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Militar vigia e presta serviços na Amazônia

OESP, Nacional, p. A16-17
27 de Ago de 2006

Militar vigia e presta serviços na Amazônia
Exército planeja investir até 2010 R$ 50 milhões em 2 novos batalhões

Luciana Nunes Leal

Com um radar de alta precisão para controle do espaço aéreo, gerenciado pela Aeronáutica e 1.700 militares do Exército na vigilância de rios e da floresta, o noroeste da Amazônia, região conhecida como Cabeça do Cachorro, tem uma das mais amplas proteções de fronteira do País. Até 2010, o governo federal tem plano de dobrar o número de oficiais e soldados, com investimento de R$ 50 milhões para construir dois novos batalhões do Exército, nas cidades de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro.

A presença maciça do Exército na Amazônia, com 22 mil militares do Exército e 1.600 da Aeronáutica, para vigiar a imensidão de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, é uma combinação da tradicional visão de demonstração de soberania nacional com a necessidade de substituir serviços essenciais não prestados pelo poder público em grande parte da região.

"A questão da Amazônia é diferente da do resto do País", diz o comandante do Comando Militar da Amazônia, general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho. "Talvez o Exército esteja menos presente no Sul porque outras instituições estão lá. A Polícia Federal, por exemplo, não tem capacidade física de estar em alguns lugares onde nós estamos (na Amazônia). Temos uma dupla missão: a fronteira em si e o desenvolvimento e integração da área. Muitas vezes o médico, o professor, o farmacêutico disponível é aquele do Exército. E a Amazônia é a prioridade 1 do Exército."

Na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), a 858 quilômetros de Manaus, onde civis só chegam de avião comercial quatro vezes por semana ou em travessias de pelo menos dois dias de barco pelo Rio Negro, o hospital foi construído pelo governo estadual, mas o atendimento e o gerenciamento estão a cargo do Exército. Médicos e outros profissionais são militares. Nos sete Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs) da área da Cabeça do Cachorro, é comum oficiais darem aula nas escolas vizinhas, para suprir a falta de professores.

No pelotão de Cucuí, na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Venezuela, 90% dos atendimentos feitos no posto médico do Exército são para moradores da comunidade de índios e descendentes dos borés. "Até soldados venezuelanos vêm aqui", conta a aspirante Sheila de Andrade Ambrósia, de 24 anos, há quatro meses atuando lá. Outra aspirante, a dentista Lis Gonçalves Soares Santos, de 28 anos, nas horas livres dá aula de biologia para alunos do ensino médio da Escola Estadual Tenente Antônio João. Seu marido, sargento André Borgetti, ensina matemática e física. "É bom para aproveitar o tempo livre, para exercitar o conhecimento e conviver com os alunos", afirma Lis, que em abril trocou Aracaju por Cucuí.

A professora Gina Valéria da Silva, de 45 anos, da etnia boré e nascida em Cucuí, é uma das mais próximas dos militares do pelotão. "Quando muda o comandante e vou me apresentar para o novo, ele já até diz: 'Ah, a senhora é a dona Gina'. Um fala para o outro quem eu sou. Pena que eles ficam pouco tempo. A despedida é sempre um choro", relata.

A motivação da soberania nacional na estratégia de reforço da vigilância da Amazônia é resumida pelo tenente da Aeronáutica Alexandre Lopes dos Santos, comandante do Destacamento de Controle do Espaço Aéreo Uaupés, com sede em São Gabriel. Segundo o tenente Lopes, a consciência da necessidade de proteção da Amazônia se intensificou no início dos anos 90, "quando outros países passaram a duvidar da nossa capacidade de defesa". Até então, a proteção da região avançava lentamente com o Projeto Calha Norte, criado nos anos 80. Na década seguinte, surgiu o Projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Hoje, já implementado, o Sivam foi dividido no Sipam (Sitema de Proteção da Amazônia, administrado por civis) e nos quatro Cindactas (Centros Integrados de Defesa e Controle do Tráfego Aéreo).

A primeira providência no caminho de reforço da defesa amazônica foi a decisão de transferir para a região Norte, área do Cindacta 4, cinco radares que tinham sido comprados para se somar a cinco já instalados no Nordeste, onde funcionava o Cindacta 3. "Os radares eram para ser instalados no Cindacta 3. Foi preciso convencer muita gente de que era importante a instalação na região Norte", diz o tenente. "O Brasil decidiu, nesta época, provar que era capaz de cuidar da Amazônia sozinho. O Sivam foi implementado e a soberania se comprova a cada dia", diz o comandante do destacamento da Aeronáutica.

