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Mineração em áreas indígenas: entenda os argumentos de quem é contra e de quem é a favor

O Globo, Brasil, p. 9
11 de Mar de 2022

Mineração em áreas indígenas: entenda os argumentos de quem é contra e de quem é a favor
Projeto que prevê liberar atividades econômicas nas reservas indígenas terá, nos próximos dias, um grupo de trabalho formado por 20 deputados

Eduardo Gonçalves e Lucas Altino
11/03/2022

Depois que a Câmara aprovou regime de urgência para o projeto que prevê liberar atividades econômicas, como a extração de minério, nas reservas indígenas, nos próximos dias, um grupo de trabalho formado por 20 deputados - 13 da base governista e 7 da oposição - irá avaliar os pontos negativos e positivos do texto. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), favorável à aprovação, admitiu que o texto deve sofrer alterações. Os argumentos que deverão pesar na discussão incluem o de técnicos e parlamentares, favoráveis e contrários à proposta, ouvidos pelo GLOBO.

Entusiastas do texto apresentam como argumento principal a favor do projeto é que o texto irá regulamentar uma atividade que já ocorre clandestinamente dentro das reservas indígenas, e por isso, só tem contribuído para fortalecer o crime organizado que a sustenta.

- O objetivo é legalizar a coisa toda. Hoje, todas as riquezas extraídas das terras indígenas estão indo embora do país, sem que se pague nenhum imposto e que isso volte às comunidades em educação e saúde. O Parlamento tem a possibilidade de estancar essa situação e regulamentar, dizer que agora terá regras - afirma o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Sergio Souza (MDB-PR), para quem as contrapartidas às comunidades indígenas e especificidades de como será feita a fiscalização virão após a sanção do projeto.

No extremo oposto, a oposição vê no conteúdo do projeto, que tem apenas 16 páginas, um "libera geral" para a atuação de criminosos em terras indígenas, o que seria irreversível para a proteção da Amazônia.

- Não está claro como é vai ser feita a fiscalização, como os indígenas vão receber os royalties, como é que eles vão ter acesso ao mineral, como serão consultados - enumera o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista.

Segundo Agostinho, o maior problema não é a mineração em si, e sim o que a atividade econômica traz com ela:

- Para se chegar aos locais, será preciso construir estradas, ferrovias, aeroportos, barcaças, montar toda uma estrutura para fazer a extração. Com isso, abrem-se novas frentes de desmatamento - prevê o deputado.
Exemplos no exterior

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Luis Maurício Ferraiuoli, rebateu o argumento do parlamentar ambientalista. Ferraiuoli diz que modelos internacionais adotados em reservas indígenas no Canadá e na Austrália mostraram ser possível conciliar os interesses dos povos originários com o de empresas mineradoras.

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- Nesses lugares, a mineração trouxe a esses povos condições financeiras para protegerem as suas tradições e o meio ambiente, o que nós, como sociedade, falhamos em lhes dar. Sem recursos, essas comunidades acabam se deteriorando e perdendo a sua cultura - alerta o presidente da ABPM.

Formado em geologia e atuando há 25 anos no setor mineral, Ferraiuoli, no entanto, critica o texto atual do projeto.

- Da forma como está, tem uma veia muito mais voltada ao garimpo do que à mineração. Isso tem de ser aperfeiçoado. E o projeto deve respeitar a vontade máxima do povo indígena, que deve ser consultado em todas as etapas - recomendou.

A falta de consulta prévia às comunidades indígenas e a aceleração da tramitação do projeto são as principais críticas do subprocurador-geral da República Aurelio Virgilio Veiga Rios, que passou os últimos dias ouvindo as queixas de representantes de representantes de povos originários e considera o projeto inconstitucional.

- Há uma grande chance de ele ser barrado no Supremo Tribunal Federal. Havia outros que tratavam de mineração em terras indígenas melhores do que esse. Não vai afetar apenas esse povos, mas os bens da União, que são de todos --- avaliou o subprocurador, que integra a Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal.

Para a pasta responsável pela proposta que será discutida pelos deputados, o ministério de Minas e Energia, o texto traz benefícios às populações das reservas ao prever uma indenização e a criação de um conselho curador composto apenas por indígenas para gerir os recursos financeiros obtidos dos empreendimentos.

"A não regulamentação da matéria, além de insegurança injurídica, traz consequências danosas ao país, como não geração de conhecimento geológico, potencial de energia, emprego e renda, lavra ilegal, e não pagamento de compensações financeiras e tributos", alegou a Secretaria de Geologia e Mineração do ministério, em nota.

A advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula, vê vários pontos problemáticos no texto. Juliana destaca a possibilidade de autorização provisória de atividades mineradoras enquanto não houver autorização legislativa; a instituição de um conselho curador indicado pelo próprio governo para gerir os recursos de contrapartida (royalties); a dispensa de estudos de impacto quando as terras não estiverem ainda homologadas, ou seja, que ainda não chegaram à última fase de demarcação; e a ausência de consulta aos indígenas. Segundo ela, isso fere a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

- Temos hoje pelo menos 237 terras indígenas ainda não homologadas que ficariam vulneráveis - afirma .

O Globo, 11/03/2022, Brasil, p. 9.

https://oglobo.globo.com/um-so-planeta/mineracao-em-areas-indigenas-ent…

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