as sementes são geneticamente modificadas, têm de passar pela CTNBio", explica Moura.

No Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) da Embrapa, em Brasília, o pesquisador Eduardo Romano precisa da autorização da CTNBio para mudar de lugar o Laboratório de Biologia Molecular Vegetal. Ainda não fez o pedido, mas sabe que a espera será longa. "A coisa está péssima", disse.

O pesquisador da Embrapa e integrante da CTNBio, Edilson Paiva, lamenta o atraso na análise para liberação comercial do milho transgênico e da liberação para estudo em campo de sementes de algodão e soja modificada. "São mais de 200 projetos de liberação planejada emperrados", afirma.

"Em vez de aproveitar o desenvolvimento destas espécies em instituições públicas, o Brasil irá acabar caindo nas mãos de empresas privadas internacionais, que ditarão preço e ofertarão um produto que talvez não seja o mais apropriado às condições do País", diz Paiva.

OESP, 30/05/2006, Vida, p. A16

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.