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Ministro nega evidências e insiste que cana não chegou à Amazônia

O Globo, Economia, p. 40
29 de Jul de 2007

Ministro nega evidências e insiste que cana não chegou à Amazônia
Potencial para cultivo no Pará é superior à área total plantada no país

Liana Melo

Apesar das evidências em contrário, apresentadas pela própria Companhia Nacional de Abastecimento (Conab),
vinculada à sua pasta, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, insiste em afirmar que a cana-de-açúcar ainda não chegou à Amazônia.

- Não existe cana na Amazônia. Não temos conhecimento de nenhum projeto na região, nem recente nem antigo - disse o ministro, dando respaldo à tese de que a cana se mantém longe da floresta, como quer fazer crer o presidente Lula.

Interessado em transformar o etanol numa futura commodity, o governo decidiu proibir por lei o plantio em território amazônico, para responder a questionamentos internacionais. Em um ano, deverá ficar pronto o mapa do zoneamento agrícola para a cultura de cana. O país será dividido em três regiões: onde é possível plantar cana, onde o plantio está terminantemente proibido e onde o governo pretende criar incentivos federais específicos para estimular à plantação em áreas degradadas, com pastagens.

- O zoneamento vai proibir qualquer possibilidade de plantação de cana no bioma amazônico e no bioma do Pantanal - afirmou Stephanes.

O governo está trabalhando com o conceito de bioma amazônico, já que, segundo o ministro, a Amazônia Legal é apenas uma mera figura administrativa para viabilizar financiamento da Superintendência de Desenvolvimento Amazônico (Sudam) à região.

Estudos confirmam vocação econômica do Pará

Perguntado se o zoneamento iria incidir sobre projetos já existentes, Stephanes negou, mais uma vez, a existência de cana na Amazônia. Não bastassem os dados oficiais da Conab indicarem crescimento do plantio em áreas de floresta, pesquisas acadêmicas confirmam a vocação de estados, como o Pará.

O estado tem potencial para ser um dos maiores produtores de etanol do Brasil, concluiu a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade São Paulo (USP). Só na terra já desmatada, a área própria ao cultivo pode chegar a nove milhões de hectares. A título de comparação, o país possui hoje 6,6 milhões de hectares plantados de cana.

- A produção no Pará tem boas condições de produtividade, custos de mão-de-obra, de terras e de logística, com potencial para tornar-se uma das mais competitivas plataformas de exportação. O Pará, com um única usina, apresenta uma produtividade de cana mais compatível com o CentroSul do que com o Nordeste, o que evidencia o potencial do estado - analisou Catarina Rodrigues Pesso, coordenadora geral da pesquisa "Produção de Etanol: Uma Opção Competitiva para o Aproveitamento de Áreas Plantadas no Leste do Pará".

Cana-de-açúcar da Amazônia é para exportação

A cana do Pará tem condições de aumentar a produção brasileira de álcool em 136%. Não é à toa que a era dos biocombustíveis chegou com força total na Amazônia Legal. A quantidade de distribuição das chuvas foi apontada como um dos fatores mais relevantes para a avaliação do potencial de desenvolvimento da cultura da cana no estado.

- Não temos dúvidas de que o Pará provavelmente terá a plataforma de exportação do etanol mais competitiva do Brasil, que propiciará os maiores lucros para os investidores - concluiu a pesquisa da Esalq.

Não temos conhecimento de nenhum projeto de cana-de-açúcar na Amazônia. Os dados oficiais indicam que a cana ainda não chegou a essa região"
REINHOLD STEPHANES Ministro da Agricultura

No exterior, etanol tem imagem comprometida
Governo tenta blindar o produto contra possíveis acusações

O governo Lula tem pressa em limpar a imagem dos canaviais brasileiros. A cana-deaçúcar está associada a trabalho degradante, de um lado, e a desmatamento, de outro. Com predicados como esses, o temor do governo é de que os países ricos inviabilizem o projeto nacional de transformar o Brasil num dos maiores celeiros de biocombustíveis do mundo. O cenário internacional é propício para isso: petróleo caro, temor com a segurança energética e preocupação com o aquecimento global.

Ao afirmar que a cana não chegou à Amazônia, o governo tenta blindá-la contra possíveis barreiras não-tarifárias - limitações impostas por alguns países para brecar a entrada de produtos no seu mercado. As primeiras barreiras já começam a ser levantadas. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)
afirmou recentemente que a segurança alimentar será ameaçada com o avanço da cana no território nacional. (Liana Melo)

'Proibir é fácil, difícil é fiscalizar'
Paulo Adário

O avanço da cana sobre a Amazônia Legal está deixando os ambientalistas em estado de alerta. A preocupação do coordenador da Amazônia do Greenpeace, Paulo Adário, é que o governo vem negando a existência de canaviais na região só para evitar pressões internacionais ao etanol verde-amarelo.

Liana Melo

O GLOBO: O governo federal insiste em negar a existência de cana na Amazônia. Como o senhor avalia esse tipo de estratégia?
PAULO ADÁRIO: O temor do governo Lula é de que o mercado internacional levante barreiras não-tarifárias ao etanol brasileiro, caso o produto seja confundido com a Amazônia, considerada a jóia da coroa ambiental do planeta. Isso é totalmente equivocado.

Mas não é isso que os países ricos fazem para proteger suas economias?
ADÁRIO: Só que a afirmação de que não existe plantio na Amazônia demonstra uma intenção precipitada de dissociar a cana e, conseqüentemente, o etanol, do desmatamento. Com isso, o presidente Lula acabou incorrendo em dois erros ao mesmo tempo. O primeiro deles foi demonstrar total falta de conhecimento da realidade brasileira. O segundo é que ele deveria estar preocupado em evitar o avanço, não em negá-lo.

Mas o senhor considera que a cana já é hoje uma ameaça à floresta amazônica?
ADÁRIO: Ainda não é, mas pode vir a ser muito rapidamente até porque estamos falando de um país com sérios problemas de governança. Hoje, a cana é apenas uma ameaça indireta. A febre do etanol vai, num primeiro momento, provocar uma expansão mais acelerada na região Centro-Sul. Com isso, será inevitável que a pecuária migre ainda mais para a Região Norte aumentando a pressão sobre a floresta. O desmatamento hoje já é de
70 milhões de hectares. Nosso desmatamento já é do tamanho de países como a França.

O senhor acredita que a expansão da cana pode provocar problemas de segurança alimentar?
ADÁRIO: Não tenho a menor dúvida. O Brasil está correndo o sério risco de virar um país dividido entre a soja e a cana.

A intenção do governo é proibir a plantação de cana no bioma amazônico. O senhor acha que esse tipo de medida é suficiente?
ADÁRIO: Não sei se o governo tem condições de fazer valer a proibição do plantio de cana. Criar leis novas é fácil, difícil é fazê-las serem cumpridas. Como ele pretende fiscalizar? Não basta proibir, é preciso inibir o plantio. Acredito que seria bem mais eficiente se o governo fechasse a torneira dos bancos públicos e parasse de liberar financiamentos. Só assim seria possível inibir novos projetos. Além do mais, como nega a existência de cana na Amazônia, o governo não disse ainda o que pretende fazer com a cana que já está lá.

O Globo, 29/07/2007, Economia, p. 40

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