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Movimentos sociais alertam para risco de projeto de lei que libera compra de terras para estrangeiros

Cimi- http://www.cimi.org.br
05 de Ago de 2016

Mais de 20 movimentos sociais divulgaram nesta quinta (4) uma nota em que alertam à sociedade brasileira sobre os riscos trazidos pelo Projeto de Lei (PL) 4059/2012, que pretende liberar a aquisição irrestrita de imóveis rurais pelo capital estrangeiro. A proposta tramita em regime de urgência na Câmara de Deputados e insere-se no conjunto de iniciativas prioritárias que a bancada ruralista pretende aprovar para retirar direitos de povos indígenas, quilombolas e camponeses e liberar terras para a exploração pelo agronegócio.

Em lugar do respeito aos direitos territoriais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, e em lugar da produção de alimentos saudáveis e sem veneno para a população em geral, uma das pautas prioritárias da bancada ruralista pretende liberar terras para o capital estrangeiro e intensificar a produção das chamadas commodities agrícolas (soja, milho, cana de açúcar, entre outras), monoculturas produzidas com grande volume de agrotóxicos e voltadas à exportação e à negociação no mercado financeiro.

Parte da pauta ruralista

Proposto há quatro anos pela Comissão de Agricultura, Pecuária e Abastecimento Rural, o PL 4059 foi inserido no conjunto de projetos e emendas expostas pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) em sua Pauta Positiva para o Biênio de 2016-2017. A pauta foi apresentada para o presidente interino Michel Temer e utilizada como moeda de troca pela bancada ruralista - que reúne cerca de 200 deputados financiados pelas grandes empresas do agronegócio - na votação da abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

A pauta da FPA inclui outros dispositivos que pretendem aniquilar os direitos constitucionais dos povos indígenas, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que visa inviabilizar as demarcações de suas terras tradicionais e permitir a revisão e a exploração de terras já demarcadas, e o estabelecimento da tese do "marco temporal" como parâmetro para as demarcações.

Desde que Rousseff foi afastada, os ruralistas vêm cobrando a conta do governo interino, exigindo a revogação das esparsas portarias de demarcação de terras indígenas publicadas pelo governo Dilma antes do afastamento.

Na manhã de quinta, representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) convocaram uma coletiva de imprensa, para falar sobre os riscos que o PL 4059/2012 apresenta à população brasileira em geral e, especialmente, às populações em situação de conflito e insegurança territorial, como no caso dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

Na coletiva, o secretário adjunto do Cimi, Gilberto Vieira dos Santos, destacou o fato de que estes projetos são interligados e compõem uma pauta única que tem como finalidade a liberação de terras para a exploração do agronegócio.
"Além do PL 4059, estão outras propostas como a PEC 215, que abre a possibilidade não só da paralisação das demarcações de terras indígenas, de titulação de terras quilombolas e da criação de unidades de conservação, mas, na prática, também abre a possibilidade do avanço do capital para essas áreas que não foram ainda efetivamente demarcadas", afirmou Gilberto Vieira, citando também a Portaria 611, de maio de 2016, na qual o ministro interino da Justiça, Alexandre de Moraes, congela os gastos da pasta por 90 dias e, na prática, inviabiliza a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça (MJ).

MATOPIBA: destruição do cerrado com ajuda do capital internacional

Defendido pelo ruralista Blairo Maggi (PP), Ministro da Agricultura do governo interino, o PL 4059/2012 tem potencial para tornar ainda mais danosos projetos como o Programa de Desenvolvimento Agrário (PDA) MATOPIBA, criado em 2015, ainda no governo de Dilma Rousseff, e capitaneado pela então ministra Kátia Abreu (PMDB).

Definido pelos povos indígenas e comunidades tradicionais como um projeto de destruição, o Matopiba tem como finalidade a expansão do agronegócio sobre o Cerrado e compreende áreas dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA).

