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Morre ambientalista que se queimou

OESP, Vida, p.A10
14 de Nov de 2005

Morre ambientalista que se queimou
Francisco Anselmo de Barros viveu ainda 24 horas depois de ter o corpo todo queimado em protesto contra usinas em MS
João Naves de OliveiraEspecial para o Estado
CAMPO GRANDE - O jornalista e ambientalista Francisco Anselmo de Barros, de 65 anos, morreu ontem quase 24 horas depois de atear fogo ao próprio corpo. Por volta de 11h30 de sábado, ele jogou gasolina sobre dois colchonetes, ateou fogo e cobriu-se com eles. Foi um protesto contra a instalação de usinas de álcool e açúcar na Bacia do Alto Paraguai, região pantaneira de Mato Grosso do Sul. A morte deixou perplexos amigos e políticos, que agora torcem para que o gesto influencie a política ambiental do Estado.
O sepultamento de Francelmo, como era chamado, foi realizado no fim da tarde de ontem e acompanhado por centenas de simpatizantes da causa ecológica. O ambientalista era presidente da Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul (Fuconams). A entidade será agora dirigida pelo vice-diretor, Jorge Gonda, para quem o gesto do ambientalista não foi impensado. "Será difícil encontrar um homem como Francelmo, dedicado ao meio ambiente mais do que à própria vida. Vou tentar exercer o cargo com a mesma responsabilidade", disse Gonda.
O prefeito de Campo Grande, Nelson Trad Filho, acredita que o caso vai se transformar em referência para o Pantanal. "Ficamos perplexos com esse gesto extremo. A ideologia e a coragem do ser humano nunca podem ser desrespeitadas."
A opinião do ex-governador de Mato Grosso do Sul Wilson Barbosa Martins é semelhante. "Francelmo foi vítima de um Estado voltado para a política partidária. Foi um gesto raro no Brasil de hoje. Um gesto de homem devotado, de moral e patriótico", afirmou.
A esperança de amigos e alguns políticos locais é que o caso ajude a impedir a instalação de usinas na região. O primeiro secretário da Assembléia Legislativa, Ary Rigo, acredita que talvez o gesto tenha sido impensado, mas que qualquer parlamentar que estiver a favor do projeto, vai pensar muito antes de votá-lo. "De agora em diante, a política ambiental poderá tomar novos rumos no Estado", afirmou Rigo.
O senador Juvêncio César da Fonseca reessaltou que o Estado perdeu um dos seus mais atuantes ambientalistas e também aposta em uma mudança de rumo na política ambiental. "Esperamos que a atitude de Francisco Anselmo, possa comover aqueles que ainda resistem e defendem as agressões ao meio ambiente."
A ex-secretária estadual de Cultura Idara Duncan chegou a chorar ao dizer que o jornalista era um herói. "Nele a chama ecologista foi a chama da própria vida. Viver por um ideal e morrer por ele, o que é incompreensível para o mundo materialista", disse Idara.
Alcides Faria, diretor da ONG Ecologia e Ação, disse que conhecia Francelmo havia 25 anos, sempre lutando pela conservação e preservação ambiental. Ele lembrou que na década de 80 uma das lutas do grupo era contra os caçadores de jacarés, cuja pele era cotada em dólar no exterior. "Foi uma luta e tanto, como outras contra a implantaçãoda Usina Bodoquena em Miranda e outras mais", disse. "A ideologia do ambientalista é a vida. Eu até estava imaginando na última audiência pública que participei com Francelmo sobre destilarias no Pantanal: o Estado não reconheceu o esforço desse homem."
A família, em choque, não fez comentários. Demonstrando indignação e muita tristeza, principalmente a mulher, Iracema Sampaio de Barros, também militante ecologista, a família ficou no velório.
PROJETOS
O projeto de lei que permite a implantação de destilaria no Pantanal de MS é o 170/05, proposto para aprovação dos deputados, pelo governador José Orcírio Miranda dos Santos. Será votado nesta semana, depois da realização de três audiências pública sobre o assunto. A última, que teve a participação de Barros, ocorreu na quarta-feira, quando o presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Casa, deputado Onevan de Matos (PDT) adiantou que na CCJR o projeto não será aprovado.
A proposta contraria a resolução 001/85 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que suspende a concessão de licenças ambientais para usinas nas bacias hidrográficas sob influência do Pantanal. O projeto do Executivo fere ainda a Lei Nacional de Recursos Hídricos (no 9.433/97), que estabelece diretrizes para gestão dos recursos hídricos no Brasil. O governador defende o projeto de leite, argumentando que existem tecnologias avançadas para evitar danos ao ambiente e que a medida permitirá a geração de emprego e renda em nove municípios da região.
TRAJETÓRIA
A Fuconams, fundada por Francisco Anselmo Barros, é uma das primeiras entidades de defesa do meio ambiente do País. Ele também foi jornalista, ocupou cargos no Conselho Municipal de Controle Ambiental, foi membro da Associação Brasileira dos Jornalistas de Turismo, da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg), diretor-executivo da Editora Saber Ltda., diretor-executivo da Associação de Fomento e Apoio às Artes e a Cultura em Geral.
Sua militância ambiental era bastante ampla. Ele era filiado ao Fórum Brasileiro de ONGs, à Associação Brasileira de ONGs e participante da Rede Rios Vivos, Rede Pantanal, Rede Aguapé de Educação Ambiental, Rede Cerrado, Instituto Socioambiental, WWF, Conservation International e SOS Mata Atlântica. Além desses cargos, acumulava a função de coordenador do Fórum de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Mato Grosso do Sul e de Fórum de Defesa do Pantanal.
A Fuconams passa agora a ser dirigida por Gonda, que também era amigo de Francelmo. Gonda é engenheiro e também já foi diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), na seccional de Mato Grosso do Sul. Ele também já exerceu funções como membros de conselhos municipais e estaduais de meio ambiente.

OESP, 14/11/2005, p. A10

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