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Miopia burocratica

JB, Outras Opinioes, p.A9
Autor: GALVEAS, Ernane
09 de Mar de 2004

Miopia burocrática

Ernane Galvêas
Consultor econômico
A propensão dos órgãos governamentais para achacar os contribuintes não tem limites, como se pode observar pela constante elevação da carga tributária. A cada dia, inventa-se um novo imposto ou uma nova contribuição.
Passou de algum modo despercebida a Lei Federal no 9.985, sancionada em 2000, e regulamentada pelo decreto presidencial no 4.340, de 2002. Essa nova disposição legal criou uma denominada ''compensação ambiental'', que consiste na tributação de qualquer empreendimento que tenha significativo impacto no meio ambiente, de acordo com os critérios técnicos dos órgãos responsáveis pelo licenciamento.
À primeira vista, ninguém percebeu o absurdo representado pela nova legislação, que instituiu o Sistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), transferiu para o empreendedor a ''obrigação de apoiar a implantação e manutenção'' dessas unidades e estabeleceu, para tanto, um ônus equivalente, no mínimo, a 0,5% do custo total do investimento. Conveniente ressaltar que como o máximo não foi definido, pode-se chegar a valor realmente absurdo, calculado de forma unilateral e discricionária.
É fora de dúvida que a abundante legislação federal, estadual e municipal sobre meio ambiente está fazendo a burocracia perder a cabeça, na aplicação dos dispositivos sobre compensação ambiental. São leis que apresentam lacunas flagrantes e permitem decisões arbitrárias com base em critérios subjetivos, concebidos por funcionários de visão limitada, quando não avessos aos benefícios proporcionados pelos projetos econômicos, públicos ou privados.
Vejamos um caso de óbvia incompetência burocrática: há uma lei da Municipalidade de São Paulo que regula a execução de obras em terrenos destinados à construção de casas populares. A prefeitura tem um programa de construção de casas populares totalizando 5 mil habitações. Surgiu, logo no início, o bloqueio administrativo que impede a realização do primeiro conjunto habitacional de 420 unidades. A Cia. De Desenvolvimento Habitacional do Governo do Estado de São Paulo pagou R$ 1 milhão para construir esse primeiro conjunto. O local tem 531 árvores, das quais 431 precisariam ser cortadas. De acordo com a avaliação de danos, seriam necessárias de quatro a 42 mudas por árvore para compensar o corte. Assim, precisariam ser plantadas 5.736 mudas, a um custo de mais de 1 milhão de reais, valor bastante superior ao custo da obra.
Contribuiu para a paralisação de todo o projeto a exigência de que as empresas construtoras ficassem responsáveis pelo replantio das árvores e por sua manutenção durante dois anos seguidos. Ocorre que não há proteção suficiente contra o roubo de protetores metálicos e a depredação das mudas. Desse modo, a elevação do custo real é difícil de calcular.
Balanço final: a defesa do meio ambiente, interpretada por burocratas de visão curta, inviabiliza a construção de 5 mil habitações populares, que seriam ocupadas por pelo menos 15 mil pessoas.
É fácil perceber a enorme contradição que está havendo entre a política econômica do governo, buscando por todos os meios estimular os investimentos produtivos e a geração de empregos, e a forma insidiosa com que alguns setores vêm, sub-repticiamente, atuando em sentido contrário. O resultado das atividades econômicas no ano passado, com uma retração de 0,2% no PIB nacional, deixa claro que é hora de retomar o crescimento. A Lei Federal 9.985/2000 está, claramente, na contramão dos projetos anunciados pelo presidente Lula.
Ernane Galvêas, consultor econômico da CNC, é ex-ministro da Fazenda

JB, 09/03/2004, p. A9

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