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Meta é reduzir exclusão no Saneamento

CB, Economia, p. 19
Autor: MOTTA, Ronaldo Seroa da
03 de Jan de 2007

Meta é reduzir exclusão no Saneamento
Governo federal cria marco regulatório setorial e aumenta possibilidade de financiamento da Caixa. Se o plano funcionar, 86% dos domicílios brasileiros terão abastecimento de água até 2010

Edna Simão
Da equipe do Correio
Iano Andrade/CB - 20/12/06

Todos os dias a doméstica desempregada Nilza Catarina de Sousa, de 38 anos, tem que percorrer mais de 500 metros para conseguir água para lavar louça, roupa e tomar banho. Os moradores da QRN 5, na cidade de Ceilândia, se revezam para encher baldes d´água em torneiras instaladas na beira da estrada. Para economizar a viagem, as filhas de dona Nilza, Laiza (11 anos) e Jéssica (2 anos), tomam banho no meio da rua. Já os adultos têm que se virar em banheiros improvisados ou aguardar a noite para se banhar entre os barracos. "Convivemos no meio do lixo e da lama. A questão mais grave é não ter água", lamentou dona Nilza. "Nós queremos ter água, luz, esgoto e coleta de lixo como todas as cidades têm para conseguirmos viver com dignidade", acrescentou.

Essas dificuldades fazem parte da vida de muitos brasileiros. Os investimentos do governo federal têm sido insuficientes para conseguir atender a todos os domicílios do país. A esperança é que as coisas mudem neste ano. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está obcecado por desatar nós existentes e que impedem o aumento das aplicações no setor. As obras de saneamento básico empregam muitos trabalhadores e, conseqüentemente, estimulam o crescimento econômico do país. Muitas vezes existem recursos, mas esses não chegam aos estados e municípios que mais precisam de saneamento básico. A liberação de recursos esbarra no elevado endividamento de governos estaduais e municipais e em limitações como a da Caixa Econômica Federal que tem pouco espaço para investimentos públicos. Esse problema deve ser resolvido com a transferência de R$ 5,2 bilhões do Tesouro Nacional para a Caixa. Nos últimos quatro anos, dos R$ 12,865 bilhões disponibilizados, apenas R$ 5,124 bilhões foram disponibilizados. Para o próximo ano, a expectativa de investimentos é de R$ 11 bilhões com dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). "O repasse de recursos, às vezes, demora três anos. Por isso, há lentidão na liberação", explicou o secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Abelardo de Oliveira Filho.

De 2002 para 2005, o número de residências no país saltou de 43,448 milhões para 53,052 milhões, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Do total de domicílios registrados em 2005, 82,32% (43,674 milhões) contavam com abastecimento de água e 48,24% tinham esgotamento sanitário. O ministro das Cidades, Márcio Fortes, explicou que o governo está trabalhando para aumentar de 82,32% para 86% a quantidade de residências com abastecimento de água até 2010. Hoje são 9,4 milhões de excluídos. A idéia é diminuir esse número para 7,1 milhões. No que diz respeito à coleta e ao tratamento de esgoto, 27,5 milhões de residências não contam com o serviço. "Queremos chegar 2010 com 55% dos domicílios atendidos, o que significa a inclusão de 7,3 milhões de domicílios", afirmou Fortes.

Para acabar com o problema, seriam necessários investimentos da ordem de R$ 178 bilhões ao longo de 20 anos. Com o orçamento apertado, o governo federal tem feito de tudo para estimular os investimentos privados por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Em dezembro, após 20 anos de espera, o Congresso Nacional aprovou o marco regulatório do setor de saneamento. A expectativa é de que os investidores passem a se interessar mais pelo segmento. Mas isso não é suficiente para resolver todos os problemas. É preciso regulamentar a lei. "Não basta apenas ter a lei federal com as diretrizes de prestação de serviços. O governo precisa regulamentar a lei e o Sistema Nacional de Saneamento Básico", ressaltou o presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), Silvano Silvério da Costa. Para ele, o grande ganho no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a retomada dos investimentos no setor com recursos do FGTS. "Os recursos estavam contingenciados no governo Fernando Henrique Cardoso. Foram R$ 5,1 bilhões nos três anos e meio e apenas R$ 360 milhões no período anterior", ressaltou Costa.