Os 73 milhões de hectares abrangidos pelo projeto cobrem uma área na qual existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação ambiental, 865 assentamentos rurais e 34 territórios quilombolas - sem contar os territórios dos povos indígenas e quilombolas que ainda estão em processo de demarcação, titulação ou que poderiam servir para a reforma agrária, os quais o MATOPIBA pretende ceder para o agronegócio monocultor e exportador de commodities agrícolas.

Considerado o "berço das águas" por abastecer três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Araguaia-Tocantins, São Francisco e Paraná) e alguns dos maiores aquíferos do mundo, o Cerrado já sofre as consequências da recente expansão do agronegócio na região, com o desmatamento e o desaparecimento cada vez mais intenso de rios e nascentes - uma média de dez por ano.

"É desta realidade que estamos falando, algo que é concreto. A gente não está falando de água só para a agricultura ou para o camponês, mas para a população em geral, inclusive a urbana, além dos animais e da natureza", afirmou Gilberto Vieira.

Em função da própria crise mundial da água e da dificuldade de produção agrícola em outras regiões do mundo, o PDA MATOPIBA tem atraído interesse internacional. Arábia Saudita, Emirados Árabes, Índia e China estão entre os países que, visitados em 2015 pela então ministra Kátia Abreu, demonstraram interesse na nova frente de investimentos, destrutiva para os povos originários e para o Cerrado. Sua atuação pode vir a ser facilitada caso o PL 4059 seja aprovado.

Soberania alimentar e territorial

O PL 4059/2012 pretende regulamentar o artigo 190 da Constituição Federal, que dispõe sobre a venda de propriedades rurais brasileiras para estrangeiros. Atualmente, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2010, veda esta prática.

Na entrevista coletiva, Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, explicou que este projeto pode colocar em risco a soberania alimentar do Brasil. "A justificativa de que esse projeto de liberar as terras para os estrangeiros sem limites traria mais créditos para o agronegócio brasileiro, o que é uma falácia e uma mentira. O agronegócio brasileiro é o mais financiado do mundo. O capital nacional joga em torno de 200 bilhões por ano para o agronegócio, enquanto a agricultura familiar recebe apenas 30 bilhões por ano. Liberando as terras para eles, podemos sofrer consequências gravíssimas do ponto de vista da segurança alimentar, da soberania nacional e das intervenções em nosso território", afirmou na coletiva.

"Vender terras públicas significa vender biodiversidade, água, bens naturais, subsolo e o controle de nosso território ao capital estrangeiro. A venda dessas terras vai beneficiar somente o grande capital nacional e transnacional. Isso significa nenhum benefício para agricultura do país, para a produção de alimentos saudáveis, para a preservação dos recursos naturais, ou para nossa economia. Ao mesmo tempo em que abre a possibilidade de compra ilimitada pelos estrangeiros, temos o direito à terra negado a milhões de brasileiros", afirmam as diversas entidades que assinam a nota contra o PL 4059.

"A agricultura familiar e camponesa produz em torno de 70 a 75% dos alimentos do Brasil. O agronegócio produz veneno e commodities agrícolas, e é tudo para exportação. O agronegócio emprega máquinas e apenas um trabalhador por hectare. Naquele mesmo hectare, com a agricultura familiar, poderíamos estar gerando em torno de nove a dez empregos, com maior diversidade e maior cuidado com a terra", completa Alexandre Conceição, do MST.

Leia, abaixo, a íntegra da nota divulgada pelos movimentos, coletivos e pastorais sociais.

Nota dos Movimentos Populares em alerta à sociedade contra a venda de terras para estrangeiros
Em defesa do território nacional

Nós, movimentos de trabalhadores do campo e entidades abaixo assinados, viemos a público alertar à sociedade em geral, às empresas e o poder público sobre as ameaças veiculadas no dia 19 de julho pela imprensa de que o governo golpista e ilegítimo do presidente em exercício, Michel Temer, e sua base de apoio planejam alterar a legislação para que estrangeiros possam adquirir, sem limites, terras no país.

