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Metal de índio

O Globo, Segundo Caderno, p. 1
14 de Dez de 2016

Metal de índio

Silvio Essinger

RIO - Vinte anos atrás, o Sepultura - já então a banda brasileira de rock mais conhecida no mundo - fazia o impensável com o álbum "Roots": casava as vertentes mais agressivas do heavy metal americano e europeu com a música dos primeiros habitantes do Brasil, e ainda punha a foto de um índio na capa do disco. Hoje, dia em que os irmãos Cavalera, fundadores da banda, voltam ao Rio para tocar as músicas de "Roots" (veja entrevista aqui), o sonho de um metal integrado às mais ancestrais raízes culturais brasileiras é uma realidade bem palpável. Inicialmente reunidos em torno de um movimento chamado Levante do Metal Nativo, grupos como o Arandu Arakuaa (de Brasília, que canta suas músicas em tupi-guarani), o Tamuya Thrash Tribe (do Rio), o Voodoopriest (São Paulo) e o MorrigaM (Macapá) assimilam, em diferentes níveis, as tradições de diferentes etnias indígenas para fazer uma música que pode até ter nascido no exterior, mas definitiva e irreversivelmente se abrasileirou.
- Os compositores de que gosto põem muito de sua vivência na música. Eu vim da zona rural de Tocantins, próximo a uma aldeia Xerente, dos meus antepassados. O metal apareceu na adolescência, mas eu nunca me afastei do meio indígena - conta Zhândio Aquino, guitarrista e fundador do Arandu Arakuaa ("saber do cosmos", em tradução livre do tupi), banda que no ano passado lançou o seu segundo álbum, "Wdê Nnãkrd", o mergulho mais profundo até agora na fusão do metal com a música e outras tradições indígenas. - Eu era moleque quando saiu o "Roots", achei legal as músicas com os xavantes e a capa, mas acho que ele influenciou muito mais o movimento do new metal que outra coisa. Na época, o disco não fez surgir nenhuma banda de metal indígena.
- Quando o "Roots" foi lançado, eu me senti traído - confessa Vítor Rodrigues, vocalista, letrista e fundador do Voodoopriest. - Eu era muito novo e radical. Só bem mais tarde é que eu percebi como esse disco foi importante para botar a cena metal brasileira no mapa do mundo. Escutei de novo o disco, de cabo a rabo, e só aí percebi a genialidade dele. Foi aí que tive a ideia de organizar o Levante do Metal Nativo.
Ex-vocalista da banda paulista de death metal Torture Squad (que fez vários shows no exterior) e com antepassados índios, Rodrigues teve sua atenção despertada pelo romance "Mandu Ladino", do escritor piauiense Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco, sobre um índio que lidera uma guerra de nativos de diferentes tribos (algumas até inimigas) contra os colonizadores portugueses. Daí veio a inspiração para "Mandu", álbum conceitual que o Voodoopriest lançou em 2014, para marcar sua posição na cena brasileira das guitarras.
- Existe aí um paralelo com o público do metal, que é um estilo ao qual a grande mídia não dá importância. Assim como os índios, o metal tem que guerrear para ter uma identidade e ser respeitado - diz Rodrigues, que em setembro, junto a seus companheiros de Voodoopriest, gravou o videoclipe (ainda a ser lançado) da faixa-título de "Mandu" na Oca da Tribo Xamã, templo religioso no interior de São Paulo.
Luciano Vassan, vocalista do Tamuya Thrash Tribe, conta que a ligação da banda com a causa indígena também veio de forma natural, por causa do estilo de música que apreciavam inicialmente.
- A temática do thrash metal é a do protesto. Então, fomos buscar ver o lado daqueles brasileiros que não tinham representatividade nenhuma, como os negros quilombolas e os índios. Ficamos impressionados com a questão dos suicídios indígenas. Quando você tira a terra dessas pessoas, as vidas delas perdem o sentido - explica Vassan, que, com o Tamuya, lançou neste ano o álbum "The Last of the Guaranis". - No início, a influência indígena ficava mais nas letras, mas aos poucos fomos participando de reuniões com índios, conhecendo melhor sua cultura, e a música deles foi se infiltrando em nosso som.
Tanta mistura nem sempre acaba sendo bem compreendida. Com viola caipira e toques musicais que se aproximam do samba, do frevo e do brega, o Arandu Arakuaa resolveu recentemente se desvincular da turma do Levante do Metal Nativo ("O importante é o trabalho que cada uma das bandas tem a fazer", justifica Zhândio, do Arandu).
- Eles têm uma visão mais lúdica e preferiram ficar de lado, mas acredito que juntos somos mais fortes - diz Vassan, do Tamuya. - A ideia do Levante é reunir bandas sérias, que falem do Brasil. Chegamos até a convidar o Gangrena Gasosa (lendária banda carioca de saravá metal) para participar também do movimento.
- É muito legal esse lance da diversidade do Levante, que foi algo surgido de forma muito espontânea, não exatamente para ser um movimento - acrescenta Rodrigues, do Voodoopriest, banda que não chega a incluir elementos da música indígena em seu som. - E o Levante nem é só para reunir grupos que falem dos índios, mas que falem do Brasil em geral, como é o caso do Cangaço, de Recife, que trata da pobreza no Nordeste.
Enquanto buscam maneiras de excursionar pelo Brasil, com o Levante ou não, os grupos de metal indígena perseguem o sonho do exterior, tentando trilhar o caminho que o Sepultura fez há mais de 20 anos. O Arandu Arakuaa tem planos de tocar pela primeira vez, no ano que vem, em Portugal e na Espanha. O Tamuya Thrash Tribe espera passar por Alemanha, Suécia e Polônia no segundo semestre de 2017. E o Voodoopriest mira na Alemanha e na França.
- O preconceito é natural, se a gente fizesse forró seria o mesmo - diz Zhândio, do Arandu. - Mas, quando a gente toca, a galera sempre fica curiosa.