O especialista em saneamento básico do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil, Patrício Naveas, reforçou que o principal destaque do primeiro mandato de Lula foi a elaboração participativa da Lei de Saneamento. "Os principais desafios para o novo período é a implantação da lei e a concretização de parcerias público-privadas para a execução de projetos no setor, acrescentando recursos que permitam avançar no cumprimento das metas do milênio para água e esgotos", frisou Naveas.

O BID participa de cinco projetos na área de saneamento no país. Do investimento de US$ 1,040 bilhão, US$ 534,9 milhões são financiados com empréstimos do banco. Segundo o especialista do BID, o Brasil está em situação similar em relação aos outros países da América Latina. "O déficit da cobertura com serviços de água potável nos países latino-americanos no ano de 1990 era de 20%; e o déficit de esgotos, de 28%, de modo que a posição do Brasil está dentro da média. Porém, tendo em vista o tamanho do país, o entendimento ou não das metas por parte do Brasil, será decisivo no logro dos resultados na região, já que os investimentos no Brasil, comto aos investimentos do México, representam 55% das necessidades totais.

Palavra de especialista
Concorrência para o setor público

Ronaldo Seroa da Motta

Por vezes, deixa-se a impressão de que a expansão dos serviços de saneamento no país foi um fracasso total, mas a evolução da cobertura dos serviços de saneamento no Brasil foi significativa e nos últimos 30 anos, os serviços de água alcançaram mais de 30 milhões de domicílios e o de coleta de esgoto, quase 20 milhões de famílias. Então por que o setor é alvo de tamanha preocupação no debate nacional? Primeiro, esses avanços perderam aceleração nos últimos 10 anos. A queda de dinamismo do setor deveu-se, em grande parte, às rígidas restrições fiscais dos últimos anos que escassearam os recursos públicos. Segundo, as empresas públicas de saneamento tiveram dificuldades para adaptarem suas formas de gestão ante a deterioração da sua capacidade financeira. Terceiro, a falta de regulação econômica gerou contratos precários entre operadoras estaduais e municípios servidos que não eram transparentes na definição de metas e política de tarifas. Por fim, essa falta de segurança regulatória também contribuiu decisivamente para limitar o papel do capital privado no setor.

Agora em dezembro finalmente o Congresso Nacional, após um debate de mais de 10 anos, aprovou o Projeto de Lei 7.361 e passamos a ter marco regulatório para a área de saneamento no país. A lei aprovada garante que as atividades de saneamento podem se valer de contratos mais completos, seguros e transparentes. Entretanto, há uma ameaça à plena concretização desses ganhos. Embora as concessões às empresas privadas serão concedidas na forma da lei por licitações, o mesmo não ocorrerá na contratação de empresas públicas. Isso porque com a nova lei de consórcios municipais as empresas públicas poderão se valer de contratos de programa que dispensam licitações. Considerando a atual presença dominante das operadoras públicas estaduais no setor, esses contratos não-licitados serão a regra e não a exceção.

A ausência de licitação na concessão de serviços monopolistas é muito prejudicial, pois é na licitação que existe a oportunidade maior de concorrência. Logo, concessões não-licitadas poderão permitir que as negociações de contratos de serviços não aconteçam com minimização tarifária e ainda incluam outras questões alheias ao setor, nobres ou não, para a determinação de metas e tarifas. Ademais, tal exceção de concorrência irá afastar a inserção do capital privado. Se assim for, os objetivos de garantir a governança, a participação social e a expansão dos serviços a custos módicos estarão seriamente prejudicados.

Ronaldo Seroa da Motta é coordenador de Estudos de Regulação do Ipea

CB, 03/01/2007, Economia, p. 19

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