Está na pauta do Congresso Nacional o PL 2289/2007, de autoria de Beto Faro (PT/PA), que regulamenta o Art.190 da Constituição Federal no que se refere à aquisição ou arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira. A Comissão de Agricultura, Pecuária e Abastecimento Rural da Câmara de Deputados, composta majoritariamente pela bancada ruralista, somou a este projeto o PL 4059/2012. Contrário ao primeiro projeto de lei, o PL 4059 libera a aquisição irrestrita de terras para o capital estrangeiro.

Atualmente, a compra de terra por estrangeiros encontra limites. É possível a aquisição de até três módulos rurais, sem qualquer condicionalidade. Acima deste número é necessária a aprovação da compra pelo Estado Brasileiro, com limite de 50 módulos para pessoa física e 100 para pessoa jurídica. A PL 4059/12 visa retirar estas restrições. De grande interesse da bancada ruralista, o PL deve ser submetido à votação em regime de urgência nos próximos dias.

Vender terras públicas significa vender biodiversidade, água, bens naturais, subsolo e o controle de nosso território ao capital estrangeiro - este que não tem nenhuma identidade e compromisso com os interesses do povo brasileiro. A venda dessas terras vai beneficiar somente o grande capital nacional e transnacional. Isso significa nenhum benefício para agricultura do país, para a produção de alimentos saudáveis, para a preservação dos recursos naturais, ou para nossa economia. Ao mesmo tempo em que abre a possibilidade de compra ilimitada pelos estrangeiros, temos o direito a terra negado à milhões de brasileiros.

O Ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP) justificou que a alienação de terras ao capital estrangeiro permitirá que os bancos estrangeiros financiem a lavoura dos grandes proprietários, e em caso de prejuízo, eles teriam direito a ficar com a terra. Sabemos que o sistema financeiro nacional tem oferecido crédito suficiente para todas as atividades do agronegócio. Sabemos também que a acumulação de terras e recursos naturais é estratégica para o acúmulo ilimitado pelo capital.

Conclamamos ao povo brasileiro, o Itamaraty e os parlamentares progressistas que ajudem a derrubar integralmente o PL 4059/2012, apoiado por um governo golpista e temporário e que atuemos para atualizar a Lei 5709/1971 de acordo com a realidade agrária e política do país. Ajudem a defender a soberania nacional.

Alertamos aos potenciais compradores de terras do capital estrangeiro que, nós, os movimentos de trabalhadores/as do campo, não admitiremos essa possibilidade e, em caso de se consolidar a medida 'vende-pátria' do governo golpista, transformaremos essas áreas em prioridade número um de nossas ocupações, para destiná-las à reforma agrária, como determina a Constituição brasileira.

Por esta razão, os movimentos populares e organizações do campo denunciam a ação da bancada ruralista e do ilegítimo presidente Michel Temer em desnacionalizar a terra brasileira e comprometer os bens naturais em razão do lucro. Esperamos contar com adesão de demais movimentos e setores da sociedade na assinatura desta nota e no empenho comum nas ações em defesa do território nacional.

Em defesa de nosso território a serviço dos interesses do povo brasileiro! Pela soberania da terra e do alimento pelo povo brasileiro!

Contra as medidas do governo golpista, que só defende o lucro e o interesse do capital estrangeiro.

Brasília, 04 de agosto de 2016.

Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (ADERE-MG)
Central dos Movimentos Populares (CMP) Centro Brasileiro de Solidariedade e Luta pela Paz (Cebrapaz)
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (Conic)
Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq)
Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de Minas Gerais (FERAEMG)
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf)
Levante Popular da Juventude
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Sindicato dos Empregados Rurais da Região Sul de Minas Gerais (SERRSMG/CUT)
Sindicato dos Empregadores Rurais de Conceição de Rio Verde (MG)
Sindicato dos Empregadores Rurais do Município de Carmo de Minas (MG)
Via Campesina do Brasil

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