Max e Igor Cavalera trazem ao Méier suas sangrentas raízes
Irmãos comemoram os 20 anos de seu disco mais conhecido nesta quarta, no Imperator

Bernardo Araujo

RIO - Foi no velho Imperator (que não era o ancestral Imperator, um cinema, fundado em 1954, mas tampouco o atual Centro Cultural João Nogueira, moderninho e multifuncional) que a formação clássica do Sepultura se apresentou no Rio pela última vez, no dia 8 de novembro de 1996. A turnê promovia o disco "Roots", lançado em fevereiro do mesmo ano, o mesmo "Roots" que pela primeira vez uniu as guitarras pesadas e berros guturais a sons indígenas - a banda passou alguns dias em uma aldeia Xavante no Mato Grosso, tirando inspiração para músicas como "Ratamahatta" (que no disco tem participação de Carlinhos Brown) e as instrumentais "Jasco" e "Itsári", gravadas na própria aldeia.
- Um dia vou levar meus filhos lá - promete Max Cavalera, cantor e guitarrista que, fora da banda que fundou desde dezembro de 1996, reuniu-se ao irmão Iggor, baterista (e ex-Sepultura desde 2006), para comemorar os 20 anos do disco com a turnê "Return to 'Roots'", que chega nesta quarta, às 20h, com abertura do Incite, ao bom e velho Imperator. - Vamos voltar à aldeia para gravar um DVD.
Ele se diz feliz com o efeito da união dos irmãos ao som das canções de "Roots".
- A reação das pessoas é animal - comemora Max. - Muita gente que vai aos shows nem tinha nascido quando o disco foi lançado, então é uma oportunidade única de ouvir aquelas músicas comigo e Iggor tocando.
Ao lado do baixista Johnny Chow (do Stone Sour) e do guitarrista Marc Rizzo (que acompanha Max na maioria de seus projetos, como o Soulfly), os irmãos prometem tocar o disco na íntegra, incluindo as músicas instrumentais (em playback), os sucessos como "Roots, bloody roots" (canção mais conhecida do Sepultura) e "Attitude" e lados B como "Ambush" e "Dictatorshit".
- No bis, costumamos tocar "Ace of spades", do Motörhead, e "Procreation of the wicked", do Celtic Frost, duas das nossas maiores influências - lembra Max, que descarta uma reunião com Andreas Kisser e Paulo Jr., que integram o Sepultura até hoje. - Já tentamos de todas as formas, ficamos cansados de esperar. Passou do nosso limite.

O Globo, 14/12/2016, Segundo Caderno, p. 1

http://oglobo.globo.com/cultura/musica/nova-geracao-de-bandas-de-metal-…

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