Terceiro maior município do País em extensão, com 112 mil quilômetros quadrados, São Gabriel, que faz divisa com Colômbia e Venezuela, é a sede dos principais estabelecimentos militares da fronteira. Além do destacamento da Aeronáutica, lá estão o 5o Batalhão de Infantaria de Selva e o comando da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, além da 21ª Companhia de Engenharia de Construção, todos do Exército. A Marinha não tem ação permanente de vigilância.

Dos 30 mil habitantes de São Gabriel, 90% são índios ou descendentes, o que deu a São Gabriel a fama de cidade mais indígena do Brasil. Entre os militares que atuam na região, oficiais e sargentos são transferidos de outros pontos do País. A maioria dos soldados e cabos, no entanto, é de nativos recrutados para trabalhos temporários, que podem durar no máximo sete anos.

"São imbatíveis para andar na selva", diz o comandante da Amazônia. Oficial de Comunicação Social da 2ª Brigada, o major Renato Tosetto voltou a São Gabriel em 2004, 13 anos depois de ter servido naquela mesma fronteira. "A cidade cresceu muito, antes era tudo de terra", diz. "Agora, tem até supermercado com ar-condicionado", conta o comandante da 2ª Brigada, general Antônio Hamilton Martins Mourão.

No meio da floresta, aparelhos de tecnologia internacional
Radar controla e defende espaço aéreo num raio de até 360 quilômetros

É difícil imaginar como um lugar tão distante e cercado de floresta como São Gabriel da Cachoeira pode abrigar equipamentos de alta tecnologia como o radar LP23M, um dos cinco grandes aparelhos de controle e defesa do espaço aéreo espalhados pela Amazônia - os outros estão em Tabatinga, Boa Vista, Manaus e Belém.

Com alcance para detectar praticamente todo tipo de avião que circula em um raio de 200 milhas (ou 360 quilômetros), o radar instalado no Destacamento de Controle do Espaço Aéreo Uaupés (nome original de São Gabriel) não trabalha sozinho. O gigante de 9 metros de altura, instalado a 22 metros do solo, é acompanhado por dezenas de sofisticados computadores de captação e transmissão de imagens em tempo real para a sede do Cindacta 4, em Manaus.

Radar e computadores misturam fabricação e tecnologia francesa, sueca, canadense e americana. Em salas geladas por condicionadores de ar, o suboficial Dalle Murussi, técnico de radar, acompanha as imagens captadas pelo LP23M, como a distância entre o avião e aparelho, direção e velocidade do vôo. Murussi passa três meses em cada destacamento onde está o equipamento.

Em Manaus, cem controladores lidam com informações repassadas pelos destacamentos. As atribuições vão desde acompanhamento e orientação para vôos regulares até perseguição de aviões suspeitos, além do resgate de passageiros em casos de acidente. Toda semana há ao menos um resgate, normalmente em pontos de difícil acesso da Floresta Amazônica.

Perseguições são irregulares. Controladores podem passar dias sem interceptar ou chegar a oito procedimentos com aviões suspeitos em menos de 24 horas. Embora a incidência de vôos ilícitos não seja linear, calcula-se média de 50 a 60 flagrantes mensais, a maioria resolvida com contato por rádio.

SINAIS

Os radares do Cindacta detectam aviões em altitudes baixas, de no mínimo 30 mil pés (ou 10 mil metros), o que em alguns casos significa voar pouco acima da copa das árvores. Alguns sinais levantam a suspeita de que o vôo pode ser clandestino. Os principais são o fato de o piloto não ter feito contato com a central de controle de vôo informando decolagem e uma aeronave voar por mais tempo do que a autonomia característica para aquele tipo de avião. "Há casos em que as aeronaves levam, em vez de passageiros, drogas e combustível para abastecer no vôo. Em vez de quatro horas, por exemplo, ganham autonomia de nove horas", diz o chefe da divisão operacional do Cindacta 4, tenente-coronel Leônidas de Araújo Medeiros.

"O tráfego ilícito não é só do bandido. Tem também aquele piloto que não quer pagar taxa pelo vôo ou que está com o avião em pane, mas insiste em voar." Muitas vezes, as perseguições, feitas com aviões-caça pousados em Manaus e outras capitais da região, são feitas a pedido da Polícia Federal, em operações com a Aeronáutica.

OESP, 27/08/2006, Nacional, p. A16-17

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